A preguiça é a trincheira onde nos escondemos da vida
O argumento da indolência encobre tudo que não queremos assumir de cara lavada: raiva, medo, vaidade, passividade, covardia
atualizado
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Quando conhecemos minimamente os meandros da psique, fica cada vez mais complicado acreditar que atitudes são inviabilizadas pela mera preguiça. Se ficarmos atentos, atestaremos que ela não é nada mais que um disfarce, uma dissimulação.
O argumento da indolência encobre tudo que não queremos assumir de cara lavada: raiva, medo, vaidade, passividade, covardia. Ou seja, tudo aquilo que nos exige uma atitude comprometida, um posicionamento ativo sobre o lugar que ocupamos no mundo.
Mais que poupar-se do esforço, ou do efeito de uma mera apatia, a atitude preguiçosa surge como uma alternativa soberba diante de nossas problemáticas. Olhamos de cima para baixo as atribuições, como se a necessidade devesse esperar por nossa disponibilidade. Como se nossa vontade fosse suficiente para estancar o fluxo das coisas que precisam se realizar.
A evitação se traveste de preguiça por esta ser mais fácil e aceita em nosso mundo. Apesar do apelo desenfreado à vida produtiva (virou chique dizer que estamos corridos, ocupados, estressados), protegemos intimamente o preguiçoso. Ele espelha as nossas inconsistências. Um protege o segredo do outro.
Nesse movimento, menosprezamos não só a cadência do tempo, mas principalmente a urgência daqueles com quem convivemos. Assim, o custo daquilo que é desconfortável em nós é repassado para a conta de alguém, indevidamente. Terceirizamos o esforço que deveria ser nosso.
Essa postura supostamente arrogante do indolente multiplica nossos problemas, em vez de ganharmos tempo para resolvê-los.
Falo em uma arrogância fajuta pois, de fato, a capacidade de enfrentamento é a real vulnerabilidade do preguiçoso. O que ele não quer é lidar com os desafios aos quais é chamado. Nada na natureza se paralisa sem um propósito. Não seria diferente na psique.
O indolente evita o erro com sua morosidade. Ele não quer ser colocado à prova, pois, inconscientemente, não se vê capaz ou apto àquilo que é convocado.
Inclusive, essa evitação pode também ser indício de uma baixa autoestima, ou seja, da incapacidade de reconhecimento e promoção dos próprios valores. É como se a pessoa não conhecesse as próprias potências. E isso pode apontar questões mais sérias.
Quadros depressivos, por exemplo, são descritos inicialmente como preguiça crônica, uma dificuldade para lidar com aquilo que deveria ser cotidiano, orgânico. Aos poucos, isso se amplia para uma “preguiça de gente”, culminando na “preguiça de si mesmo”. A existência se transforma num enfado, e isso pode ser a porta para tragédias.
Proponho um exercício: verifique em si aquilo que desperta tais sensações. Descortine o véu da preguiça e veja as emoções que se ocultam por trás dele. Busque as situações que as fizeram ancorar, e o que isso lhe cobra. O que evitou-se assumir, mudar, aceitar? Certamente você descobrirá, neste exercício, mais sobre você.