Entenda como governo deve incorporar dinheiro esquecido em bancos
Governo deve incorporar ao Tesouro Nacional dinheiro esquecido em bancos para compensar desoneração
atualizado
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Esta checagem foi realizada por jornalistas que integram o Projeto Comprova, criado para combater a desinformação, do qual o Metrópoles faz parte. Leia mais sobre essa parceria aqui.
Conteúdo analisado: Publicações que relacionam o Projeto de Lei nº 1847/2024 com confisco de dinheiro. Entre outros pontos, o PL trata de valores esquecidos por empresas ou cidadãos nas instituições bancárias. O presidente Lula sancionou com vetos a Lei 14.973/2024, no dia 16 de setembro, publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU).
Comprova Explica: O governo federal não prepara o confisco do dinheiro depositado em contas bancárias. A Lei 14.973/24, sancionada com vetos por Lula, estabelece que os recursos esquecidos por pessoas físicas e jurídicas que não foram reclamados pelos titulares poderão ser incorporados ao Tesouro Nacional.
Conforme o Ministério da Fazenda, em nota enviada ao Comprova, a norma não configura confisco. “Esses recursos se referem a valores que cidadãos e empresas deixaram sem movimentação ou atualização, e, além disso, não foram objeto de reclamação nos termos da Lei 14.973/24 em algum banco, consórcio ou outra instituição. Logo, não há que se falar em confisco”, consta em nota.
O PL prevê a reoneração gradual da folha de pagamentos em 17 setores da economia e prefeituras de até 156 mil habitantes. O tópico está incluso no texto. De acordo com ele, cidadãos ou empresas interessados em reaver o valor têm um período de 30 dias para requerer a devolução dos valores, seguido de outros 30 dias para contestar o recolhimento ao Tesouro Nacional, a contar a partir da data de publicação do edital pelo Ministério da Fazenda. Após esse período, ainda é possível fazer um requerimento judicial.
“Apenas após o término desse segundo prazo, e caso não haja manifestação daqueles que tenham direito sobre os depósitos, os valores serão incorporados ao Tesouro Nacional. Ainda assim, subsiste a possibilidade de, no prazo de seis meses, o interessado poder requerer judicialmente o reconhecimento de seu direito aos depósitos. Não havendo mais nenhuma contestação do recolhimento efetuado, os valores serão incorporados de forma definitiva e apropriados como receita orçamentária primária e considerados para fins de verificação do cumprimento da meta de resultado primário”, diz o Ministério da Fazenda.
A estimativa do Banco Central é de que há R$ 16,2 bilhões esquecidos. Desse total, R$ 8,5 bilhões são valores ainda a receber e R$ 7,6 bilhões, já devolvidos – sendo o primeiro montante referente a quem ainda não resgatou o dinheiro; e o segundo, a quem reclamou e recebeu. Os valores podem ser consultados no Sistema de Valores a Receber (SVR), um serviço digital do Banco Central que permite consulta de saldos disponíveis em instituições financeiras.
Ao Comprova, o Banco Central informou que o SVR, estabelecido pela Resolução BCB nº 98/2021 e lançado em 24 de janeiro de 2022, ficou suspenso por um período para aprimoramentos, e foi reaberto em março de 2023.
Em setembro, conforme reportagem da Agência Brasil, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), citou que existe precedente que permite a inclusão desses recursos para reforçar as contas do Tesouro Nacional. Haddad se referia ao caso dos R$ 26,3 bilhões parados no antigo fundo PIS/Pasep que, no fim de 2022, tiveram a transferência ao órgão autorizada por uma emenda constitucional do governo de transição.
Conforme o Ministério da Fazenda, a medida também encontra outros precedentes no sistema jurídico, como a Lei 9.526/1997, que regulamenta a destinação de recursos não reclamados, provenientes de contas de depósito não recadastradas, e a norma 2.313/1954, que estabelece prazos para contratos de depósito regular e voluntário de bens de diversas naturezas.
Os boatos ao redor da medida relembram um episódio ocorrido em 1990, durante o governo do ex-presidente Fernando Collor (atualmente no PRD). À época, o então mandatário decretou o confisco repentino de valores da poupança dos brasileiros nos bancos por 18 meses, a partir de medidas provisórias, com o objetivo de combater a inflação. O caso impactou negativamente boa parte da população.
Este caso é diferente da situação atual. Ele foi feito por medida provisória, e não em um projeto votado pelo Congresso e debatido pela sociedade. A medida do governo Collor também foi realizada sem qualquer tipo de aviso para a população, ao contrário deste caso – como mencionado anteriormente, o site para consultar os valores esquecidos está no ar desde 2022.
Titulares têm prazo para resgatar dinheiro
Em nota publicada no dia 13 de setembro, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo informou que “não existe confisco de dinheiro depositado em contas bancárias” e que os correntistas teriam até 30 dias após a publicação da lei para resgatar o dinheiro. Em contato com o Comprova, o Ministério da Fazenda detalhou o período de resgate mencionado pela Secom.
Conforme o comunicado, o prazo para solicitar o resgate é dividido em três etapas: a primeira delas é o tempo inicial de 30 dias após a publicação da lei. Depois desse período, a Fazenda vai publicar um edital que relacionará os valores recolhidos não solicitados, com informações sobre a instituição depositária, a agência e a natureza do depósito. Com a publicação do edital, a pessoa jurídica e física têm mais 30 dias para fazer a solicitação. Caso o valor não seja requisitado, ainda é possível recorrer judicialmente por até seis meses.
Como consultar os valores esquecidos
Os valores esquecidos em bancos, consórcios ou outras instituições financeiras podem ser consultados no Sistema de Valores a Receber (SVR) do Banco Central. Também há a possibilidade de consultar possíveis saldos de pessoas falecidas.
Para fazer a consulta no site, é preciso informar o CPF, a data de nascimento e clicar em “consultar”. Para solicitar o resgate, é preciso entrar no sistema com a própria conta pelo gov.br.
Entenda o PL
O projeto que trata da desoneração da folha foi aprovado no Senado no dia 20 de agosto. O texto, segundo o UOL, mantém a desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia integralmente em 2024 e prevê a reoneração gradual entre 2025 e 2027.
A lei sancionada recentemente é resultado do Projeto de Lei 1.847/2024, do senador licenciado Efraim Filho (União Brasil-PB). A matéria recebeu relatório favorável do senador e líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).
A nova norma altera a Lei 12.546/11, que prevê o benefício somente até o final deste ano. De acordo com informações da Agência Câmara, a desoneração da folha substitui a contribuição previdenciária patronal, de 20% sobre a folha de salários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. O objetivo é que esse mecanismo reduza os encargos trabalhistas dos setores desonerados e estimule a contratação de pessoas.
Os 17 setores alcançados pela prorrogação são: confecção e vestuário, calçados, construção civil, call center, comunicação, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carroçarias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação (TI), tecnologia de comunicação (TIC), projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.
O texto traz ainda uma medida, de caráter permanente, que beneficia os municípios. Um dispositivo determina que prefeituras de cidades com população inferior a 142.633 habitantes terão a alíquota da contribuição previdenciária sobre a folha de salários reduzida de 20% para 8%.
O objetivo da medida, que beneficia cerca de três mil municípios, é dar um fôlego financeiro às prefeituras que não recebem o Fundo de Participação dos Municípios (FPM)-Reserva, uma parcela do FPM destinada às cidades interioranas com população superior a 142.633 habitantes.
Ao programa “Bom Dia, Ministro”, Fernando Haddad afirmou que a aprovação do PL “é fruto da participação de diversos entes”, entre eles, os parlamentares, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o próprio Governo Federal. Além das mediações, Haddad destacou que o governo ofereceu apoio técnico.
“É uma construção, uma engenharia jurídica delicada em que agimos como coadjuvantes. O que o Executivo fez, como faz sempre, foi fazer a mediação necessária: Tesouro, Receita Federal, Secretaria Executiva, todo mundo se engajou para encontrar soluções. Porque no Brasil, você sabe, o pobre é o que mais paga imposto proporcionalmente à renda. E isso precisa ser revertido”, disse o ministro.
Quais foram os vetos do presidente Lula?
Ao todo, Lula vetou quatro dispositivos da proposta. O mais importante sobre o tema tratado nesta verificação é o quarto veto. Nele, o texto aprovado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados estabeleceu prazo até 31 de agosto para que o dinheiro fosse reclamado pelos titulares das contas com valores esquecidos. Isso quer dizer que os recursos seriam apropriados pelo Tesouro Nacional depois dessa data. A mensagem do veto, no entanto, apontou que o dispositivo contraria o interesse público.
Já o primeiro veto foi destinado a um dispositivo considerado “inconstitucional” por Lula. O artigo estabelecia a criação de centrais de cobrança e negociação de créditos não tributários. A inconstitucionalidade ocorre, conforme texto do veto, porque o dispositivo “adentra de forma detalhada” em competências do Poder Executivo. O Palácio do Planalto explicou que essas centrais de cobranças devem ser criadas apenas por meio de projeto de lei encaminhado pelo presidente.
Também foi vetado artigo que destinava recursos à Advocacia-Geral da União (AGU) e ao Ministério da Fazenda para o desenvolvimento de sistemas de cobrança e de soluções negociáveis de conflitos. Na justificativa, foi apontado que o dispositivo contraria o interesse público por limitar o repasse de recursos a órgãos específicos.
Em outro ponto, Lula entendeu que haveria “interferência indevida do Poder Legislativo nas atividades próprias do Poder Executivo”. O dispositivo estabelecia 90 dias para que o governo federal indicasse o responsável por desenvolver e manter um sistema unificado de cobrança de créditos não tributários.
Fontes consultadas: Reportagens sobre o tema, Secom, Banco Central e Ministério da Fazenda.
Por que o Comprova explicou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está gerando muitas dúvidas e desinformação, o Comprova Explica. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Para se aprofundar mais: Veículos de comunicação como O Globo, Estadão e Folha de S.Paulo produziram reportagens sobre como consultar o dinheiro esquecido. Além disso, medidas do governo costumam ser alvo de desinformação. O Comprova, por exemplo, deu mais detalhes sobre medida que zera taxa de importação do arroz e suas consequências.