Advogado ostentação pagou R$ 15 milhões a empresário da farra do INSS
Transações atípicas entre Nelson Wilians e Maurício Camisotti foram enviadas pelo Coaf a inquérito que investiga farra dos descontos do INSS
atualizado
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São Paulo — Um relatório de inteligência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) aponta pagamentos no valor de R$ 15,5 milhões feitos pelo advogado Nelson Wilians ao empresário Maurício Camisotti, investigado como possível “beneficiário final” da farra dos descontos sobre aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), revelada pelo Metrópoles.
As transações financeiras foram consideradas atípicas pelo Coaf e encaminhadas à Polícia Civil e ao Ministério Público de São Paulo (MPSP), no âmbito da apuração sobre a relação do empresário com três associações suspeitas de estelionato contra aposentados, por aplicarem descontos indevidos em aposentadorias — juntas, elas chegaram a faturar mais de R$ 50 milhões por mês com mensalidades associativas.
Nelson Wilians (à direita na foto em destaque) é dono de um grande escritório de advocacia e conhecido por ostentar vida de luxo nas redes sociais, exibindo mansão, avião, carrões e viagens. Apesar de ser advogado de Camisotti, de empresas e de uma associação ligada ao empresário, foi Wilians quem fez os repasses ao cliente, como pessoa física ou por meio de sua banca de advocacia. O advogado não é investigado neste caso.
O relatório de inteligência foi confeccionado e enviado a investigadores, segundo o Coaf, em razão do “comportamento financeiro” de Camisotti (à esquerda na foto em destaque), com “movimentação incompatível ao faturamento médio mensal, o que pode indicar que parte do faturamento esteja na informalidade”. Esse mesmo documento revela que uma corretora de seguros dele pagou R$ 1 milhão a um lobista que atua em nome de associações junto ao INSS, como mostrou o Metrópoles há uma semana.
Transações atípicas
A maior parte das transações, no total de R$ 12 milhões, foi feita entre 2016 e 2020, período em que empresas ligadas a Camisotti, como a Prevident, e a banca de Nelson Wilians eram prestadoras de serviços do Geap, plano de saúde dos servidores públicos federais que tem em seu conselho e diretoria indicações políticas e era um feudo político do PP e do PT.
Em 2019, no governo Jair Bolsonaro (PL), o Geap foi ocupado por militares que rescindiram os contratos com Camisotti e Wilians sob o argumento de que davam prejuízo. Batalhas judiciais entre o plano de saúde dos servidores, Camisotti e Wilians se arrastam até hoje no Judiciário de Brasília. Nessa briga, inclusive, o advogado já defendeu a Prevident contra o Geap.
A saída do Geap guarda relação com a entrada para o mundo das entidades no INSS, cujo conselho tinha indicados do órgão de saúde federal. Após ser expulso do Geap, Camisotti ergueu, em 2021, a Associação de Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), que firmou “acordo de cooperação técnica” com o INSS para efetuar descontos de mensalidades diretamente na folha de pagamento dos aposentados em troca de supostas vantagens em serviços, como seguro e plano odontológico.
A entidade era um antigo CNPJ engavetado e foi ocupada com pessoas ligadas a Camisotti e por Renato Aroldo, pai do ex-presidente do Geap Leopoldo Jorge, cuja gestão manteve contratos com empresas de Camisotti e a banca de Wilians. Quando firmou seu acordo com o INSS, a Ambec tinha apenas três associados. Três anos depois, esse número saltou para 650 mil, atingindo faturamento mensal de R$ 30 milhões, sob uma avalanche de acusações de descontos indevidos que viraram reclamações em sites de defesa do consumidor e processos na Justiça.
Além da Polícia Civil paulista e do MPSP, a farra dos descontos indevidos do INSS é investigada pela Polícia Federal (PF), pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
No início das demandas judiciais, foi Nelson Wilians quem assumiu a defesa da Ambec. À Justiça ele alegava que a filiação de aposentados era realizada de forma “manual” e que funcionários da associação responsáveis pelo serviço poderiam usar CPFs errados em razão de uma “possível inversão no dígito lançado no sistema”. Portanto, admitia o “erro”, mas defendia que não havia motivos para pagamento de indenizações a aposentados por danos morais.
A Ambec acumula milhares de processos no Judiciário, com centenas de condenações. Mais recentemente, defendida por outro escritório, ela passou a juntar áudios — sem data da gravação — de ligações telefônicas com aposentados que contestam filiações, desacompanhadas de qualquer outro documento. O detalhe é que o INSS não permite filiações por telefone, apenas assinadas e com cópia de documento do filiado.
No período pós-Geap, e como defensor da Ambec, Wilians manteve transações milionárias com Camisotti em sua pessoa física, como aponta o relatório do Coaf. Em novembro de 2021, dois meses depois de a Ambec obter seu acordo com o INSS, o empresário foi chamado ao banco para explicar o motivo de ter recebido uma transferência de Wilians no valor de R$ 751 mil e esclareceu que havia tomado um empréstimo com o advogado.
Em outra transação considerada atípica pelo Coaf, Wilians realizou pagamentos de R$ 2,1 milhões a Camisotti em agosto de 2022. Procurado, o advogado Nelson Wilians disse que não vai se manifestar. Por meio de nota, Camisotti afirmou que as transações envolvem “relação privada, sem qualquer irregularidade”. “Foge, portanto, do interesse público”, diz. O empresário tem negado qualquer relação com as entidades e ter cometido irregularidades.
Leopoldo Jorge afirmou ao Metrópoles que sua gestão à frente do Geap, entre maio de 2018 e fevereiro de 2019, foi desempenhada de maneira “profissional e dedicada”. “No que tange às questões relacionadas ao meu pai, Renato Aroldo de Sousa Costa, gostaria de esclarecer que, na qualidade de filho, não me é possível responder diretamente pelos atos ou decisões de cunho pessoal e profissional por ele tomadas.”
“Entretanto, quanto às circunstâncias do seu ingresso na associação em comento, acredito piamente que não lhe havia impedimentos para compor o quadro eletivo ou colaborar associativamente e, além disso, que tenha optado por se desvincular por razões de ordem pessoal, almejando dedicar-se a outros projetos”, diz.