Mágoa e desconfiança: a dificuldade de se terminar bem uma relação
Projetamos no outro a solução de questões exclusivamente pessoais – como se tivessem negado aquilo que poderiam dar
atualizado
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Como seria bom se os casamentos terminassem com o mesmo respeito, cuidado e afetuosidade que têm ao começarem. Se pudessem existir festas de descasamento, com o mesmo entusiasmo, para celebrar o bom vivenciado, o amadurecimento promovido na alma.
Mas não. Vemos ataque, mágoa, desconfiança. O destampar de uma panela mais parecida com a caixa de Pandora, de onde escaparam as desgraças povoando o universo. É no divórcio que realmente conhecemos o outro, dizem. Não deixa de ser verdade.
É num momento de tamanha vulnerabilidade que mostramos como reagimos diante do medo. Especialmente nas relações longas, o fim se aproxima junto com a incerteza. Do que seremos além da parceria, de quem virá a se refazer primeiro, de como os outros absorverão a situação.
Com quem ficarão as coisas? As crianças? Os amigos? As memórias? Relações longas misturam tanto a gente, transformam tanto, que é injusto falar em separação. Um patrimônio jamais será separado: a história escrita durante a parceria. É injusto, e inútil mesmo, querer afastar.
O término se irmana ao luto: reconstruir a vida na ausência e para além dela. Nisso, a forma como encaramos as transformações impostas pela vida determinará o futuro. Por mais amarga que seja a história, todos têm a chance e a possibilidade de chegarem a uma melhor versão de si depois desse período.
Mas isso exigirá dedicação, entrega e, especialmente, disponibilidade para a desconstrução. Desacostumar-se dos hábitos é fácil, difícil é desacostumar-se da condição de par. O constrangimento não é menor que o medo de errar novamente os mesmos erros. E, infelizmente, é a situação mais comum.
Até porque, muitas vezes, usamos os argumentos mais torpes para encobrir as verdadeiras razões para o desfecho. O descompasso de afetos é, quase sempre, uma consequência fatal do desalinho dos propósitos para a parceria.
Alguém seguiu e alguém ficou. Ou apontaram para direções divergentes. O que vem daí é pura consequência: a distância, a traição, os argumentos familiares, a falta de interesse sexual, as dificuldades econômicas. Tudo isso se alinha novamente, quando ambos querem o mesmo.
Um casamento não se faz só da vontade de estar junto. Mas também de como cada um conduz a própria história. E esse é o maior dos erros. Muitos creem na proposta romântica de “dois corpos para a mesma alma” e, assim, deixam de perceber e nutrir o que lhes constituem como seres individuais. Mais cedo ou mais tarde, atribuirão ao outro a causa de não se sentirem realizados.
Somos educados para acreditar num casamento alegórico, performático, sem considerar as dificuldades reais de um casal. Nossos professores também não sabem exatamente o que estão dizendo, mas repetem e cobram a lição. Insistimos nisso, excedendo nossos limites. Ou desistimos logo, sem permitir aos desafios a incitação da busca interna de soluções.
Projetamos no outro a solução de questões exclusivamente minhas – como se tivessem negado aquilo que poderiam dar. Queremos a salvação de um deus falho, que não lê nosso coração e não nos entrega o desejado. Por isso, terminamos tão mal. Por não sabermos sequer o que de fato queremos requisitar.
*No próximo sábado (21/7), estarei apresentando a palestra Desatar o[s] Nós: o encerramento saudável das relações conjugais, ampliando ideias sobre este tema. O encontro será no auditório da Livraria Paulus (SCS Quadra 1), às 9h. O investimento é de R$ 10. Informações e inscrições pelo WhatsApp: (61) 98341-0228