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Entenda o plano de transferir terras de devedores para reforma agrária

Ministro Paulo Teixeira propôs destinar terras de grandes devedores a assentamentos de produtores rurais, por meio da adjudicação de imóveis

atualizado

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Projeto Comprova
Captura de tela de post sobre proposta do governo de destinar terras de devedores a assentamentos
1 de 1 Captura de tela de post sobre proposta do governo de destinar terras de devedores a assentamentos - Foto: Projeto Comprova

Esta checagem foi realizada por jornalistas que integram o Projeto Comprova, criado para combater a desinformação, do qual o Metrópoles faz parte. Leia mais sobre essa parceria aqui.

Conteúdo investigadoVídeo publicado pelo deputado estadual do Mato Grosso Gilberto Cattani (PL) sugere que agricultores com dívidas no Banco do Brasil e em outras instituições financeiras estatais terão terras tomadas e entregues ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). O parlamentar usa uma fala do ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, sobre a proposta do governo de destinar imóveis adjudicados ao assentamento de famílias, para justificar a alegação.

Onde foi publicado: Instagram.

Contextualizando: O governo federal, por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, trabalha na concepção de um programa para transformar terras de proprietários que se recusam a pagar dívidas de financiamentos e impostos em assentamentos de produtores rurais, pelo processo de adjudicação. O ministro Paulo Teixeira (PT) falou sobre a proposta durante uma visita a um assentamento no Paraná. O projeto, no entanto, ainda está em fase de elaboração.

A possibilidade de adjudicação de imóveis, caracterizada pela transferência de um bem do devedor ao credor, está prevista em lei. De acordo com o ministro, a “inovação” está na destinação das terras, que, em caso de imóveis rurais, passarão a ser reservadas a famílias beneficiadas pela reforma agrária.

O Banco do Brasil informou que a prática de alienação de bens utilizados como garantia em empréstimos e financiamentos, por exemplo, é comum no sistema financeiro. Nesse processo, instituições públicas, a exemplo de governos federal, estaduais e municipais podem adquirir as propriedades pelo valor de mercado.

Em relação à seleção de famílias que ocuparão as terras transformadas em assentamentos, o processo atualmente é feito por meio de edital, de responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A classificação dos beneficiários se dá por ordem de prioridade para distribuição de lotes e observando critérios como tamanho da família e força de trabalho, tempo na atividade agrária, renda e outros. As parcelas de terras dos assentamentos são destinadas a famílias de agricultores e trabalhadores rurais que não têm condições de adquirir um imóvel.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: A publicação investigada leva a crer que qualquer proprietário de terra que tenha débitos com bancos estatais terá o imóvel penhorado para ser entregue ao MST, o que não se sustenta. Além disso, sugere uma tentativa do governo federal em favorecer o movimento enquanto prejudica produtores rurais, a partir da retirada de terras. Conforme esclarecido ao longo da verificação, há regras definidas em lei para a distribuição de lotes em projetos de assentamentos.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova enviou um e-mail ao deputado Gilberto Cattani, mas não obteve resposta até a publicação desta verificação. Também buscamos comunicação via WhatsApp e ligação, mas não foi possível estabelecer contato.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. A publicação no Instagram atingiu 24,7 mil visualizações, 84 comentários e 670 compartilhamentos até o dia 6 de novembro de 2023.

Como verificamos: Inicialmente, o Comprova buscou as palavras-chave “adjudicação de terras” e “ministro” no Google e encontrou o vídeo original publicado pelo perfil do MST do Paraná. A partir dos dados disponíveis na legenda, como local e data do discurso, foi possível encontrar outras informações sobre a visita do ministro Paulo Teixeira ao assentamento, a exemplo deste post no Instagram e esta matéria veiculada no site do MST.

Ainda com a busca no Google, a equipe encontrou reportagens da CNN Brasil e do Poder360, que falam sobre a proposta do governo. Além disso, o advogado Marcelo Velame foi consultado para esclarecer o que prevê a legislação sobre o tema.

Por fim, o Comprova entrou em contato com o MDA, o Banco do Brasil e o autor da publicação.

Proposta de adjudicação de terras

No dia 9 de outubro de 2023, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, visitou o assentamento Dorcelina Folador, em Arapongas, no norte do Paraná. Ao lado do ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome do Brasil (MDS), Wellington Dias, o chefe da pasta visitou a Cooperativa da Comercialização e Reforma Agrária Camponesa (COPRAN), que produz laticínios, e conheceu a produção de hortaliças e legumes de uma família de assentados.

Durante a visita, Teixeira fez o discurso do qual foi retirado o trecho vinculado à peça de desinformação. O ministro fala sobre a proposta do governo de adjudicar terras de “maus pagadores” e destiná-las ao assentamento de famílias da reforma agrária. Adjudicação é o nome que se dá ao processo de transferência de um bem de um devedor ao credor.

Teixeira também garante que a primeira ação do governo nesse sentido será no Paraná, nas “terras dos Atallas”, se referindo às propriedades do Grupo Atalla. De acordo com o Mapa de Conflitos, desenvolvido pelo Núcleo Ecologias, Epistemologias e Promoção Emancipatória da Saúde da Fiocruz, a família é dona de cerca de 40 mil hectares de terras e tem histórico de violação de direitos trabalhistas, práticas de trabalho escravo e mais de R$ 150 milhões de dívidas trabalhistas.

A fala do ministro foi republicada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Vem aí a expropriação de terras”, escreveu ele. Após a repercussão, Paulo Teixeira explicou a proposta. Ele afirmou que a possibilidade de adjudicação de imóveis de “grandes devedores” já está prevista em lei. O Decreto nº 433/1992 autoriza a aquisição de imóveis rurais, mediante compra e venda, para fins de destinação aos projetos do programa de reforma agrária. Existe ainda a Lei 13.105/2015, que discorre sobre a adjudicação, na subseção I, mais especificamente nos artigos 876, 877 e 888.

Além disso, é comum que clientes usem imóveis e outros bens como garantia em empréstimos, financiamentos e outras negociações feitas junto às instituições financeiras. No entanto, em caso de inadimplência, o banco pode tomar esses bens e vendê-los a pessoas físicas, jurídicas e entidades governamentais.

“O Banco do Brasil atua com as melhores práticas bancárias no processo de cobrança e regularização de créditos, priorizando o recebimento de parcelas em atraso no menor prazo possível, atuando preventivamente, de modo a evitar a inadimplência e a ocorrência de perdas, sempre na busca das melhores soluções financeiras para seus clientes. No entanto, quando o rito de cobrança não surte efeito, faz-se necessária a execução de garantias”, esclareceu o Banco do Brasil em nota ao Comprova. “Nos últimos 5 anos, por exemplo, foram vendidos mais de 6 mil imóveis neste processo, sendo 234 imóveis rurais e 5,814 mil urbanos”, pontua.

A proposta do governo, portanto, é a criação de novos assentamentos a partir da adjudicação de imóveis rurais de proprietários com grandes dívidas de impostos ou débitos em bancos. “Nós temos uma demanda muito grande de agricultores que querem plantar, mas não têm terra. E essas terras pertencem à sociedade brasileira, já que são terras que foram dadas em garantia de impostos ou de financiamentos”, defendeu o ministro. Ao Comprova, o MDA informou que o programa ainda está em fase de construção.

O que diz a lei

A adjudicação está prevista na Lei 13.105/2015, subseção I, nos artigos 876, 877 e 888. Segundo Marcelo Velame, advogado com atuação no Direito Civil, adjudicar é o ato de transferir uma propriedade de uma pessoa para outra. “Em um processo de execução, a adjudicação é a retirada de um bem do devedor para que seja levado ao credor”. Caso o devedor não tenha dinheiro para o pagamento, ele pode oferecer um bem. “Nesse caso, temos duas opções, ou eu [credor] vou leiloar essa propriedade ou vender para um terceiro, o que seria o que chamamos de alienação. Ou eu posso pegar esse bem do devedor para mim. Isso é uma adjudicação, que vai servir como pagamento de uma dívida”, explica Velame.

O advogado destaca ainda que a adjudicação é um dos tipos de expropriação. “Os dois termos têm uma relação de gênero e espécie. Então é possível expropriar realizando a adjudicação (quando o credor se apropria de um bem do devedor), mas posso também alienar o bem (quando há venda para terceiros) ou ainda me apropriar de rendimentos ou dividendos de uma empresa”. Essas são as três formas de expropriação previstas no código de processo civil.

Em relação à proposta MDA, Marcelo Velame analisa que “a princípio, é possível realizar”. “Não temos ainda os termos de como isso vai ser feito, mas sendo um caso de devedor ao governo federal, seja pelos bancos públicos ou até dívidas tributárias, por exemplo, é uma forma de garantir o pagamento de um crédito, o que é bom para o interesse público, e uma forma também de destinar esse bem para uma função social”, explica.

Quem são as famílias beneficiadas

Os assentamentos são conjuntos de unidades agrícolas formadas por famílias de agricultores e trabalhadores rurais que não têm condições de adquirir um imóvel. Os núcleos beneficiados se comprometem a morar na parcela de terra recebida e explorá-la para fins de sustento, por meio da mão de obra familiar. Além disso, recebem assistência técnica, infraestrutura, créditos e outros benefícios. A gestão das terras é feita pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A seleção de famílias se dá por meio de edital e segue a ordem de prioridade definida na Lei nº 8.629/93, que dispõe sobre a regulamentação de dispositivos referentes à reforma agrária. A classificação é feita de acordo com esta ordem:

  • indivíduo desapropriado;
  • trabalhador rural no imóvel desapropriado na data da vistoria de classificação;
  • trabalhador rural desintrusado (retirado de área demarcada como terra indígena, de comunidade quilombola, unidade de conservação, etc.), em virtude de ações de interesse público, localizada no mesmo município do assentamento para o qual se destina a seleção;
  • trabalhador rural sem-terra em situação de vulnerabilidade social inscrito no CadÚnico;
  • trabalhador rural vítima de trabalho análogo à escravidão;
  • pessoas que trabalham como posseiro, assalariado, parceiro ou arrendatário em outros imóveis rurais; e
  • ocupante de área inferior à fração mínima de parcelamento.

A avaliação também leva em consideração critérios como tamanho da família e força de trabalho, unidade familiar chefiada por mulher, tempo na atividade agrária, renda declarada no Cadastro Único, e outras características.

O que podemos aprender com esta verificação: Informações descontextualizadas ou em tons alarmistas são frequentemente compartilhadas com o objetivo de causar pânico ou medo entre produtores rurais e agricultores, especialmente quando envolve a temática reforma agrária. No caso desta verificação, a peça de desinformação envolveu uma proposta do MDA ainda em construção e sem previsão para lançamento.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A questão dos conflitos fundiários e a atuação do MST são constantemente temas de desinformação nas redes sociais. O Comprova já verificou um vídeo que tira imagens de contexto para mentir sobre desapropriações no AM e PA; que famílias retiradas de São Félix do Xingu ocupavam território indígena de forma irregular, segundo Justiça Federal; e que policiais foram expulsos pelo MST de protesto em rodovia no PR, e não feitos reféns.

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