Toda prepotência encobre uma impotência. O mesmo vale para o contrário
Vivenciar a impotência ou a prepotência é algo inevitável. Fixar-se em alguma delas é que é o risco
atualizado
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Quando somos pequenos, achamos que a vida é difícil porque não temos nossos desejos realizados. E a culpa é da fada madrinha, ou do gênio da lâmpada, que se negam a aparecer. A adolescência chega e é a tirania dos pais que desperta a nossa frustração. Se não fossem eles, imaginamos, seríamos muito mais realizados.
Chegamos à vida adulta, e o problema novamente se transfere. Ao chefe que não nos reconhece e recompensa. À pessoa amada, que não se dedica o suficiente ou não corresponde o que esperamos. Os cabelos começam a embranquecer e é a vez do Estado e da sociedade pesarem na balança. Logo depois vem Deus e sua injustiça. O corpo falha, limita nossa capacidade. E morremos frustrados pela vida que “o outro” não nos permitiu viver.
Essa é a história de alguém que não busca se conhecer. Ou, pior: de um indivíduo que insiste em se enxergar passivo diante da própria existência. Um ser que, em vez de acolher a própria falha, acaba por transferi-la a algo que acredita ser externo, fora de si. Ou seja: alguém que não se percebe como parte integrante do mundo.
O que nos torna capazes
Esse pensamento foge do “querer é poder”, lema máximo da autoajuda. Nem sempre o querer é suficiente. Nem sempre o poder é permitido. Não somos tão autossuficientes assim. A realidade é muito complexa para que consigamos detê-la e conduzi-la. Mas não é por isso que devemos permanecer inertes, à espera da resolução automática das complicações que surgem no caminho.
O sofrimento nos chega quando experimentamos algum desses extremos. Se nos enxergamos prepotentes, acreditamos que estamos habilitados para decidir-agir-funcionar em qualquer situação, e que o resultado desejado depende apenas de esforço e dedicação. É mentira.
Da mesma forma, o impotente é aquele que se vê insuficiente para decidir-agir-funcionar diante de qualquer adversidade. Menospreza a própria presença, pois se vê pequeno demais, fraco demais. Nessa visão, o outro é alguém mais capaz. Quando este me serve, dele dependo. Quando me nega, dele me ressinto. Outra mentira.
O meu tamanho
Não precisamos ser demais nem de menos. Temos que encontrar a medida exata das nossas faculdades, e essa métrica não está escrita aqui – nem em lugar nenhum. Na verdade, aprendemos sobre nossos limites e possibilidades em cada passo da vida, quando tentamos escutar como cada momento repercute em nossa alma.
E, para balizar esse instrumento, não devemos ser óbvios (a tendência reducionista do ego) e apegarmo-nos apenas àquilo que faz bem, encoraja e energiza. Carecemos igualmente do incômodo, daquilo que deprime e nos coloca diante da incompletude. É esse repertório de excessos e faltas que nos define enquanto humanos.
Vivenciar a impotência ou a prepotência é algo inevitável. Fixar-se em alguma delas é que é o risco. Até porque surgem como faces da mesma moeda. O esforço para ser ultra compensa apenas algo em que nos sentimos infra, e vice-versa. E, enquanto isso, inúmeras outras possibilidades de realização vão sendo negligenciadas.