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Negar o passado do outro demonstra insegurança com a própria história

Não aceitar os passos percorridos pelo outro é um exercício de egoísmo, é querer negar-lhe o direito de ter uma história

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Vidas não tem rascunhos, nem ensaios. Tudo é à vera, com chances de correção mas sem a possibilidade de rasuras. Edificam-se mais a partir dos erros, que dos acertos. É óbvio, mas temos uma dificuldade enorme para aceitar esse fato. Especialmente quando falamos do passado do outro. Ainda mais nas relações amorosas. Nos apoiamos na grande tolice de crer que o outro nasceu no dia em que nos conheceu.

Ciúme, inveja, avareza, vaidade. Quatro dos sete ditos pecados capitais servem de pilares para essa crença mesquinha. Não aceitar os passos percorridos pelo outro é um exercício de egoísmo, é querer negar-lhe o direito de ter uma história. E isso não acontece à toa.

Geralmente, evidencia os nós que nós mesmos não conseguimos desatar no nosso próprio caminho. Os equívocos que cometemos. A incapacidade de finalizarmos processos e relações de forma honrosa e apaziguada. Medimos o outro com nossa régua torta: e queremos que ele apague de si as memórias pois temos, em nosso armário, caveiras não sepultadas.
Somos nossa história

Quando conheço uma pessoa, entro em contato com uma história complexa, que a moldou. Inclusive, se me interesso por alguém, devo ser grato a esta história pregressa. É justamente ela que fez esse ser interessante. Mais que os fatos do passado, vale saber o que cada um fez com a vida que teve.

Um velho sábio me ensinou que, quando nos batem à porta, perguntamos “quem é?”. Nunca “quem foi”, para que não sejamos injustos. No entanto, devemos valorizar trajetórias. Chegamos aqui porque fomos quem fomos.

Clarice Lispector sintetiza isso lindamente: “Antes de julgar a minha vida ou o meu caráter, calce os meus sapatos e percorra o caminho que eu percorri, viva as minhas tristezas, as minhas dúvidas e as minhas alegrias. Percorra os anos que eu percorri, tropece onde eu tropecei e levante-se assim como eu fiz. E então, só aí poderás julgar.”

Histórias e personagens não desaparecerão por um simples desejo. Elas se transformarão. É difícil mudar, mas tudo muda: sentimentos, escolhas, crenças. Em resumo, pessoas se reinventam. Para ter o mínimo de paz e segurança, é preciso acreditar nisso. Confiança é lastro em relações de qualquer natureza. Caso contrário, até convive-se, mas sem qualidade.

Novo nascimento
A função maior de cada encontro entre pessoas é fazer despontar, em cada indivíduo, aspectos ainda não experimentados de sua alma. De certa forma, não nascemos quando conhecemos ninguém. Mas renascemos, reinventamo-nos. E isso é maravilhoso.

Grande parte desse movimento se dá a partir da escuta. A partir dela, percebemos o caráter do outro – ou seja, a forma como ele se porta diante das situações. Mas não é só. Vemos aí também a nossa reação. Inclusive a bobagem de quem quer afrontar o imutável. Não tente competir com o passado de alguém. Ele é, você apenas está.

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