Ambec usa áudio sem validade para “provar” adesão de aposentados; ouça

São Paulo — Alvo de milhares de processos na Justiça por descontar, sem autorização, uma contribuição mensal direto da folha de pagamento das aposentadorias, a Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec) tem usado gravações de telemarketing sem validade jurídica para sustentar que os aposentados concordaram com a cobrança e tentar se livrar do pagamento de indenização por danos morais.

Em dezembro de 2023, o Metrópoles revelou que a Ambec, entidade registrada em nome de uma auxiliar de dentista que mora na periferia da zona leste de São Paulo, estava cobrando R$ 45 de mensalidade de aposentados sem o consentimento deles. A reportagem ouviu mais de meia dúzia de vítimas e citou os casos de duas mulheres que entraram na Justiça para reaver o dinheiro descontado indevidamente dos seus benefícios.

Em sua defesa, a Ambec anexou aos processos e enviou ao Metrópoles dois áudios de gravações telefônicas feitas por atendentes de telemarketing em nome da associação. Uma das aposentadas não reconheceu sua voz na gravação e a outra, Josefa Brito, de 74 anos, ganhou a ação contra a Ambec na Justiça de São Paulo, em fevereiro. Na sentença, o juiz reconheceu a “inexistência da relação jurídica” entre ela e a associação “por falta de idônea manifestação de vontade” pela aposentadora.

Ouça a gravação feita pela Ambec:

“O áudio revela que a autora foi contatada por atendente de telemarketing que, em dois minutos, ofereceu à autora a possibilidade de se associar à ré e expôs, rápida e superficialmente, as consequências, em sequência rápida de informações para consumidora que nem mesmo esperava receber tal ligação”, afirma o juiz Guilherme Rocha Oliva, da 38ª Vara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

No caso de Josefa, que afirma ter percebido o desconto indevido no terceiro mês, em agosto de 2023, a Ambec foi condenada a devolver os R$ 135 que descontou direto da folha de pagamento do INSS, a título de contribuição, e a pagar R$ 5 mil de indenização por danos morais. “Como que pode descontar na sua aposentadoria uma coisa que você não autoriza? O aposentado ganha pouco, não dá nem para comprar medicamento”, disse Josefa.

A Ambec já recorreu da sentença dizendo que “não há quaisquer ilicitudes” no caso de Josefa e que “nunca realizou a inscrição indevida de quaisquer aposentados em seu quadro de associados”. A associação afirma ainda que a alegação da aposentada de que desconhecia a entidade é “absurda”, porque para cadastrar associados “se faz necessária a indicação de dados pessoalíssimos do aposentado” que só a própria pessoa ou o INSS poderiam ter fornecido.

INSS diz que áudio não tem validade

Após ter acesso aos áudios da Ambec, o Metrópoles questionou o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) se as filiações às associações que representam aposentados podem ser feitas por meio de contato telefônico, O órgão, que é vinculado ao Ministério da Previdência Social e o responsável por autorizar essas entidades a cobrar contribuição mensal direto da folha de pagamento, afirmou que as adesões só podem ser realizadas por escrito.

“A autorização para efetivação do desconto é dada de forma expressa por escrito, em meio físico ou eletrônico, pessoalmente ou devidamente identificada por meio de acesso remoto. Assim não é aceita autorização dada por telefone, nem a gravação de voz reconhecida como meio de ocorrência, nem por meio de correspondência”, afirma o INSS.

Faturamento da Ambec saltou 1.500%

Nesta quarta-feira (27/3), o Metrópoles revelou que 29 entidades habilitadas pelo INSS para cobrar contribuição de aposentados direto da folha de pagamento em troca de supostos benefícios arrecadaram mais de R$ 2 bilhões desde janeiro de 2023. A reportagem apurou que outras entidades também apresentam gravações telefônicas com aposentados para “provar” a filiação quando são processadas na Justiça.

A Ambec, que firmou um termo de cooperação com o INSS em 2021, foi a associação que mais cresceu no período. Segundo dados oficiais obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, o número de associados dela saltou de 38 mil para 650 mil somente no último ano. Em janeiro de 2023, a entidade faturava R$ 1,8 milhão por mês. Em fevereiro deste ano, a cifra chegou a R$ 30 milhões, um crescimento de 1.500%.

Procurado pelo Metrópoles, a Ambec não retornou até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestação. Em dezembro, o advogado Fernando Araneo, que defende a Ambec, afirmou apenas que “a associação foi fundada há 17 anos, sem fins lucrativos, regularmente constituída para cumprir sua função social de auxílio a todos aqueles aposentados que voluntariamente se associaram, não possuindo nenhuma irregularidade”.