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Entenda as razões que emperram a reconstrução da BR-319

Reconstrução da BR-319, que liga o Amazonas ao resto do país, enfrenta um imbróglio que envolve questões ambientais, econômicas e jurídicas

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Comprova explica imbróglio que envolve reconstrução da BR-319. - Metrópoles
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Esta checagem foi realizada por jornalistas que integram o Projeto Comprova, criado para combater a desinformação, do qual o Metrópoles faz parte. Leia mais sobre essa parceria aqui.

Conteúdo analisado: Vídeo do deputado estadual Rozenha (PMB-AM) em que ele responsabiliza o governo federal pela falta de pavimentação na BR-319. “Caminhões e carretas frigoríficas carregadas de alimentos estão neste momento em uma fila gigantesca na BR-319. Com isso o amazonense pode pagar R$ 20 em 1Kg de tomate”, diz trecho da legenda da publicação.

Comprova Explica: A BR-319 liga Manaus, no Amazonas, e Porto Velho, em Rondônia, cortando 885,9 km de floresta amazônica. Destes, 821 km estão em território amazonense e 64,9 km no estado vizinho. A rodovia foi inaugurada em 1976 e é a única via terrestre nos dois estados que dá acesso às demais regiões do Brasil.

Em 1988, as condições da estrada pioraram muito. O grande volume de chuvas na região e o alto preço do transporte terrestre fizeram com que os produtos da Zona Franca de Manaus (ZFM) fossem escoados de forma mais barata por via fluvial. Enquanto isso a estrada se deteriorou e tornou-se intrafegável por muitos anos. De acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), naquele ano houve redução no uso da rodovia em razão das condições de trafegabilidade e manutenção. Há mais de 30 anos, a rodovia possui trechos não pavimentados que causam prejuízos para quem precisa trafegar por ela.

Apesar disso, atualmente, impasses e exigências ambientais impedem que a BR-319 seja reconstruída.

No dia 10 de setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em visita ao Amazonas, se comprometeu a retomar as negociações para reconstrução da BR-319. A pavimentação da rodovia é alvo de controvérsias há décadas, já que ela corta uma área ambientalmente sensível da floresta amazônica. A seguir, a seção Comprova Explica traz detalhes sobre a importância econômica e ambiental da BR-319, e o que o atual governo tem debatido a respeito da sua reconstrução.

Seca, filas de caminhões e aumento dos preços

O Amazonas passa por uma crise ambiental sem precedentes. Uma seca intensa, que foi antecipada em 2024, sendo observada já em julho, tem atingido a região, prejudicando o transporte de alimentos para Manaus, que é feito principalmente por meio do Rio Negro. A rota alternativa, via estrada, seria a BR-319, que apresenta problemas de infraestrutura, principalmente no chamado “trecho do meio”, que não recebe pavimentação há anos. A crise climática somada a problemas de logística está impactando diretamente os preços dos produtos nas feiras da capital amazonense.

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) informou ao Comprova que não há registro de interdição da rodovia, mas que existe um “alto fluxo de veículos de carga”, que gera filas de caminhões e carretas. Conforme a PRF, existem dois motivos para o aumento no volume de veículos: a seca histórica que assola a região e as condições da rodovia. Em 2022, duas pontes localizadas no primeiro trecho da BR-319, sobre os rios Curuçá e Autaz-Mirim, desabaram, em datas diferentes, e deixaram mortos. Dois anos após o desabamento, as pontes não foram reconstruídas e, de forma provisória, foram instaladas balsas para manter o fluxo logístico.

Apesar da alternativa, as balsas são pequenas e não atendem o número de veículos que precisam passar pelo local. O desabamento das duas pontes, que são de responsabilidade do Dnit, é um exemplo da falta de infraestrutura na rodovia. Em nota enviada à reportagem, o órgão afirmou que “tem se comprometido em manter a transparência sobre o andamento das obras e as questões ambientais, respondendo às preocupações levantadas durante as audiências”.

No início de outubro, filas de carretas se formaram ao longo dos trechos entre o Porto da Ceasa e o município de Careiro da Várzea, a 23,4km de Manaus, e sobre o Rio Igapó-Açu, no quilômetro 260. Caminhoneiros enfrentaram filas de até 14 quilômetros e espera de oito dias para atravessar por balsa o rio Igapó-Açu. Em nota enviada à imprensa no dia 21 de outubro, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), que participou de articulações juntamente com o governo federal para descongestionar as filas de caminhões na rodovia, afirmou que o fluxo das carretas foi normalizado a partir do funcionamento de embarcações apropriadas para fazer o translado dos veículos em horários estendidos.

Com a demora no transporte, os custos operacionais aumentaram e foram repassados aos consumidores. Produtos como frutas, verduras e outros alimentos que vêm de outros estados estão sofrendo reajustes de preços, agravando ainda mais a situação para os moradores da capital amazonense.

Conforme os dados do Busca Preço, ferramenta da Secretaria de Estado da Fazenda do Amazonas (Sefaz), consultado no dia 22 de outubro, o tomate era vendido, em média, a R$ 27,50 o quilo, a pimenta-de-cheiro por R$ 39,90 e o pimentão vermelho a R$ 61,09 o quilo.

Em contrapartida, a reconstrução da BR pode ser crítica ao meio-ambiente, e provocar diversas consequências negativas à biodiversidade.

Importância econômica

Representantes da indústria e do comércio em Rondônia e Amazonas torcem para que os dois estados possam voltar a ser reconectados pela estrada. Para a Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (FIERO), a interligação rodoviária, através da recuperação da BR-319, permitirá que os empresários de Rondônia acessem o mercado manauara em cerca de dez horas, fornecendo diversos produtos.

A FIERO aponta ainda que Manaus poderá ser beneficiada, na medida em que o custo poderá ser reduzido e a qualidade aumentada, haja vista que diversos desses produtos hoje são transportados para o estado por avião, vindos da Ceasa, em São Paulo.

Embora a principal rota de transporte em Manaus seja realizada de modo fluvial, pelo rio Negro, a BR-319 tem enorme importância econômica, social e política para os amazonenses, conforme explica o economista Altamir Cordeiro, vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Estado do Amazonas (Corecon AM), que considera positiva sua reconstrução.

“A reconstrução da BR-319 é um anseio do povo amazonense e também dos estados de Roraima e Rondônia. A classe empresarial também está na expectativa de solução definitiva para sua reconstrução, dada a sua importância econômica, social e política”, disse Cordeiro ao Comprova.

Ameaça ao meio ambiente

Em entrevista ao Comprova, o biólogo e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e colaborador do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM), Lucas Ferrante, disse que áreas na região de maior acessibilidade da BR-319 sofrem com desmatamento massivo. “Nossos monitoramentos indicam uma perda significativa de biodiversidade, ao mesmo tempo que apontam para um aumento preocupante nos vetores de doenças”, acrescentou.

Ferrante explicou sobre a distribuição de desmatamento nos trechos na BR-319. “A rodovia está totalmente trafegável desde o início do plano de manutenção em 2015, porém, os trechos asfaltados concentram o maior índice de desmatamento e queimadas, como nos trechos A e B. Já os chamados ‘trecho do meio’ e ‘Lote C’ apresentam menor expansão do desmatamento e especulação fundiária, justamente devido à ausência de asfalto”.

Conforme o pesquisador, ocupações desordenadas se instalaram ao longo da BR-319. Um exemplo é a Vila Realidade, que surgiu como uma alternativa de assentamento sustentável. No entanto, a comunidade cresceu de forma desenfreada e passou a ser um polo rodeado por madeireiras, como aponta o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU).

“Ainda é importante destacar que as comunidades tradicionais não estão localizadas ao longo da rodovia, e esta não proporciona acesso aos municípios afetados pela seca. Ao longo da BR-319, o que se observa são ocupações ilegais e migrações ligadas a crimes ambientais. Um relatório do Tribunal de Contas da União, por exemplo, apontou que toda a atividade econômica de Vila Realidade está centrada no desmatamento ilegal”. A Vila citada é um lugarejo à espera do asfaltamento da estrada, segundo reportagem do O Eco, ameaça abrir caminho para derrubadas na parte mais íntegra da floresta amazônica.

Várias organizações da sociedade civil se uniram para formar o Observatório BR-319. No site há a linha do tempo das ações ligadas à rodovia, um mapa interativo, monitoramento de desmatamento e focos de calor, além da divulgação de pesquisas, estudos e ações que envolvem a rodovia e o entorno.

Governo atual

Conforme noticiado pela Agência Brasil no dia 17 de setembro, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, defendeu a necessidade de um estudo ambiental para a obra de pavimentação dos 918 quilômetros da BR-319. Isso porque, segundo a ministra, a falta de uma análise ambiental pode prejudicar a região, agravando o problema da seca e da estiagem, por exemplo, além de aumentar os incêndios florestais.

A discussão não é recente. Em 2023, durante depoimento na CPI das ONGs, Marina disse que “ambientalmente e economicamente, não se faz uma estrada de 400 quilômetros no meio de floresta virgem apenas para passear de carro, se não estiver associada a um projeto produtivo”. O posicionamento foi amplamente desaprovado pela classe política do Amazonas. Alguns parlamentares consideraram uma sinalização da falta de interesse da ministra em fazer avançar a pavimentação da rodovia. A reportagem entrou em contato com Marina Silva para buscar depoimentos sobre o tema. No entanto, até o fechamento da matéria, não houve retorno.

Em nota enviada ao Comprova, o Dnit informou que tem participado de audiências públicas em que são apresentados projetos em andamento e informações sobre a importância da rodovia para a região Norte. Conforme o órgão, um dos assuntos mais discutidos nas audiências é a “licença de instalação do Ibama”, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

A licença ambiental prévia foi obtida pela autarquia, o que possibilita viabilidade da pavimentação de outros trechos da BR-319. O departamento também reafirmou o empenho para iniciar obras de pavimentação e reconstrução das pontes, “com um cronograma claro para os próximos passos”.

“Nos trechos pavimentados da BR-319, o Departamento tem executado uma série de serviços essenciais de manutenção e de conservação. Essas ações visam garantir a segurança na rodovia e a durabilidade dos serviços”, afirma o Dnit.

Procurado pelo Comprova, o Ibama esclareceu que o trecho do meio da BR-319 teve a Licença Prévia (LP) emitida pelo órgão em julho de 2022, e que com a suspensão da decisão judicial sobre a validade da LP, o Ibama aguarda a apresentação do requerimento da Licença de Instalação (LI) pelo empreendedor para análise.

“Somente após a apresentação dessa documentação será possível dar andamento ao processo de análise para autorização ou não das obras de pavimentação da rodovia”, disse o Ibama.

O órgão também destacou que atua como responsável pelo licenciamento ambiental, seguindo a Lei Complementar nº 140/11 e o Decreto nº 8.437/15, regulamentos que determinam os critérios e tipos de atividades sujeitas ao licenciamento.

“A análise dos projetos é realizada de maneira técnica, com base em estudos e planos ambientais apresentados, além de outros documentos relevantes. Essa avaliação inclui a análise dos impactos ambientais, vistorias técnicas e consultas públicas, cujos resultados são fundamentais para a tomada de decisão final sobre o pedido de licença”, concluiu o Ibama.

Em relação às ações do Ministério dos Transportes que envolvem a BR-319, a autarquia criou um grupo de trabalho (GP) com o objetivo de analisar o projeto de pavimentação e recuperação da rodovia. Após reuniões com o Dnit, o Ibama, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e outros órgãos, foi elaborado o relatório com propostas para viabilizar o projeto de forma sustentável e que cumpra com a legislação ambiental. Na nota, o ministério também destaca a necessidade da presença do Estado na região.

“Quanto ao avanço do projeto, o Ministério dos Transportes entende a sensibilidade ambiental da rodovia. Entretanto, os levantamentos conduzidos pelo GT indicam que a menor presença do Estado, dificultada pela falta de acessibilidade, reforça a criminalidade e o desmatamento, além da ampliação da rede de ramais da BR-319, que atualmente é 5,8 vezes maior que a extensão total da estrada”, explica a pasta federal.

Justiça

Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) derrubou, no dia 7 de outubro, a decisão liminar que suspendeu a reconstrução e asfaltamento do trecho central da BR-319. A determinação é do desembargador Flávio Jardim, que suspendeu a decisão liminar da 7ª Vara Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas (SJAM).

Na decisão, Jardim declarou que a licença prévia apenas estabelece condições para a obra e não permite o início imediato. Por isso, o magistrado considerou que a liminar extrapolou esse entendimento e validou a Licença Prévia para o asfaltamento.

Em julho, a juíza Maria Elisa Andrade tinha aceitado a ação civil pública movida pelo Observatório do Clima (OC), rede que reúne dezenas de organizações da sociedade civil, que pedia a anulação da licença concedida pelo Ibama no último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), em 2022.

Com a decisão da Justiça, o Ministério dos Transportes iniciará o cumprimento de exigências da licença prévia. Também estão sendo realizadas uma série de tratativas para garantir governança na região, como articulações para instalação de portais terrestres de fiscalização integrada, parceria com o ICMBio e as Secretarias de Estado de Rondônia e do Amazonas, cooperação técnica com o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) e as ações previstas pelo Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM).

Fontes consultadas: Polícia Rodoviária Federal, Dnit, nota do senador Eduardo Braga (MDB-AM), site do Busca Preço, o economista Altamir Cordeiro, o biólogo e pesquisador Lucas Ferrante, Ibama, Ministério dos Transportes e matérias jornalísticas acerca do tema, linkadas ao longo do texto.

Por que o Comprova explicou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está gerando muitas dúvidas e desinformação, o Comprova Explica. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: Em 2020, Agência Lupa e Estadão Verifica desmentiram que o exército estivesse participando da pavimentação da BR-319. O Comprova também fez verificações sobre a rodovia. Em 2021, por exemplo, verificou que o asfalto que cedeu em trecho da BR-319 não foi obra do governo Bolsonaro.

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