O que queremos esconder quando buscamos refúgio na solidão?
Uma das principais finalidades do isolamento é o medo de desnudar a alma e se mostrar vulnerável
atualizado
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O isolamento é uma necessidade que se manifesta em diferentes momentos da vida, e com diversas finalidades. A mais triste delas é o medo. Pessoas recorrem à solidão para evitar o desnudar da alma, pois, assim, acreditam, estarão vulneráveis.
Não estão propriamente enganadas. De fato, a transparência revela a presença diante do outro. O erro é pensar em quem está diante de nós como uma ameaça à suposta felicidade – já conhecida ou estimada. É a marca da insegurança, da falta de confiança nas convicções que nos estabilizam.
Sozinhos, também podemos nos perder no passado ou no futuro. Ensimesmados no erro, ou na expectativa de um ideal, tornamo-nos a nossa pior companhia. Deixamos de tocar na vida real, do aqui e agora, enquanto dialogamos com vozes que brotam para nos condenar ou iludir.
Nesse “não ata nem desata”, pouco percebemos o tempo se esvair – e, junto com ele, a chance de efetivar o que verdadeiramente interessa: o significado da existência.
No extremo oposto está o medo dessas mesmas falas. Perturbadoras, elas nos impõem a necessidade de fugir a qualquer custo da solidão. Usamos conversas torpes e inócuas como distração e, assim, tentamos escapar dos personagens internos que nos acompanham e insistem em falar.
Negados em suas reclamações, eles falarão cada vez mais alto e mais violentamente. Enquanto insistimos em parcerias vazias para um entorpecimento mútuo. Os medos e fragilidades são embalados em uma capa de falso otimismo, assepsia e firmeza – como cúmplices que mentem para dissimular um mal comum.
Ganhamos companhia, mas permanecemos sozinhos. Perdemos, assim, a chance de estabelecer um vínculo leal de intimidade e reciprocidade. Daqueles que nos levam à desconstrução dos nossos conceitos, ao desconhecer-se para reconhecer-se diferente.
Solitude é o termo que vem sendo empregado para nominar a satisfação alcançada ao estarmos “sozinhos e em boa companhia”. Ela não deriva de uma sublimação da necessidade de compartilhar com o outro (uma suposta independência), e, sim, de um estado de suficiência ao lidarmos com as nossas angústias. É resultado direto do amor próprio.
Por esta razão, não é para todos. Mas somente para os que têm coragem de encarar as próprias lacunas e incapacidades. Não como um exercício ferrenho de autopiedade, e, sim, como um traço da condição humana (demasiado humano, como salientou Nietzsche). É lidar ao mesmo tempo com o intransponível de hoje, e com as possibilidades do hoje. É lidar com a realidade possível.