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Tudo que não encontramos na família projetamos na figura de Deus

Afinal, o que esperamos de Deus? E o que podemos esperar?

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1 de 1 mão deus rezar religião - Foto: iStock

Na semana passada, fiz um paralelo sobre as dinâmicas psíquicas e a imagem de Deus desenvolvida pela humanidade ao longo da história. No entanto, ficou de fora a questão funcional da divindade. Afinal, o que esperamos de Deus? E o que podemos esperar?

Ninguém teve os pais que desejou. Eles sempre poderiam ser mais alguma coisa, menos outra coisa. Da mesma forma, as circunstâncias de nossa vida também nos geram uma série de queixas. Assim como as relações que estabelecemos com o mundo.

Tudo isso é resultado da nossa natureza inconstante. Até quando alcançamos nossos desejos, a satisfação do ego se manifesta de forma fugaz, extingue-se em segundos. Logo, ele estará novamente à espera de algo melhor, idealizando felicidades.

Para isso, a imagem que projetamos de Deus se transforma num agente muito útil. Tanto para justificar nossos insucessos, como para que nos mantivemos num papel passivo diante de nosso desconforto. Queremos a salvação divina, sermos filhos prediletos a quem estão reservadas as melhores dádivas.

Assumimos, diante dessa imagem de totalidade, uma postura mesquinha, de eterna barganha ou lamentação. Isso quando não nos iramos pela injustiça com a qual a divindade nos trata – como se pudéssemos subestimar o arquétipo da inteligência e sabedoria. Somos crianças bobas.

E, assim como criamos deuses para atender esse propósito, também criamos e empoderamos seus opositores: personagens malignos, do insucesso e da destruição, que muitas vezes validam nossa própria maledicência. Transferimos a eles, deuses e demônios, o arbítrio de quem fomos, somos e seremos. Bem conveniente.

Cada vez que assim fazemos, perdemos a mais rica função da imagem divina: a da complementaridade. Tudo aquilo que não encontramos nos papeis e personagens que cruzaram nossa vida podem ser projetados, positivamente, na figura de Deus.

Ela pode ocupar o lugar da boa mãe, que cuida, acalenta e nutre. Também pode ser o bom pai, que limita, orienta e incentiva. Pode ser o juiz que defende e restitui aquilo que nos foi tomado, e até castiga quando nosso erro precisa ter fim. O médico que repara nossas feridas, do corpo e da alma. O filho que nos ensina a cuidar.

No Deus também cabe a segurança quando nos sentimos vulneráveis, desamparados, à mercê. A esperança para a oportunidade que não recebemos. A providência diante das nossas necessidades. A resignação para o que não conseguimos solucionar. A alegria que sustenta na adversidade.

Nesse somatório, Deus ocupa uma função curativa indispensável ao desenvolvimento psíquico. Não é à toa que a imagem divina transcende o tempo e o espaço, manifestando-se na humanidade desde os primórdios, sem ser superado. É a origem da ética, que norteia o bem viver e a boa relação com o outro.

Deus é o recurso natural que o homem encontrou para sanar nosso mal-estar existencial: a insuficiência humana, a consciência de sermos incompletos, falhos e limitados. Ele cumpre tal tarefa desde quando o criamos – ou o percebemos.

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