TSE não admitiu ligação entre PT e PCC, diferente do que sugere vídeo
É enganoso o vídeo em que um apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL) afirma que o “TSE admite que o PCC tem ligação com o PT de Lula”
atualizado
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Esta checagem foi realizada por jornalistas que integram o Projeto Comprova, criado para combater a desinformação, do qual o Metrópoles faz parte. Leia mais sobre essa parceria aqui.
Conteúdo investigado: em vídeo no YouTube intitulado “TSE admite que o PCC tem sim uma ligação com o PT de LULA”, candidato a deputado federal pelo PL em Goiás afirma que a ministra do Tribunal Superior Eleitoral Maria Claudia Bucchianeri “percebeu que falar isso não é fake news” em referência a uma suposta ligação entre o Partido dos Trabalhadores e o PCC.
É ENGANOSO um vídeo que afirma que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) admitiu que o PT tem ligação com a organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). A ministra da corte Maria Claudia Bucchianeri somente negou um pedido do PT para obrigar o presidente Jair Bolsonaro (PL) a excluir algumas postagens no Twitter em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT são associados ao PCC. Porém, na decisão, não há julgamento se a associação é verdadeira ou falsa.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
As postagens de Bolsonaro citam uma interceptação telefônica feita pela Polícia Federal em 2019. A ministra confirmou que o trecho é autêntico, tendo sido, inclusive, divulgado em diversos veículos de comunicação à época. Acrescentou, no entanto, não ter feito juízo de valor sobre o conteúdo ao decidir. Segundo ela, o áudio compartilhado por Bolsonaro tem como substância a replicação de matéria jornalística, cujo conteúdo, à época (2019), fora massivamente divulgado por veículos de reconhecida credibilidade.
Alcance da publicação
O vídeo, publicado no YouTube no dia 20 de agosto de 2022, conta com mais de 279 mil visualizações e mais de 3,3 mil comentários, até o dia 26 de agosto de 2022.
O que diz o autor da publicação
A equipe do Comprova fez contato com o autor da publicação por dois diferentes endereços de e-mail disponíveis em suas redes, assim como pelo seu perfil no Instagram, mas não obteve resposta.
Como verificamos
A primeira ação foi certificar se, de fato, a reportagem da CNN Brasil citada pelo autor do vídeo era verídica e se o trecho utilizado no vídeo coincidia com o publicado no site da emissora. A partir de então, avaliamos as publicações de outros veículos de imprensa que também pautaram o assunto (Agência Brasil, Consultor Jurídico, Folha, Poder360). Buscamos, então, a íntegra da decisão publicada no dia 20 de agosto, disponível no site Poder360, para comparar o conteúdo original com os argumentos utilizados pelo autor do vídeo.
Ministra do TSE não avaliou o teor do conteúdo
Na decisão divulgada no dia 20 de agosto, em nenhum momento a ministra Maria Claudia Bucchianeri sugere ou reconhece ligação do PT com a organização criminosa PCC, diferentemente do que afirma o autor do vídeo analisado.
A negativa em relação ao pedido de retirada do ar de posts feitos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em sua conta do Twitter é sustentada pelo entendimento de que o vídeo compartilhado na rede social tem como substância a replicação de matéria jornalística, cujo o conteúdo, à época (2019), fora massivamente pautado por veículos de reconhecida credibilidade. Ressalta ainda que os conteúdos continuam disponíveis para acesso na internet.
O trecho da interceptação telefônica compartilhada por Bolsonaro é parte de um relatório de 2019 da PF, no âmbito da “Operação Cravada”. A ação teve como objetivo desarticular o núcleo financeiro de uma facção criminosa com atuação nos estados do Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Acre e Roraima.
Na interceptação, um dos integrantes do PCC diz que tinha diálogos com membros do PT. Porém, a investigação não comprovou se tais conversas teriam acontecido.
A ministra também é enfática ao afirmar – destacando em negrito – que a decisão “não significa, insisto, que estou a chancelar a veracidade ou não daquilo o quanto foi dito pela pessoa interceptada”.
E acrescenta: “Significa, apenas, que a interceptação aconteceu e gerou inúmeras matérias jornalísticas, todas ainda no ar, o que torna lícita, segundo entendo, a criação de narrativas políticas que devem ser neutralizadas e rebatidas dentro do diálogo político”.
De acordo com a juíza, diferente seria, “se a narrativa política estivesse sendo construída a partir de fato inverídico ou gravemente descontextualizado”. Neste caso, afirma ela, a Justiça Eleitoral deveria intervir “de forma de evitar a indução do eleitor em erro, a partir de críticas políticas fundadas na mentira”.
Representação cita “narrativa maliciosa” e “propaganda antecipada”
A representação contra Bolsonaro feita pelo PT tem como pressuposto que o presidente, por meio do seu perfil no Twitter, “compartilhou e promoveu a desinformação” ao relacionar o partido e Lula ao PCC.
Para o PT, trata-se de “narrativa maliciosa e desinformativa” e “propaganda antecipada negativa”, com o intuito de atacar, por consequência, a imagem do candidato. A legenda pede à Justiça que determine a retirada do conteúdo do ar, além do alerta ao representado sobre a possibilidade de multa, a ser definida pela própria Corte, caso outras publicações de mesmo teor sejam feitas.
O conteúdo das publicações de Bolsonaro
O pedido relaciona três postagens feitas pelo presidente da República no dia 19 de julho de 2022, dois dias após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinar a remoção de posts por dezenas de páginas, perfis e canais que faziam uma falsa associação entre o ex-presidente Lula, o PT e o PCC.
A decisão de Moraes, na ocasião, atingiu conteúdos específicos publicados por aliados do presidente, como os deputados Hélio Lopes (PL-RJ) e Carla Zambelli (PL-SP), além do senador e filho do chefe do Executivo, Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
- 1ª publicação – Bolsonaro compartilha trecho de uma matéria veiculada pela TV Record em 2019, que cita trecho de uma interceptação feita pela PF, e que consta no relatório da Operação Cravada. Neste, um integrante da facção criminosa fala que “com o PT nois tinha diálogo. O PT tinha com nois diálogo cabuloso”. A afirmação foi feita em uma declaração do criminoso em que ele contestava a rigidez das medidas do governo federal contra o crime organizado, especialmente a transferência de lideranças de facções para presídios federais. O conteúdo postado pelo presidente é seguido da legenda: “Líder de facção criminosa (irraaa) reclama de Jair Bolsonaro e revela que o Partido dos (iirrruuuuu) o diálogo com o crime organizado era ‘cabuloso’”.
- 2ª publicação – O perfil de Bolsonaro acrescenta um novo comentário ao conteúdo anterior: “É o grupo praticante de atividades ilícitas coordenadas denominado pela décima sexta e terceira letra do alfabeto com saudades do grupo do animal invertebrado cefalópode pertencente ao filo dos moluscos”.
- 3ª publicação – Bolsonaro fez ainda outra postagem dizendo: “Em 2018, o apontado de Lula venceu disparado nos presídios; Em 2019, um líder do PCC reclamou de nossa postura para com o grupo e disse que com o PT o diálogo era bem melhor. Não sou eu, mas o próprio crime organizado que demonstra tê-lo como aliado e a mim como inimigo”.
As postagens do presidente, à época, foram registradas em diversos veículos jornalísticos, com conteúdos quase sempre intitulados “Bolsonaro ignora Moraes e associa PT ao PCC nas redes” ou alguma variação – Carta Capital, O Antagonista, GZH, Núcleo, O Estado de S. Paulo.
A associação entre o PT, Lula e o PCC tem como uma das bases a delação premiada do ex-tesoureiro do partido, o publicitário Marcos Valério. O depoimento de Valério aconteceu em 2017, em Minas Gerais.
O assunto voltou a ganhar visibilidade em 1º de julho de 2022, após uma reportagem da Veja publicar trechos de depoimento em que o publicitário afirma ter ouvido de um dirigente petista como funcionava suposta relação entre o partido e a facção criminosa.
No trecho divulgado pela revista, Valério afirma que o ex-secretário-geral do PT Sílvio Pereira lhe disse que o empresário Ronan Maria Pinto ameaçava revelar que o PT recebia dinheiro de empresas de ônibus, de operadores de transporte clandestino e de bingos, que lavavam dinheiro para o PCC. O dinheiro estaria financiando campanhas do PT.
No dia 17 de julho, Moraes determinou a remoção de notícias consideradas falsas que relacionam a facção criminosa PCC ao PT e ao assassinato do então prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel (PT), em 2002.
Na decisão, Moraes menciona que “como é de conhecimento público e notório, o assassinato do ex-prefeito Celso Daniel se trata de caso encerrado perante o Poder Judiciário, com os responsáveis devidamente processados e julgados, estando cumprindo pena”.
O ministro também cita que o Ministério Público de São Paulo encerrou definitivamente as apurações, não havendo notícia do envolvimento do Partido dos Trabalhadores ou de seus membros.
O autor da publicação
Gustavo Gayer Machado de Araújo, conhecido nas redes sociais como Gustavo Gayer (PL), é candidato a deputado federal pelo estado de Goiás e apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com informações registradas no divulgacand2022, é empresário e tem 41 anos. Em 2020, disputou a prefeitura de Goiânia, quando obteve 45.928 votos.
Além do canal no YouTube, criado em 2016, Gayer estende a atuação nas redes sociais ao Instagram (343 mil seguidores), ao Facebook (271 mil seguidores) e ao Twitter, onde atualmente está com a conta bloqueada por violar as regras da plataforma.
Neste mês, o Projeto Comprova desmentiu outro vídeo de Gayer, no qual ele falava que Lula teria dito que vai implantar uma ditadura no Brasil se eleito.
Por que investigamos
O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. No caso aqui abordado, a publicação cita uma informação enganosa que pode levar o eleitor a um entendimento equivocado na disputa eleitoral.
Peças de desinformação como esta atrapalham o processo pois enganam a população, que deve fazer sua escolha a partir de dados verdadeiros e confiáveis.
Outras checagens sobre o tema
O Comprova já realizou diferentes checagens envolvendo o TSE. Em uma delas, ficou comprovado que empresa contratada pelo tribunal não tinha ligação com PT. Em outra, a análise do Comprova concluiu que era falso conteúdo afirmando que o TSE tem 32 mil urnas grampeadas.
Recentemente, também foi checado que a contagem de votos é feita pelo próprio órgão e não por empresa terceirizada, como dizia post. Checagem sobre a suposta associação PT e PCC também foi realizada pelo Aos Fatos, que também comprou ser falsa a informação.