Se você é bom, não precisa provar isso para ninguém
O personagem que criamos para sermos aceitos não durará eternamente. Quanto maior for o esforço para mantê-lo vivo, mais se acentua a farsa
atualizado
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Quando nós, analistas, começamos a receber no nosso consultório uma leva de clientes com queixas semelhantes, uma luz de alerta se acende. É sinal de que devemos olhar para a forma como lidamos com a questão. Escrever pode me ajudar a compreender, e pode ajudar você também.
Inclusive, a palavra em questão é ajuda. Contemplar o outro, fazer o bem.
Parecer bom é, muitas vezes, uma tentativa de despertar o interesse do outro. Erramos, pois, ao agirmos assim, conquistamos pelo que podemos fazer, e não quem somos. E, quando nosso comportamento não mais condiz com as expectativas alheias, experimenta-se o descarte.
Esse comportamento retroalimenta a ideia de menos valia. A mesma que deu origem a esta engrenagem toda. Afinal, parecer ser bom somente para sermos desejados aponta para uma descrença nos valores genuínos, aqueles que provêm e traduzem nossa alma. Deixo de ser quem sou para ser o que pode ser mais agradável aos demais.
O personagem que criamos para sermos aceitos não durará eternamente. E, quanto maior for o esforço para mantê-lo vivo e atuante, mais se acentua a crença de que somos uma farsa. Tem algo de errado se escutamos que somos ótimos, mas, no íntimo, não acreditamos nas nossas capacidades.
Talvez essa seja a tal questão do “amor próprio”, que tanto ouvimos por aí. Amar é um verbo impreciso, de difícil definição, graças à subjetividade que o envolve. Mas, em geral, podemos pensar no amor como algo acolhedor, compreensivo, integrativo. Em todas as culturas, Deus traduz o amor justamente por conter, em sua imagem, o símbolo da totalidade.
A falta de amor denuncia uma dissociação. Ou seja, a incapacidade que temos de correlacionar aspectos aparentemente distantes, mas que são pertinentes quando enxergamos o todo. Querer bem ao outro, apesar do outro
Não posso dizer que amo quando gosto de um aspecto de alguém, mas não consigo aceitar/tolerar/respeitar características das quais divirjo. Posso até não concordar, mas não posso querer dissuadir ninguém de ser quem é. Quando nos unimos somente ao agradável, isso não é amor, é conveniência.
Da mesma forma, é em nome da conveniência que muitos mutilam sonhos, desejos, crenças e valores. Deixam, assim, de determinar a própria história, de realizar os propósitos mais profundos da existência. Quem vive assim sente-se à margem, na solidão, por não compreender que se esqueceu de ser bom para quem mais precisa: a si mesmo.