metropoles.com

Por que romantizamos tanto o sofrimento?

De tão repetida, a crença de que só vale a pena quando é difícil passa a ter valor regente sobre nossas vidas

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Istock
Business concept
1 de 1 Business concept - Foto: Istock

O que vem sem sofrimento não tem valor. Quantas e quantas vezes ouvi essa sentença? De tão repetida, passa a valer sobre nossa vida. A ponto de desconfiarmos do mais fácil – ignorando, assim, o conceito de fluidez.

Temos uma devoção perversa ao sofrimento. Bem provável que por consequência de uma civilização ocidental, fundamentada em dogmas de culpa e falsa resiliência. Especialmente nós, brasileiros, frutos de uma cultura de exploração colonialista, ainda curando chagas da escravidão.

Em nosso inconsciente coletivo, estamos familiarizados com o subjugo, a exploração e a dor. Ficamos hipnotizados com histórias de superação, pois ainda não encontramos caminhos viáveis para os dramas que nos atravessam enquanto povo. Se faltam escrúpulos, aguardamos a nossa hora do revide – quando encontramos alguém mais vulnerável diante de nós.

Quando alguém ultrapassa esses limites, e parece se distanciar desse pacto silencioso em nome da dor, invejamos e desconfiamos de tal proeza. Depreciamos, com sordidez, aqueles que parecem ter traído esse propósito. Julgamos e queremos imputar-lhes alguma pena – de preferência, que eles endossem a culpa sobre si.

Fazemos isso porque aprendemos a desfrutar os benefícios do sofrer. Gozamos com a comiseração, a ponto de sentirmos dó da nossa própria história. Para abrandá-la, compramos barato a nossa indulgência: os pecados de cada dia justificam-se a partir da dor vivenciada. Cada lágrima derramada, ou cada gemido resignado, representam uma vaidade encoberta.

Essa dinâmica não é só a normalização do sofrimento como caminho de vida. Vai além: transforma-se num círculo vicioso, no qual a ideia de paz, conforto e prazer distanciam-se cada vez mais – muitas vezes, sendo projetado para o futuro ou até para uma existência pós-morte.

O desenvolvimento tem o sacrifício como pressuposto. Perdemos para aprendermos a ganhar. Basta observarmos os grandes marcos da vida: a dentição, a alfabetização, as primeiras paixões… Todos funcionam como pontes que nos levam de um estágio a outro da existência. Abrimos mão de privilégios para que conquistemos novos territórios.

Mas nem tudo precisa ser tão duro, tão árido, para ter valor. Também precisamos encontrar a graça nas boas surpresas, nas bonificações que a vida oferece. Nelas podem habitar os bons propósitos da alma. Mas isso só costuma acontecer quando encontramos consonância com ela, quando dela somos servos fiéis.

Orgulhar-se da própria história não é destacar os eventos ruins, nos quais o prejuízo se evidencia. É mostrar no que nos transformamos a partir deles – o que percebemos claramente pela forma como as histórias são contadas.

Ou seja, sofrer vale a pena quando permite ampliar a capacidade de elaboração de experiências, quando encontramos o significado de realização da existência. Até mesmo nas religiões, o martírio só é reconhecido pelo deus quando é motivado por um propósito superior, verdadeiramente espiritual. Fora disso, é vida que se esvai em vão.

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?