Alunos cotistas processam USP após ter matrícula negada por comissão
Comissão de Heteroidentificação entendeu que alunos não tinham características de pardos e negou matrícula a aprovados em Medicina e Direito
atualizado
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São Paulo – Dois estudantes cotistas aprovados na Universidade de São Paulo (USP) tiveram a matrícula negada após a instituição considerar que eles não eram pardos, como constava na declaração deles ao prestar o vestibular. Agora, as famílias tentam reverter a decisão na Justiça e estão processando a instituição.
Os dois alunos são do interior de São Paulo e foram aprovados na USP por meio do Provão Paulista. Os casos foram revelados pela Folha de S. Paulo e confirmados pelo Metrópoles.
Um dos estudantes é Alison dos Santos Rodrigues, que passou no vestibular para medicina. Nas redes sociais, a tia do jovem, Laise Mendes, diz que a universidade cancelou a matrícula do sobrinho após convocá-lo para a recepção com outros calouros.
“USP não aceita que meu sobrinho é pardo e nega nosso recurso, após enviar e-mail de boas vindas e convocação para recepção de calouros no dia 26 de fevereiro!”, escreveu ela em uma publicação no TikTok.
O estudante passou pela avaliação da Comissão de Heteroidentificação instalada pela USP para evitar fraudes no sistema de cotas. Segundo a instituição, o processo analisa as características fenotípicas dos alunos. A primeira etapa da análise é feita a partir de fotos enviadas pelos vestibulandos.
Duas bancas analisam as fotografias e caso as imagens não sejam aprovadas, o candidato é chamado para uma oitiva presencial, que acontece com quem fez o vestibular da Fuvest, ou virtual, se forem alunos aprovados pelo Provão Paulista ou Enem.
Alison passou por uma videochamada em que leu a autodeclaração, mas a Comissão de Heteroidentificação mais uma vez entendeu que ele não tinha características de uma pessoa parda. O estudante chegou a apresentar recurso à universidade, ainda dentro das etapas formuladas pela instituição, mas terminou com a matrícula cancelada mesmo assim.
A tia do estudante compartilhou uma foto com Alison no Instagram e disse que acredita que a justiça será feita. Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a família tenta um mandado de segurança para garantir a permanência dele no curso.
“Sem chão”
Situação semelhante aconteceu com o aluno Glauco Dalalio do Livramento, morador de Bauru, e aprovado para estudar na Faculdade de Direito da USP.
No parecer que decidiu negar o direito à vaga para Glauco, a Comissão afirmou que “o candidato tem pele clara, boca e lábios afilados, cabelos lisos (1C), não apresentando o conjunto de características fenotípicas de pessoa negra”.
Em entrevista ao Metrópoles, o pai do adolescente, Odirlei Lopes do Livramento, afirma que a família se sente injustiçada com a análise feita pela banca. “Ele é pardo e eu sou pardo para negro. Quem é [de cor] clara é a mãe dele. Ele puxou a característica do cabelo da mãe dele”, diz o auxiliar de pedreiro.
Odirlei afirma que o filho ficou assustado ao receber o e-mail avisando sobre o prazo do recurso e acabou enviando apenas outra foto, imaginando que a banca iria refazer a análise.
Ao ter a matrícula oficialmente cancelada, a família foi pedir ajuda na própria escola onde Glauco estudou.
“A gente ficou sem chão, não sabia para onde correr”, afirma o pai. Uma professora então fez a ponte com a advogada Alcimar Maziero, que tenta agora uma liminar para garantir a permanência do aluno na instituição.
“A hora que ele entrou no escritório eu não tive dúvidas de que ele era pardo”, diz a advogada.
O estudante é o primeiro da família a ser aprovado em uma universidade pública e sonha em ser juiz do Supremo Tribunal Federal, segundo o pai.
Na ação movida pela família contra a USP, a defesa contesta a resolução da universidade que permite uma avaliação presencial para estudantes aprovados na Fuvest e outra virtual para quem é aprovado no Enem e no Provão Paulista. Eles acreditam que se o estudante tivesse sido visto pessoalmente pelos avaliadores, ele teria sido aprovado pela banca.
“A gente ajuizou uma ação ontem [29/2] para que a resolução seja declarada inconstitucional”, afirma a advogada.
Outro lado
Em nota ao Metrópoles, a USP afirmou que a comissão foi criada para coibir fraudes e garantir a integridade da autodeclaração das pessoas convocadas para a matrícula nas vagas reservadas para pessoas negras, de cor preta ou parda.
“Esta foi uma demanda do movimento negro para que se desenvolvessem estratégias para controlar melhor o acesso às vagas para pretos e pardos”, diz a universidade.
Segundo a instituição de ensino, a comissão é composta por um professor da USP; uma aluno da pós-graduação indicado pela Coligação dos Coletivos Negros da USP; um aluno da graduação indicado pela mesma coligação; um representante da sociedade civil organizada que atue na defesa das ações afirmativas; e uma pessoa funcionária técnica-administrativa diretamente eleita.
A universidade afirma ainda que a oitiva virtual é uma forma de garantir condições para que candidatos de outras localidades tenham a oportunidade de ingressar na USP, já que muitos moram em lugares distantes da universidade.