Trump não pode prender Moraes caso seja eleito presidente dos EUA
É falso que uma vitória de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos daria a ele poderes para prender o ministro Alexandre de Moraes
atualizado
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Esta checagem foi realizada por jornalistas que integram o Projeto Comprova, criado para combater a desinformação, do qual o Metrópoles faz parte. Leia mais sobre essa parceria aqui.
Conteúdo investigado: Vídeo que mostra o senador Marcos do Val (Podemos-ES) dizendo que Trump avisou que, se ele for eleito presidente dos Estados Unidos, o ministro Alexandre de Moraes vai ser preso por supostas ordens ilegais determinadas em processos no Brasil. O senador também afirma que as duas únicas instituições com autonomia e legitimidade para prender o ministro são a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Tribunal Penal Internacional (TPI).
Onde foi publicado: TikTok.
Conclusão do Comprova: Não é verdade que, se eleito presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump possa prender o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Tampouco procedem as afirmações de que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Tribunal Penal Internacional (TPI) são as duas únicas instituições com autonomia e legitimidade para prender o magistrado. Advogados consultados pelo Comprova rechaçam as alegações, e afirmam que não há meios jurídicos que tornem as hipóteses plausíveis.
O vídeo que vem circulando nas redes sociais é um recorte de live transmitida pelo senador Marcos do Val em seu canal no YouTube, em 20 de agosto. Na ocasião, ele alega que Donald Trump teria dito ao senador americano Marco Rubio, do Partido Republicano, que na primeira semana que assumisse como presidente dos Estados Unidos, a primeira coisa que faria era “colocar o Alexandre de Moraes na cadeia”.
No entanto, não há registro de que Trump tenha, de fato, feito a declaração. Advogados consultados pelo Comprova classificaram a hipótese como “absurda”. Segundo o advogado Marcos Jorge, mestre em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a legislação brasileira veda a possibilidade de expedição por parte de um presidente americano de ordem de prisão de um ministro do STF.
O advogado cita o artigo 33 da Lei Complementar nº 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) que diz, no inciso II, que é prerrogativa do magistrado “não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do Órgão Especial competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável”.
O professor de Direito Internacional Ricardo Macau explica que, por envolver o pressuposto da soberania de Estado, para realizar uma prisão no Brasil expedida por órgão estrangeiro é preciso que haja concordância das autoridades competentes brasileiras. “Nesse caso, teria que haver uma decisão proveniente do Judiciário brasileiro”, pondera.
Ele acrescenta que, na hipótese de um processo criminal nos EUA, seria solicitada a extradição da pessoa alvo do processo, o que, no caso de Moraes, não cabe, já que o ministro é brasileiro nato. “Todo pedido de extradição tem que ser julgado pelo STF”, afirma Macau, que prossegue:
“Então, teríamos, nesse cenário de um processo criminal que começou nos Estados Unidos e culminou num pedido de extradição feito ao Brasil a seguinte situação: o Supremo teria que autorizar a extradição e, em seguida, o Presidente da República, no caso Lula, o que é muito pouco provável. É absurdo que isso aconteça”.
Nilton Cesar Flores, professor de Direitos Fundamentais da Universidade Federal Fluminense (UFF), também afirma não ser possível, em uma ocasião hipotética, que o presidente americano expeça uma ordem de prisão a um ministro da Suprema Corte brasileira.
“A competência seria de um juiz, para determinar a prisão, e teria de estar nos limites da legalidade. A conduta teria de ser considerada crime e teriam de garantir a ampla defesa, ou seja, não se trata de ato arbitrário ou político”, explica.
CIDH pode condenar Estados, não pessoas
Citada no vídeo investigado, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) não pode julgar indivíduos, mas estados soberanos, apontou Macau. Então, a República Federativa do Brasil seria denunciada e investigada, e não o ministro Alexandre de Moraes.
Além disso, o órgão não tem jurisdição para condenar “ninguém a nada”, disse o professor de Direito Internacional. “[A CIDH] não faz nenhum tipo de condenação penal. Ela faz condenações civis: pagar indenização, realizar investigações”, afirma.
O professor Nilton Flores destaca que a CIDH não se deve confundir com a Corte Interamericana. “Ambos os órgãos integram o sistema interamericano de direitos humanos, sendo a comissão consultiva e a Corte exercendo jurisdição. Mas mesmo a Corte Interamericana poderia condenar o Estado pelo suposto descumprimento de um tratado de direitos humanos, ou adotar medidas cautelares de natureza projetiva, mas não determinar a prisão”, afirma.
Já o Tribunal Penal Internacional, também citado no vídeo, só poderia ser acionado se verificado que um desses quatro crimes tenham sido praticados no Brasil: crime de guerra, crime de genocídio, crime contra a humanidade ou crime de agressão, destacou Macau.
“Ele não pode substituir o Judiciário nacional. Ele complementa a jurisdição nacional, não substitui. E tem mais um fator para ser considerado, que é a jurisdição complementar do TPI, que apenas seria acionada em caso que verificasse a inaptidão do Judiciário brasileiro para julgar um desses quatro crimes que não foram praticados pelo Alexandre Moraes. Então, não tem fundamento jurídico nenhum”, disse o professor.
Nilton Flores também destaca que o TPI só pode determinar prisão em casos de crimes de guerra, crimes contra a humanidade, genocídio e atos de guerra, o que não se aplica à hipótese levantada no vídeo relacionada a Moraes. “Ou seja, não me parece uma hipótese minimamente séria, considerar a prisão de um Ministro do STF, em decorrência do exercício legítimo e legal, da jurisdição”, acrescenta Nilton Flores.
Contatado pelo Comprova, o senador Marcos do Val afirmou que suas declarações “são baseadas em comunicações que ele tem realizado com membros do governo americano nos últimos dois anos, por meio das quais ele tem feito reiteradas denúncias dos abusos e crimes cometidos pelo ministro Alexandre de Moraes desde os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023”.
Contudo, o parlamentar nega ter feito a alegação de que Moraes estaria envolvido no atentado a Donald Trump, como o vídeo pode dar a entender. “Ela nunca foi feita por mim. É evidente que foi feita uma edição do vídeo que está circulando no TikTok, que tirou de contexto a minha fala no podcast em que ela foi feita”, disse do Val.
Também procurado pelo Comprova, o STF não quis se manifestar. A reportagem tentou contatar o perfil que publicou o vídeo, mas o TikTok não permitiu o envio da mensagem.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. A publicação no TikTok alcançou 382,6 mil visualizações até o dia 5 de novembro.
Fontes que consultamos: Assessoria de imprensa do STF e do senador Marcos do Val; professor de Direito Internacional Ricardo Macau; advogado mestre em Direito Administrativo Marcos Jorge e o professor de Direitos Fundamentais Nilton Cesar Flores.
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O Comprova já investigou uma declaração anterior de Marcos do Val, concluindo que o senador enganou ao usar falas antigas de Dráuzio Varella sobre a pandemia. Alexandre de Moraes, por sua vez, é alvo frequente de desinformação. A iniciativa mostrou que o ministro não é mais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e não trocou urnas nas eleições municipais de 2024. O TPI também já foi citado em desinformação envolvendo o nome do presidente Lula.