Alunos da USP reagem a projeto de cobrança em universidades públicas
Projeto de lei protocolado na Alesp prevê cobrança de mensalidades em universidades públicas estaduais em SP. Estudantes da USP rebatem
atualizado
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São Paulo — Estudantes da Universidade de São Paulo (USP) reagiram negativamente a um projeto de lei que propõe a cobrança de mensalidades nas universidades públicas estaduais em São Paulo, protocolado nessa terça-feira (17/9) na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). A proposta, de autoria do deputado estadual Leonardo Siqueira (Novo), prevê um financiamento por meio de empréstimos estudantis, cujo pagamento seria feito ao fim da graduação dos cursos.
De acordo com o texto, as instituições de ensino superior seriam responsáveis por determinar o valor das mensalidades, e o financiamento seria oferecido com base em um modelo de Empréstimos com Amortizações Contingentes à Renda (ECR).
Ou seja, o valor das parcelas seria proporcional à renda obtida – quanto maior o salário, maior a contribuição. Nesse sistema, os ex-alunos começariam a pagar suas dívidas apenas após a conclusão do curso e ingresso no mercado de trabalho. Aqueles que estiverem desempregados ou com remuneração baixa ficariam isentos do pagamento “até que a situação financeira melhore”.
Na USP, que é estadual, a notícia do projeto de lei se espalhou rapidamente nos últimos dois dias entre os estudantes.
“A gente começou a receber questionamentos disso nas redes sociais, nos grupos de WhatsApp dos cursos, então começou a repercutir de forma bem rápida”, afirma Pedro Antônio Chiquitti, diretor do Diretório Central dos Estudantes (DCE) Livre da USP e membro do Coletivo Juntos.
“A gratuidade da universidade garante uma mínima diversidade em sua composição e segue o princípio do direito à educação para todos. A proposta de cobrança de mensalidades vai no caminho do aprofundamento da elitização da universidade e do afunilamento do acesso à educação”, argumentou o estudante do curso de História.
Acesso à universidade
A proposta pretende combater “dois problemas comuns às universidades públicas do estado de São Paulo: a baixa inclusão da população mais pobre e a alta dependência das receitas do Estado para seu funcionamento”, segundo o texto.
Na justificativa apresentada, o texto destaca que a cobrança de mensalidades em universidades públicas já é uma prática comum em 20 países desenvolvidos, como Austrália, Inglaterra, Chile, Coreia do Sul e Estados Unidos.
“Com essa iniciativa, aproximamo-nos das melhores práticas internacionais, ampliando o acesso ao ensino superior para a população mais pobre e fornecendo recursos adicionais às universidades públicas do estado de São Paulo”, diz o texto, sem detalhar como o acesso à educação da população mais pobre seria garantido (veja explicação do deputado abaixo).
Para Claudia Costin, especialista em educação e ex-diretora global de educação do Banco Mundial, o Brasil vive outro momento em relação aos países desenvolvidos citados no projeto. Segundo a pesquisadora, o país precisa de mais jovens inseridos no ensino superior, uma vez que somente 21% dos brasileiros de 25 a 34 anos têm diploma universitário.
“Enquanto a gente está vivendo esse esforço que a gente fez de aumentar o acesso ao ensino superior, por meio de cotas raciais e para alunos de escolas públicas, por exemplo, eu não acho que começar a cobrar vai ajudar em alguma coisa”, diz a especialista.
Sobre o acesso de pessoas em situação de vulnerabilidade social à universidade pública, Costin analisa que não vê como empréstimos podem fazer com que mais gente queira ingressar no ensino superior, uma vez que há grande risco, ao fazerem o empréstimo, de não conseguirem pagar depois. “Nesse momento, há muitas prioridades que demandam ação legislativa, e não acho que essa seja uma delas”.
A estudante Rosa Baptista, também do DCE e integrante do Centro Acadêmico da Escola de Comunicações e Artes da USP, comentou que o projeto reverberou nos grupos da universidade, nos grupos de curso, e no próprio movimento estudantil. Em um reforço à fala de Costin, ela explicou que uma medida como essa representaria um retrocesso ao acesso à universidade de pessoas em vulnerabilidade social.
“A gente fica bastante preocupado, porque caso seja aprovado, o projeto vai significar um retrocesso para a universidade pública e especialmente para a USP, por exemplo, porque a universidade vem passando por um processo de mudança de perfil de estudante muito drástico, mesmo que lento, em que estudantes pretos, negros, periféricos e de baixa renda estão conseguindo ingressar na universidade por conta das cotas e através do vestibular”, argumentou.
O que diz o deputado
Questionado pela reportagem sobre como o projeto faria com que mais pessoas de baixa renda ingressarem ao Ensino Superior, o deputado estadual Leonardo Siqueira apontou que para expandir as vagas é necessário ter mais recursos, principalmente dos mais ricos.
“Nosso projeto vai trazer mais recursos para as universidades, nos moldes como é feito nos países desenvolvidos, e apenas dos mais ricos. Com mais recursos, as universidades conseguem expandir e ampliar as vagas, o que vai beneficiar os mais pobres, que continuarão sem pagar”, afirmou.
Com base em dados do Instituto Semesp, o deputado afirmou que em 1980 o número de vagas no ensino superior público era 482 mil, e no ensino privado 885 mil. Em 2020, o número de vagas no ensino público brasileiro era de 2 milhões e no ensino privado 6,5 milhões. “Ou seja, grande parte da expansão se deu por parte da iniciativa privada”, finalizou.