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Síndrome de mucama: um traço triste e vergonhoso de nossa história

A proximidade com o poder confunde-se com a capacidade de acessá-lo, turvando o discernimento da realidade

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1 de 1 Silhouette image of a businessman with broken chains in sunset - Foto: iStock

O povo brasileiro é fruto de um regime perverso: colonialismo exploratório e escravocrata, profundamente marcado pela desigualdade e o oportunismo. Mantido, muitas vezes, por um jogo psicológico ainda mais doentio: ampliar a desigualdade entre os semelhantes, para instalar entre eles o confronto. E preservar, assim, o poder na mão de quem o concentra.

Assim surgiu o que chamo de “síndrome de mucama”. Por morarem na casa grande, vestirem-se com os trapos das roupas da sinhá e poderem experimentar de sua comida, alguns escravos se viam menos escravos que os demais. Negavam as marcas dos grilhões e açoites, e renegavam a própria história.

“É como se fosse da família” – frase que ainda escutamos nas cozinhas, com a hipocrisia servida no prato.

A proximidade com o poder confunde-se com a capacidade de acessá-lo, turvando o discernimento da realidade. Repete-se em diversos contextos.

É o pobre que ridiculariza a pobreza, por ter adquirido algo supérfluo; o preto que deprecia valores étnicos, por se identificar com a cultura dominante; o gay que se sente superior e mais protegido de ataques, por não ser tão efeminado; a mulher que sai em defesa do marido infiel e ataca a outra, chamando-a de puta. Estes, entre incontáveis outros exemplos.

É bem provável que tais atitudes sejam resultado do medo, da humilhação ou da repressão sofridas. Não é fácil ser minoria numa sociedade tão marcada pela disparidade, pela desigualdade de oportunidades e pelo ódio às diferenças.

Quando somos marcados por sentimentos tão dolorosos, respondemos a partir das emoções – a razoabilidade se rebaixa, dificultando a capacidade de compreensão, argumentação e reflexão.

É fácil entender a síndrome de mucama. Mas isso não significa que devemos aceitá-la. Quando reconheço no semelhante o sofrimento que poderia ser meu, estabeleço um confronto contra as manifestações de iniquidade: o injusto, o maldoso, o abusador, o aproveitador, o violento.

Os traços tristes e vergonhosos de nossa história (seja ela pessoal ou coletiva) só poderão ganhar um encaminhamento positivo quando convertidos em experiência. Ou seja, quando a vivência não foi em vão, por ter permitido um aprendizado perene, capaz de reorientar nossa interpretação da realidade.

O principal ganho está na capacidade de atentarmos ao risco desse pequeno poder, que nos enfeitiça a querer crescer em detrimento do outro. Retomamos, aos poucos, a solidariedade humana – força capaz de deter vaidades e outras vilezas.

Não somos dignos quando reconhecemos a dignidade daqueles com quem nos identificamos, mas o somos especialmente quando admitimos a daqueles que de nós estão distantes.

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