Posts desinformam ao confundirem recontagem com retotalização de votos
É falso que as eleições proporcionais em SP tiveram “recontagem de votos”. Processo que ocorreu foi retotalização, o que é previsto em lei
atualizado
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Esta checagem foi realizada por jornalistas que integram o Projeto Comprova, criado para combater a desinformação, do qual o Metrópoles faz parte. Leia mais sobre essa parceria aqui.
Conteúdo analisado: dois posts no Twitter replicam um tuíte do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) em que ele menciona uma “recontagem” de votos que lhe permitiu a reeleição. As postagens questionam se o direito à recontagem é parcial, em favor apenas do PT, e por qual razão não foi concedido para a eleição presidencial, como desejam apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL). Um dos posts questiona: “A recontagem existe desde que seja a favor de um determinado espectro político?” O outro afirma: “Milhões de brasileiros que votaram no PRES Bolsonaro não podem sequer questionar alguma coisa. Muito democrático. Se o Jair Bolsonaro se declarar um trans-petista ele terá o mesmo direito?”.
Comprova Explica
Uma publicação do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) no Twitter causou confusão, pois ele utilizou o termo “recontagem” para designar um processo de retotalização de votos que ocorreu na eleição em São Paulo para a Câmara dos Deputados. Recontagem e retotalização são dois procedimentos diferentes, ambos previstos na legislação eleitoral brasileira. O gabinete do parlamentar reconheceu o erro e excluiu a postagem.
O episódio foi utilizado para reforçar o discurso de apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), segundo os quais a Justiça Eleitoral age de forma enviesada contra o mandatário. Este Comprova Explica esclarece as questões levantadas.
O que permitiu a reeleição de Paulo Teixeira foi uma retotalização dos votos determinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e prevista no artigo 216 da Resolução nº 23.611/2019, que trata dos atos gerais do processo eleitoral. Ela ocorreu porque o TSE considerou nulos os mais de 234 mil votos dados por eleitores paulistas a Pablo Marçal (Pros). A candidatura de Marçal foi alvo de questionamentos na Justiça Eleitoral de São Paulo pela federação Brasil da Esperança, da qual o PT faz parte, e do próprio Teixeira. Acabou indeferida pelo TSE, mas ainda cabem recursos ao candidato, o que pode mudar sua situação e também a de Paulo Teixeira.
O parlamentar petista foi beneficiado, ao menos momentaneamente, porque a retotalização (com os votos dados a Marçal considerados nulos) deu à Federação Brasil da Esperança, da qual o PT faz parte, mais uma cadeira na Câmara. Como Teixeira, que recebeu 122.800 votos, aparecia como primeiro suplente, ele herdou a vaga. Se Marçal reverter o resultado de seu julgamento no TSE, seus votos serão considerados válidos e ele retomará o cargo, relegando Teixeira novamente ao posto de suplente.
Uma recontagem de votos é outro procedimento, diferente da retotalização descrita acima. A recontagem pode ser determinada pelo TSE desde que haja provas contundentes de fraude em determinada localidade. Nesse caso, é aberta uma investigação específica sobre aquela suspeita, como explicaram ao Comprova os advogados Renato Ribeiro de Almeida, coordenador acadêmico da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, e Acácio Miranda, doutor em Direito Constitucional.
Não há, porém, Resolução do TSE que preveja a recontagem geral dos votos de toda a eleição. “A gente não pode confundir essa recontagem com aquilo que algumas pessoas vêm pedindo nas redes sociais, que é uma recontagem total dos votos em virtude de uma suposta fraude. Isso, no nosso ordenamento jurídico, sequer há uma previsão”, afirmou Almeida.
“É preciso entender que as regras eleitorais prevêem a retotalização, e não a recontagem dos votos — a menos que haja fraude com prova contundente”, disse Miranda.
Casos como este envolvendo Pablo Marçal são comuns em eleições proporcionais, as que definem os deputados estaduais, distritais e federais. O advogado Acácio Miranda explica que, nessas disputas, os votos nas federações partidárias ou nos partidos são determinantes para o resultado.
No Brasil, as cadeiras no Legislativo são distribuídas a partir do quociente eleitoral, um número obtido a partir da divisão do número de votos válidos pelo de assentos a serem distribuídos.
Na sequência, há uma divisão do número de votos válidos que cada partido ou federação partidária recebeu pelo quociente eleitoral. O resultado desta divisão é o quociente partidário.
Este número, por sua vez, determina a quantidade de vagas para cada partido ou federação, que obrigatoriamente são distribuídas aos mais votados do partido ou da federação. Se um dos candidatos na disputa tem seu registro indeferido, caso de Marçal, o total de votos válidos muda, alterando a distribuição das cadeiras.
Como verificamos
A verificação começou com a checagem do tuíte que as originou, publicado por Paulo Teixeira. Uma busca em seu perfil na rede social permitiu constatar que o tuíte era real. Foi publicado em 9 de novembro de 2022 às 12h43 e havia recebido 15.400 likes e 1.184 retuítes até as 18h20 de 9/11/2022.
Em um segundo passo, a Secretaria de Comunicação Social do TSE foi indagada, por e-mail, sobre a possibilidade de recontagem de votos. Depois, o Comprova entrou em contato com a assessoria do deputado petista. O gabinete do parlamentar, então, confirmou a indagação do Comprova sobre a eliminação do tuíte original.
Na sequência, o Comprova entrou em contato com o candidato Pablo Marçal, que respondeu, por WhatsApp, que a questão ainda seguia na Justiça Eleitoral e passou o contato de seu advogado, Tassio Renam Souza. O defensor foi entrevistado pelo Comprova e informou o passo a passo do caso, ainda pendente de julgamento pelo TSE.
Por fim, o Comprova entrevistou dois advogados especialistas na área eleitoral: Renato Ribeiro de Almeida, coordenador acadêmico da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, e Acácio Miranda, doutor em Direito Constitucional. Ambos explicaram que não há previsão legal para uma recontagem de todos os votos que, no caso de Marçal-Teixeira, houve a retotalização.
Parcialidade
A decisão do TSE sobre a retotalização de votos não é aleatória nem parcial. Segue os preceitos do artigo 216 da Resolução nº 23.611/2019, que trata dos atos gerais do processo eleitoral. O texto determina que “a retotalização é um efeito de uma alteração na situação jurídica do partido político, coligação ou do candidato que influencie no resultado da eleição”. O mesmo artigo dispõe que a retotalização seja feita pelo Tribunal Regional Eleitoral e seja acompanhada pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
No caso em questão, o tuíte do deputado Paulo Teixeira, de 9 de novembro, estava errado ao usar o termo “recontagem”. “Justica! Tribunal Regional Eleitoral fez a recontagem e me incluiu na lista dos deputados eleitos por São Paulo”, publicou o petista. Diante da confusão gerada pelo tuíte, seu gabinete na Câmara dos Deputados informou ao Comprova ter apagado o post original em 11 de novembro por conta do “erro de escrita”. “O termo é retotalização”, informou o gabinete.
Os dois tuítes que replicaram a postagem de Teixeira levantando a tese de parcialidade do TSE acabaram por reproduzir o erro do deputado petista. Como já explicado, a decisão do TSE baseou-se em resoluções do tribunal que permitem a retotalização em situações de candidaturas indeferidas.
Quanto à eleição presidencial, apesar do clamor de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, não há nenhuma evidência de que tenha ocorrido qualquer tipo de fraude nas urnas eletrônicas.
Caso Teixeira x Marçal
Pablo Marçal, do Pros, teve seu registro de candidatura à Câmara dos Deputados indeferido pelo TRE-SP em 30 de setembro por não ter apresentado certidão criminal negativa de Goiás, onde residia no passado, explicou seu advogado, Tassio Renam Souza. Sua defesa apresentou embargo de declaração alegando que a lei eleitoral exige apenas o mesmo documento do Estado onde o candidato reside. No caso, São Paulo. Mas adicionou a certidão emitida por Goiás.
Marçal obteve 243.037 votos e concorreu sub judice na eleição de 2 de outubro, ou seja, com a expectativa de que o TRE-SP revisse sua situação. Isso aconteceu em 6 de outubro, quando sua candidatura foi deferida pelo tribunal. A federação Brasil da Esperança, da qual o PT faz parte, interpôs um embargo contra essa decisão. A defesa de Marçal recorreu, alegando que o embargo havia extrapolado o prazo para o pedido de indeferimento de candidaturas. O TRE-SP julgou o caso em 25 de outubro, e a candidatura de Marçal foi confirmada.
Em 10 de agosto, porém, o TSE decidiu pela destituição do então presidente do Pros em São Paulo, José Willame Cavalcante de Souza, em outro processo. Também determinou que todos os seus atos no cargo se tornassem sem efeito. Cavalcante havia assinado a substituição de um candidato à Câmara dos Deputados por Pablo Marçal. Portanto, seguindo a decisão de Lewandowski, a candidatura de Marçal seria anulada. Em 25 de outubro, a defesa do candidato entrou no TSE com um Recurso Especial Eleitoral (RES) para pedir que o tribunal reconsidere a decisão de anular os atos de Cavalcante na presidência do Pros. Ainda aguarda julgamento.
A federação Brasil da Esperança e o deputado Paulo Teixeira ingressaram no TSE com reclamação em 27 de outubro para solicitar a suspensão da candidatura de Marçal e a retotalização dos votos. O processo foi julgado por Lewandowski em 29 de outubro. Ele suspendeu a decisão do TRE-SP de deferir a candidatura de Marçal até o julgamento do mérito e determinou a retotalização dos votos. Marçal passou a ter sua candidatura “indeferida com recurso”. Seus votos estão anulados. Com isso, abriu-se uma vaga para o PT na Câmara dos Deputados, e Paulo Teixeira tornou-se reeleito.
O ministro Lewandowski baseou sua decisão na Resolução nº 23.611/2019. Argumentou que havia revogado a decisão liminar que autorizava Cavalcante de Souza a exercer o cargo de presidente do Pros em São Paulo e também declarado nulos todos os atos por ele praticados no exercício da função – inclusive o deferimento da candidatura de Marçal.
Lewandowski valeu-se do artigo 53 da Resolução nº 23.609/2019 para justificar sua decisão sobre a recontagem dos votos. O texto determina que “as instâncias originárias do pedido de registro [no caso, o TRE-SP] acompanhem a situação de candidatas e candidatos até o trânsito em julgado”. Ou seja, até a conclusão do processo, sem mais direitos à apelação. O ministro do TSE também referiu-se ao artigo 29 da Resolução 23.677/2021, que determina que os votos sub judice de candidatos passem para anulado definitivo. Ou seja, que a votação de Marçal fosse anulada.
O julgamento do mérito dessa questão pelo colegiado do TSE não havia sido marcado até 16 de novembro. Marçal informou ao Comprova que espera ver esse e outros dois processos — o Recurso Especial Eleitoral e o pedido para manter os efeitos dos atos de Cavalcante enquanto presidente do Pros — julgados até o início da próxima semana.
Esses julgamentos podem levar o TSE a determinar nova retotalização dos votos para deputado federal em São Paulo pelo TRE-SP. Com a candidatura de Marçal deferida, ele será o eleito. Se indeferida, Teixeira terá mais um mandato.
Por que explicamos
O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas no governo federal que circulam nas redes sociais. A seção Comprova Explica é utilizada para a divulgação de informações a partir de conteúdos que viralizam e causam confusão, como as postagens no Twitter que indicam haver parcialidade nas decisões do TSE sobre a recontagem de votos das eleições de 2022, em favor do PT e em detrimento da candidatura à Presidência de Jair Bolsonaro.
A verificação dessas postagens no Twitter tem relevância para evitar a disseminação de conteúdos de desinformação nas redes sociais sobre decisões da Justiça Eleitoral.
Outras checagens sobre o tema
Não foram identificadas outras checagens da veracidade de conteúdos publicados nas redes sociais sobre recontagem de votos. A decisão do TSE sobre a retotalização de votos na eleição para deputado federal em São Paulo suscitou, entre outras, reportagens do G1, Poder360 e UOL.O Comprova já explicou anteriormente a confiabilidade do sistema eleitoral no 1º turno, que os resultados das últimas eleições já foram validados e não aguardam análise judicial e o funcionamento da fiscalização do código-fonte das urnas eletrônicas.