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É falso que votos foram revelados a partir da decodificação das urnas

É falso que alguém tenha decodificado o sistema das urnas e disponibilizado tabela com nomes e votos de todos os eleitores

atualizado

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Reprodução/Projeto Comprova
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1 de 1 Imagem colorida de postagem - Foto: Reprodução/Projeto Comprova

Esta checagem foi realizada por jornalistas que integram o Projeto Comprova, criado para combater a desinformação, do qual o Metrópoles faz parte. Leia mais sobre essa parceria aqui.

Conteúdo investigado: tuíte que compartilha imagem de uma tabela e alega que ela contém os nomes e os votos de todos os eleitores brasileiros nas eleições deste ano: “Agora temos em mãos os nomes e votos de 100% dos eleitores”. Segundo o conteúdo, esses dados estão disponíveis porque “abriram a caixa preta do TSE, conseguiram decodificar o sistema intransponível”.

É FALSO que alguém tenha decodificado o sistema das urnas eletrônicas e disponibilizado uma tabela com os nomes e os votos de todos os eleitores brasileiros nas eleições deste ano.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Primeiramente, há diversas versões da planilha em questão, que variam de acordo com o post de desinformação. Todas, porém, apenas contam com alguns nomes, mas sem nenhuma indicação de voto. Não é nem possível afirmar se esses nomes são de eleitores e não, por exemplo, de mesários.

Os dados usados nas planilhas estão em registros de operações técnicas nas urnas, chamados arquivos de log. Esses, apesar de comparáveis à caixa preta de um avião, não são confidenciais. Eles estão disponíveis na página de Resultados das eleições de 2022, no próprio site do TSE.

Nos casos levantados pelo Comprova, os nomes reproduzidos nas tabelas das peças de desinformação aparecem em arquivos de log após o registro de erro de digitação de título de eleitor ou de reconhecimento da biometria.

O TSE confirmou à reportagem que os casos se devem a erros de escrita e que “a situação não produz qualquer impacto no sigilo ou destinação do voto digitado pela eleitora ou eleitor.”

Alcance da publicação

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 23 de novembro, o tuíte contava com mais de 8 mil retuítes, 496 tuítes com comentários e 25,2 mil curtidas.

O que diz o responsável pela publicação

A conta na qual o tuíte verificado foi publicado não possui nenhum indicativo de quem seja seu proprietário, nem aceita mensagem direta, o que impossibilitou o contato. O nome de usuário, porém, faz referência ao youtuber argentino Fernando Cerimedo.

O Comprova conseguiu rastrear a peça de desinformação até um vídeo de Cerimedo. Ele é responsável pelo La Derecha Diario e é apoiador declarado da família do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Cerimedo tem disseminado diversas peças de desinformação contestando, sem evidências, a integridade das eleições presidenciais depois da derrota de Bolsonaro.

Em relação ao pleito, o Comprova já mostrou que um relatório usa dados falsos sobre os modelos de urnas usados nas eleições e que não houve nenhuma seção eleitoral com número excessivo de eleitores.

Tentamos entrar em contato com ele, mas não obtivemos retorno.

Como verificamos

Apresentamos a imagem da tabela do conteúdo investigado ao engenheiro de computação André Luís de Medeiros Santos, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que faz parte da Comissão de Transparência das Eleições e foi coordenador do projeto-piloto de inspeção do código-fonte das urnas, na UFPE.

Ele indicou que a planilha não era oficial e que teria sido produzida com dados de arquivos de log das urnas.

Pela página de Resultados das eleições de 2022, no próprio site do TSE, buscamos os arquivos de log das urnas das seções eleitorais citadas na tabela e conferimos que os nomes estavam de acordo em alguns casos, pelo menos.

Em outros, como na 23ª seção eleitoral da 87ª zona, em São Gonçalo, Rio de Janeiro, o nome da tabela nem constava no arquivo de log.

Também contactamos o TSE, que desmentiu as alegações do conteúdo investigado e explicou questões técnicas do caso.

Dados não foram decodificados e estão disponíveis no site do TSE

A tabela mostra a sigla do estado, nome do município, números de seção e zona eleitoral, um código de erro (N3api17CMessageExceptionE), turno de votação e alguns nomes, sinalizados na planilha como sendo a identificação de eleitores. Porém, não há identificação do voto digitado na urna, o que contradiz o próprio enunciado do tuíte: “Agora temos em mãos os nomes e votos de 100% dos eleitores”.

O post afirma que os dados foram obtidos a partir de uma decodificação do sistema das urnas, o que é falso. Decodificar significa decifrar um código – nesse caso, traduzir a criptografia utilizada pela Justiça Eleitoral para impedir que alguém possa descobrir o voto de um eleitor.

O TSE informou ao Comprova que a planilha em questão nem é uma tabela oficial do tribunal, mas apenas “usa algumas informações de log de todas as urnas utilizadas nas eleições”.

Essas informações são públicas e estão disponíveis na página do TSE de resultados das urnas, que podem ser baixados no menu Log de Urna em formato de texto, exatamente como consta na tabela.

O Comprova confirmou que os dados foram retirados dessa base ao consultá-la a partir de informações que constam na tabela. Em três casos consultados, Juazeiro (BA), Descoberto (MG) e Marabá (PA), as informações são exatamente as mesmas, ou seja, não há qualquer “decodificação”.

Em pelo menos um caso, na 23ª seção eleitoral da 87ª zona, em São Gonçalo (RJ), o nome da tabela nem consta no arquivo de log. Isso indica que dados da tabela foram fabricados, não sendo apenas frutos de descontextualização.

Votos não foram identificados

A tabela que ilustra o tuíte falso foi elaborada a partir da compilação de dados baixados do site do TSE em que aparece o mesmo código de erro atrelado a um nome.

No entanto, não há identificação de voto associado ao nome na tabela, nem nos dados baixados do site do tribunal.

Doutor em tecnologia e professor titular do Centro de Informática (CIn) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), André Luís de Medeiros Santos reforça que não houve decodificação – “os dados estão nos logs, em formato texto” – e afirma que não há possibilidade de identificar votos de eleitores.

André Santos representou a UFPE na Comissão de Transparência das Eleições e foi coordenador do projeto-piloto de inspeção do código-fonte das urnas, na UFPE.

“Ele [o autor da tabela] simplesmente achou um nome no log, apenas porque o erro ocorreu quando o programa tentava escrever o nome do eleitor. Não há qualquer relação com o voto dado”, explica Santos.

“Inclusive a urna [nos casos analisados] foi reinicializada e seguiu depois com o voto do mesmo ou de outro eleitor (não dá nem para saber se foi o mesmo). E o registro de voto é feito em outro arquivo, que não guarda hora do voto, ordem do voto ou qualquer informação que possa ligar o voto ao eleitor”, acrescenta.

Questionado se os nomes que aparecem nos arquivos de log são de eleitores, o TSE apenas disse que eles “correspondem às mensagens que são exibidas no terminal do mesário para a orientação dos procedimentos de habilitação do eleitor”.

Sobre uma possível identificação dos votos dos eleitores, o TSE descarta a possibilidade e afirma que o software da urna foi construído para preservar integralmente o anonimato da votação.

“Isso é garantido pela total ausência de registros que associem o eleitor à candidatura escolhida. Os votos são gravados de forma embaralhada no arquivo de Registro Digital do Voto (RDV), sem qualquer vínculo com a identificação do eleitor (nome ou número do título, por exemplo), com a ordem de comparecimento dos eleitores ou mesmo com data e hora da votação. O mesmo acontece com o registro de comparecimento dos eleitores, que não mantém qualquer informação associada ao voto ou data e hora de votação”, detalha o TSE.

Erros são de escrita e não afetam o voto

O TSE confirmou ao Comprova que o erro N3api17CMessageExceptionE, que aparece em todas as fileiras da tabela no tuíte verificado, “pode ocorrer no momento da escrita de alguma mensagem na tela do terminal do mesário”.

O tribunal também afirmou que “a situação não produz qualquer impacto no sigilo ou destinação do voto digitado pela eleitora ou eleitor”.

Nos casos conferidos pelo Comprova junto aos dados públicos do TSE, os nomes reproduzidos nas tabelas das peças de desinformação aparecem em arquivos de logs após o registro de erro de digitação de título de eleitor, como em Descoberto (MG), ou de reconhecimento da biometria, em Juazeiro (BA).

Reprodução/Projeto Comprova
Descoberto – MG

Reprodução/Projeto Comprova
Juazeiro – BA

Por que investigamos

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre pandemia, políticas públicas do governo federal ou que lançam dúvidas sobre o resultado das eleições presidenciais. Informações falsas ou enganosas que envolvem o sistema de votação e de totalização de votos podem influenciar a compreensão sobre a segurança do sistema.

O Comprova busca colaborar para que o eleitor tenha acesso a conceitos fiéis à verdade e que contribuam para um correto entendimento do processo eleitoral.

Outras checagens sobre o tema

As agências de verificação AFP Checamos e Aos Fatos também verificaram este conteúdo. Já em relação a outras postagens que questionam o resultado das eleições, o Comprova mostrou, recentemente, que posts desinformam ao confundir recontagem com retotalização de votos em eleição proporcional em SP, que resultado das eleições não está sob análise da Justiça após relatório das Forças Armadas e que Lewis Hamilton não carregou bandeira do Brasil em apoio a atos golpistas.

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