Ser politicamente correto não é ser chato, é saber olhar o outro
O bom senso, por ser subjetivo, é algo extremamente perigoso. Criamos critérios para estabelecer o que é aceitável ou não, mas quase nunca levamos em consideração os parâmetros do outro
atualizado
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Uma mãe amamenta o filho em público, e isso é considerado um absurdo, pouca vergonha. Dois rapazes caminham de mãos dadas, e esse comportamento pode ser uma má influência às nossas famílias. Não sabemos exatamente como devemos nos referir ao deficiente físico, ou ao cabelo da amiga negra, para que não soe ofensivo.
Enquanto isso, crimes bárbaros, motivados pela violência gratuita, são questionados pela natureza de suas vítimas. “Fez por merecer” é a frase introdutória para julgamentos preconceituosos – gerando a revitimização.
O mundo está estranho, bem estranho. O que acontece com nossos valores? Perdemos a espontaneidade para o bom senso?
De fato, bom senso é algo extremamente perigoso, por ser subjetivo. E, ao criarmos critérios para estabelecer o que é aceitável ou não, quase nunca levamos em consideração os parâmetros do outro. Esse é o berço da injustiça.
Politicamente correto
Vivemos um momento transitório, a chegada de um novo paradigma. Por um lado, vemos uma parcela da sociedade mais interessada na inserção e garantia dos direitos de minorias. Esse é o verdadeiro sentido da política, no conceito grego da coisa — ações à participação contextual dos diversos grupos da Pólis, da cidade.
No fluxo contrário, vemos reações cada vez mais duras e violentas brotarem de quem não concorda com a inclusão. Condena-se com muita facilidade o erro do outro. Afinal, neste pensamento, o erro está sempre lá, fora de mim.
Vemos brotar daí comentários atrozes sobre o menino de dez anos, completamente desvalido de amparo, morto pela polícia depois de roubar um carro e de cometer uma série de infrações. Ou da jovem de 16 anos, violentada em suas sexualidade, imagem e dignidade. Quando não comentam, respiram aliviados, invadidos por uma sensação de justiça cumprida. Absurdo.
O injusto é um inseguro
Quando levamos a uma análise mais criteriosa, vemos que tais indivíduos são dignos de compaixão. Sua ignorância nada mais é que fruto da insegurança. Sentem-se ameaçados pelo crescimento do outro, creem que isso acabará resvalando negativamente na vida que alcançaram. Não confiam minimamente em si, no que creem, no que tem.
Muitas das coisas que apedrejam dizem respeito a feridas mal curadas, tendências reprimidas e referências distorcidas.
Acontecimentos restringem nossa visão, nos encarceram em nós mesmos. É o que chamamos de elementos sombrios da personalidade, fatores que nos incomodam quando os enxergamos no semelhante. Especialmente naqueles que realizam o que me foi tolhido.
O ignorante se agarra àquilo com o que se identifica, por não conseguir perceber o quanto essa crença é limitante. Perde muito com a própria estupidez. Isso não significa que devemos apoiá-lo em suas atrocidades. Isso seria como cortar fora as pernas de quem manca. Defender outros pontos de vista é a nossa melhor contribuição para que um dia, Deus queira, ele possa escapar da própria limitação.
Ser tolerante
O exercício da empatia é um desafio para qualquer ser humano. No entanto, olhar pela perspectiva do outro é a melhor maneira de sermos politicamente corretos. Ao trocarmos de lugar, aos poucos compreendemos o que é ofensa, onde está o limite. É um reaprender a pensar, a criticar, a avaliar.
Para finalizar, não se frustre por não conseguir mudar alguém que não consegue ir além dos próprios preconceitos. Essa mudança se dará no tempo de cada um, e às vezes esse tempo é nunca. Nada disso é novo. Os chineses já pensavam sobre isso há mais de 5 mil anos. E sintetizaram num provérbio: quando o sábio aponta às estrelas, o idiota olha para o dedo.