De ações a brinquedos: como o PCC lavou R$ 20 mi em empresa de ônibus
Segundo MPSP, a empresa UpBus, que opera ônibus em SP, foi criada para lavar dinheiro do PCC e tem chefões da facção no quadro de sócios
atualizado
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São Paulo – O Ministério Público de São Paulo (MPSP) acusa sócios da empresa UpBus, responsável por operar linhas de ônibus na zona leste da capital paulista, de ocultar R$ 20,9 milhões do Primeiro Comando da Capital (PCC), obtidos com tráfico de drogas e outros crimes.
Segundo a Promotoria, a empresa teria sido criada já com objetivo de lavar dinheiro do PCC. O esquema envolvia desde distribuição desordenada de lucros e dividendos para diretores a movimentações financeiras feitas até em nome de loja de brinquedos.
As manobras foram detalhadas em denúncia do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPSP, no âmbito da Operação Fim da Linha, contra 19 pessoas ligadas à UpBus.
Atualmente, o órgão calcula que 60% das ações da UpBus estão nas mãos de um pequeno grupo ligado ao PCC.
O esquema seria encabeçado por Silvio Luiz Ferreira, o Cebola, que é apontado como integrante da cúpula da facção criminosa e está foragido.
Décio Gouveia Luiz, o Décio Português, e Alexandre Salles Brito, o Buiú, ligados ao alto escalão do PCC, também foram denunciados. Os outros acusados são um advogado, seis dirigentes da empresa de transporte e nove “laranjas” – pessoas usadas para adquirir ações da viação e esquentar os recursos da facção.
Ações
Segundo a investigação, a UpBus foi aberta pelos sócios Ubiratan Antonio da Cunha, Marcelo Paschoal Cardoso e Luiz Carlos Calegari – todos denunciados na Operação Fim da Linha. Com cotas igualmente distribuídas, a empresa tinha capital social de R$ 1 milhão em 2014.
Levantamento da Receita Federal, no entanto, indicou que os fundadores “não dispunham de capacidade patrimonial” para justificar esse valor. Marcelo, por exemplo, teria supostamente contribuído com 53 veículos para entrar na sociedade, mas só um deles era declarado.
Menos de um ano depois, em maio de 2015, a empresa virou uma sociedade anônima de capital fechado e houve, a partir de então, o ingresso de mais de 70 acionistas – parte deles também suspeita de ostentar patrimônio sem lastro, segundo o MPSP. Com isso, o capital social saltou para mais de R$ 20 milhões.
O movimento é descrito assim na denúncia: “Constituiu operação no mínimo atípica para os parâmetros de mercado, visto que cada uma dessas pessoas passou a exercer papel relevante no quadro societário da empresa entregando veículos que, em sua maioria, eram usados e contavam com muitos anos de uso”.
Dividendos
Então dono do maior número de cotas da UpBus, o diretor Admar de Carvalho Martins chegou a receber R$ 14,9 milhões, a título de distribuição de lucros, entre 2015 e 2022, embora a empresa tenha registrado prejuízo de mais de R$ 5 milhões no período.
Admar e outros dois dirigentes, Anísio Amaral da Silva e Wesley dos Santos Souza, também foram alvos da denúncia. Eles respondem à investigação em liberdade.
O MPSP afirma que chefões do PCC estavam por trás da pulverização das ações da UpBus e da distribuição desordenada de dividendos. A Promotoria mapeou nove pessoas com antecedentes criminais que compraram, pessoalmente ou por intermédio de parentes, cotas da empresa. A lista de crimes inclui homicídio, roubo e tráfico de drogas.
PCC
Condenado por tráfico de drogas e foragido há 10 anos, o líder Cebola é apontado como Sintonia Final do Progresso, responsável pela logística de cargas de cocaína, a principal atividade econômica da facção.
Em 2012, ele chegou a ser preso por policiais militares da Rota na garagem da cooperativa de transporte que deu origem à UpBus, na zona leste da capital, onde havia 635 quilos de maconha e mais de R$ 149 mil. Beneficiado por um habeas corpus, ele deixou a cadeia em 2014 e está foragido desde então.
Interceptações telefônicas mostram que Cebola “convocava reuniões com seus comparsas do PCC” para “tratar do tráfico de drogas em imóvel da cooperativa”, segundo o MPSP. Já o advogado dele, Ahmed Hassan Saleh, o Mude, teria sugerido, ainda, instalar “uma salinha na cooperativa para tentar blindar o local de eventual ação policial”.
A Promotoria diz que Mude recebeu R$ 1,2 milhão a título de lucro da UpBus – valor cinco vez maior ao que teria direito pelas suas cotas. Ele também foi denunciado na Operação Fim da Linha por suposto envolvimento na lavagem de dinheiro.
Na participação atribuída a Cebola na UpBus, também constam ações adquiridas no nome da sua mulher, Christiane Oliveira Loiola, cujo último emprego formal foi registrado em 2012, com salário de R$ 800. Em 2019, Christiane declarou à Receita Federal patrimônio de 1,87 milhão. Do total, 1,85 milhão eram valores em espécie.
Laranjas
Além da mulher de Cebola, oito supostos laranjas foram incluídos na denúncia da Fim da Linha. Cinco deles – Rubens Santa Fausta, Alessandro Santa Fausta, Andreza Becheli Santa Fausta, Eliana Aparecida Vitoria e Priscila Carolina Vitoria Rodriguez Acuna – são parentes de líderes do PCC que já estão mortos.
Os outros acusados são Ivanilda do Nascimento Ribeiro, ligada a Décio Português; Jacqueline Cavalcante Brito, supostamente preposto de Buiú; e Rosana Aparecida Ferreira dos Santos, a mulher de Mude.
No inquérito, o MPSP identificou o caso de uma investigada que declarou ao Fisco, em 2021, ter recebido R$ 564 mil de dividendos de uma loja de brinquedos. Segundo o MPSP, no entanto, o valor repassado aos sócios seria maior do que o movimentado pela empresa.
“Em síntese, as manobras empregadas pelos investigados visavam tão somente a simulação de suposto lastro patrimonial e a conversão de valores provenientes de crimes – tráfico de drogas, organização criminosa – em ativos lícitos”, diz o MPSP.
O Metrópoles não conseguiu contato com os citados na reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.