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Vacina de spray nasal é diferente de remédio defendido por Bolsonaro

É enganoso post que relaciona spray nasal defendido por Jair Bolsonaro (PL) contra a Covid-19 e vacina por via intranasal

atualizado

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Reprodução/Projeto Comprova
Imagem colorida de post enganoso sobre vacinas intranasais
1 de 1 Imagem colorida de post enganoso sobre vacinas intranasais - Foto: Reprodução/Projeto Comprova

Esta checagem foi realizada por jornalistas que integram o Projeto Comprova, criado para combater a desinformação, do qual o Metrópoles faz parte. Leia mais sobre essa parceria aqui.

Conteúdo investigado: Post unindo títulos de duas reportagens para afirmar, erroneamente, que Bolsonaro estava certo sobre aposta em remédio nasal contra o coronavírus. A primeira chamada, publicada pelo UOL em março de 2021, diz: “Com spray, Bolsonaro insiste em medicamento sem eficácia contra Covid-19”. A segunda, que foi ao ar no programa “Fantástico”, da Globo, em 5 de junho de 2022, informa: “Vacina de spray nasal é o caminho para o fim da pandemia de Covid, apontam especialistas”.

É ENGANOSO post que usa a hashtag #Bolsonarotemrazão ao comparar uma reportagem do UOL, de março de 2021, com outra do Fantástico, de junho de 2022. A primeira informa que o spray nasal, aposta do presidente Jair Bolsonaro, não tem eficácia comprovada contra a Covid-19. A do programa dominical da Globo afirma que especialistas apontam vacina de spray nasal como “caminho” para o fim da pandemia. A relação, porém, não pode ser feita, porque se tratam de medicamentos diferentes.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

O que o presidente defendia é um remédio que está sendo desenvolvido em Israel para tratar pessoas já infectadas pelo coronavírus; já o citado na reportagem do Fantástico é um imunizante.

Sobre o spray que trata a doença, o EXO-CD24, Nadir Arber, um dos cientistas que participa das pesquisas, disse ao Comprova que ainda não há resultados que comprovem sua eficácia – exatamente como informa a reportagem do UOL usada no conteúdo enganoso.

Alcance da publicação

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. O post da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) no Facebook recebeu 2,5 mil comentários e foi compartilhado mais de 15 mil vezes até 8 de junho. Outros políticos divulgaram as mesmas alegações em seus perfis do Facebook após a postagem da parlamentar. Até a mesma data, a publicação do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) tinha 3,3 mil compartilhamentos e 966 comentários. Já o conteúdo propagado pela deputada federal Bia Kicis (PL-DF) teve 3,3 mil compartilhamentos e 496 comentários.

O que diz o autor da publicação

O Comprova entrou em contato com Carla Zambelli, Bia Kicis e Flávio Bolsonaro para esclarecer questões referentes às postagens enganosas. Em resposta, Zambelli questionou o trabalho do Comprova, disse que as duas substâncias são parecidas por serem sprays nasais e afirmou que não teceu “qualquer opinião sobre a eficácia do imunizante proposto”. Os outros políticos não responderam.

Como verificamos

Com a ferramenta TweetDeck, foi possível encontrar as primeiras postagens de Bolsonaro relacionadas ao spray nasal. A equipe também buscou as reportagens cujos títulos são citados na peça de desinformação e outras relacionadas ao spray contra a Covid.

A partir de reportagem da Folha de S.Paulo sobre o spray que citava o Clinical Trials, site que reúne informações sobre testes de medicamentos, o Comprova buscou o estudo relacionado ao EXO-CD24 e os nomes dos responsáveis. Via pesquisa no Google, foi possível encontrar seus e-mails e contatá-los. Quem respondeu o contato foi Nadir Arber, professor de medicina e gastroenterologia e diretor do Centro Integrado de Prevenção do Câncer do Centro Médico Sourasky – Hospital Ichilov, em Tel Aviv, em Israel.

Também foram entrevistados Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), e a professora Anamélia Lorenzetti Bocca, coordenadora do Laboratório de Imunologia Celular no Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB).

Primeiras menções

Bolsonaro começou a falar sobre um spray nasal contra a Covid-19, de acordo com a Folha, em fevereiro de 2021, após o jornal israelense Times of Israel publicar que o remédio EXO-CD24 havia curado 29 dos 30 casos moderados a graves de Covid-19.

Em 12 de fevereiro de 2021, em seu Twitter, o presidente afirmava ter conversado com o então primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, sobre o medicamento, que vinha “obtendo grande sucesso no tratamento” da doença em casos graves, como ele escreveu. Três dias depois, ele publicou que “brevemente” enviaria o pedido de análise para seu uso emergencial à Anvisa, mostrando interesse em comprá-lo.

Cerca de um mês depois, de acordo com a reportagem do UOL, cujo título é usado na peça de desinformação, Bolsonaro defendeu o remédio insistindo em outra aposta sem eficácia comprovada, a hidroxicloroquina. “Você tem um pai, irmão ou amigo que está ali: Olha, vai ser intubado. Você vai dar um spray no nariz dele ou não? Ou vai tratar isso como uma hidroxicloroquina, porque também não tem comprovação científica?”, questionou em live no Facebook.

Em março de 2021, o governo federal enviou uma comitiva de dez pessoas a Israel para conhecer o spray nasal. A viagem, que custou ao menos R$ 100 mil, segundo a Folha –, não resultou em nenhum contrato.

Mas, diferentemente do que o presidente disse e do que o conteúdo investigado aqui leva a crer, o EXO-CD24 é um medicamento que estava em teste para ser usado em pessoas infectadas pelo vírus, não um imunizante.

A vacina citada no post enganoso, inclusive, ainda nem está disponível. Como informa o Fantástico na reportagem cujo título é usado no conteúdo verificado aqui, “grupos pelo mundo estão na busca de uma vacina que ataque o vírus logo de cara, que não deixe que ele se multiplique” – o que seria feito via nasal. Ainda de acordo com a atração da Globo, desta forma “a pessoa vacinada não se contamina, e nem dá tempo de transmitir o vírus” e o micróbio finalmente para de circular e a pandemia pode chegar ao fim”.

Remédio israelense

O uso original do EXO-CD24 é para tratamento de câncer de ovário, conforme matéria da Folha.

Quando Bolsonaro começou a falar sobre o spray, ele estava em fase inicial de testes clínicos e não tinha dados publicados, ainda de acordo com a Folha. Entre 35 pesquisas em humanos com drogas via nasal que havia na época, a do EXO-CD24 era uma das mais incipientes.

Nota técnica do Ministério da Saúde de fevereiro de 2021 concluía que a droga “aponta para uma melhora clínica importante dos pacientes hospitalizados com Covid-19 moderada a grave”, mas que “os resultados ainda não foram publicados e as informações disponíveis não oferecem dados suficientes sobre os desfechos de segurança e eficácia obtidos e as características dos pacientes incluídos”.

Já nota da mesma época do Observatório de Tecnologias Relacionadas ao Covid-19, do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, usa trechos da reportagem do jornal Times of Israel para descrever o EXO-CD24. O texto afirma que “o medicamento combate a tempestade de citocinas, que se acredita ser responsável por muitas das mortes associadas à doença” e que “ele usa exossomos – pequenos sacos transportadores que transportam materiais entre as células – para entregar uma proteína chamada CD24 aos pulmões, que o grupo de estudo (do Centro Médico Ichilov de Tel Aviv) está pesquisando há décadas”.

Ainda de acordo com a nota, “essa proteína ajuda a acalmar o sistema imunológico e conter a tempestade” e, por ser administrado localmente no nariz, não tem efeitos colaterais, “ao contrário de outras fórmulas, (o spray é) direcionado diretamente para os pulmões”.

Ao Comprova, o professor Nadir Arber, um dos responsáveis pela pesquisa do EXO-CD24 contra o coronavírus, contou que ainda não há resultados do teste clínico com a metodologia de estudo duplo-cego, quando o voluntário não sabe se está tomando remédio ou placebo, substância sem efeito no corpo. “A última fase da pesquisa está sendo realizada, mas, atualmente, não há pacientes com Covid, então, planejamos ter outros dois estudos”, disse ele.

Questionado se o medicamento é eficaz contra a Covid, ele respondeu que “parece ser muito eficaz; no entanto, nada pode ser reivindicado até o compararmos com o placebo.”

Vacinas por via intranasal

Anamélia Lorenzetti Bocca, professora de Imunologia Celular na UnB, explica que as vacinas contra o coronavírus podem ser administradas por vias variadas, gerando diferentes respostas imunológicas. A forma de aplicação também pode mudar, podendo ser formuladas por partículas em uma solução ou uma preparação que adere na mucosa do nariz e passa para os outros tecidos do corpo.

A cientista considera que os imunizantes aplicados no nariz são importantes para uma resposta mais robusta localmente, com o aumento de anticorpos, assim como as vacinas por via intramuscular, e a geração dos linfócitos T e B, que são células de memória imunitária.

De acordo com Bocca, a vacina intranasal possui uma resposta mais robusta na mucosa nasal, com produção de anticorpos e células de memória nos linfonodos ao redor da mucosa nasal. Já a vacina intramuscular faz uma resposta mais sistêmica, com produção de anticorpos na mucosa nasal, mas em outras mucosas também, e a geração de células de memória em outros tecidos. Para ela, a utilização de uma ou outra depende do tipo de resposta imune que se pretende para o indivíduo.

Sobre a vacina produzida pelo Dr. Jorge Kalil, citada na matéria do Fantástico, a especialista afirma se tratar de uma proteção profilática, usada na prevenção da doença. “Seria mais uma vacina disponível com a possibilidade de apresentar uma resposta mais robusta na via de entrada do vírus, o que impediria a sua disseminação para outros tecidos”, declara.

“A vacina intranasal de tecnologia nacional não tem qualquer relação com a EXO-CD24 porque uma induz uma resposta imune protetora e a outra trata um sintoma da doença. A atual do Brasil (vacina intranasal) está pronta para iniciar os ensaios clínicos de fase I, aguardando autorização da Anvisa para tal. Ainda não tem parceria com indústrias farmacêuticas para o seu escalonamento. O investimento no Brasil é muito baixo para esta etapa”, esclarece Anamélia Lorenzetti Bocca.

Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), fala que o desenvolvimento desse tipo de vacina é muito procurado para combater vírus que têm entrada pelas vias respiratórias. Para ele, entretanto, é um caminho mais difícil já que o custo financeiro e tecnológico é maior, demandando laboratórios de biossegurança maiores.

“Até agora, a gente só conseguiu a gripe, que não existe aqui no Brasil, mas muitos países têm a vacina de gripe nasal com vírus influenza vivo, mas enfraquecido”, diz o imunologista.

O diretor da SBIm não acredita que tenhamos essa forma de imunizante em um período de curto prazo. Apesar disso, considera necessário criar vacinas mais modernas que sejam mais eficazes na prevenção de formas leves da doença e que sejam voltadas para as novas formas do coronavírus. Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente existem 361 vacinas em teste contra a Covid (163 em estágio clínico e 198 em estágio não-clínico). Do total, há oito imunizantes intranasais sendo desenvolvidos.

Por que investigamos

O Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais ou aplicativos de mensagem sobre a pandemia, eleições e políticas públicas do governo federal. Bolsonaro vem desacreditando as vacinas e defendendo medicamentos sem eficácia comprovada, como o spray nasal, desde o início da pandemia, e conteúdos que fazem o mesmo colocam a saúde da população em risco.

Outras checagens sobre o tema

A Covid-19 dominou a quarta fase do Projeto Comprova, encerrada em dezembro de 2021. Mais de cem conteúdos foram verificados, sobretudo os relacionados a vacinas e tratamentos sem eficácia comprovada contra a doença. Em junho do ano passado, por exemplo, o Comprova mostrou ser enganoso conteúdo que comparava spray nasal patenteado com tratamento precoce. Ainda sobre a Covid, a equipe publicou, mais recentemente, ser falso que imunizantes de mRNA são terapia genética e causam a doença e que era enganoso que estudo feito em Itajaí prova eficácia de ivermectina.

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