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Cuidado ao erguer muros: eles podem tanto proteger quanto isolar

A real segurança não está na muralha impenetrável, e sim, em entendermos nossa capacidade de reconstrução sem precisar subtrair o outro

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Certos textos nascem quase que prontos, da experiência no consultório. No mesmo dia, três clientes trazem a mesma imagem: um muro alto. Num sonho, numa sincronicidade, como metáfora. Cada qual encontrou associações pertinentes à sua história, além de incentivarem reflexões sobre o tema. Compartilho algumas aqui.

O muro tem por função primal a delimitação de um espaço, diferenciar o coletivo e o individual. Fala também de propriedade: a distinção entre o que é meu e do outro. Esse discernimento é um atributo básico quando pensamos no desenvolvimento da psique.

Ao identificar o “eu” e distingui-lo dos demais elementos do mundo, a criança levanta as primeiras cercas, ainda bastante frágeis, mas que virão a determinar o território no qual poderá erguer seu legado.

Aos poucos, essa cerca será substituída por edificações mais sólidas: muros concretos, que conferem um nível maior de segurança e proteção a quem neles habita. As experiências servirão de alicerce e os afetos serão a matéria-prima para erguer essa estrutura.

Precisamos de muros para nos sentirmos minimamente seguros diante das intempéries, e também das investidas negativas do outro. Ele nos dará a capacidade de distinguir o que precisa ficar de fora, e, assim, preservamos aquilo que nos é mais caro.

Sem essa separação, ficaríamos diluídos nas questões dos grupos aos quais pertencemos: família, amigos, sociedade. Todas nos invadiriam e, assim, seria impossível explorar as potências da nossa individualidade.

Podemos, entretanto, construir muralhas impenetráveis, dignas de fortalezas, especialmente quando a vida for dura, dolorosa. Experiências norteadas pelo medo nos fazem instalar mais uma fiada de pedras acima: buscamos proteção daquilo que apresente potencial nocivo.

Convém ressaltar que o medo não é, necessariamente, resultado de vivências sofridas. Quando contextualizadas, ganham sentido e são assimiladas positivamente como situações válidas para nosso desenvolvimento. A fobia é resultado da dificuldade de aceitarmos o bem e o mal como constituintes naturais da existência.

O que dará a medida certa do nosso muro é a capacidade de defendermos nossos valores, e isso tem uma ligação direta com a forma como nos relacionamos com eles.

A verdadeira segurança não está na muralha impenetrável, nas lanças ou cerca elétrica: está em compreendermos a nossa capacidade de reconstrução como algo além do poder de subtração do outro. Pessoas mesquinhas e tacanhas se defendem tanto, a ponto de perderem o acesso do que há de melhor em si.

Além do tamanho adequado, bons muros não perdem a capacidade de comunicação com o mundo exterior. Exageramos quando não conseguimos reconhecer a língua, a crença, os valores do nosso vizinho. E quando, especialmente, perdemos a chance de enxergar a grandeza do horizonte.

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