É falso que Lula estivesse sem segurança em ato de campanha no RJ
É falso vídeo que sugere relações de Lula com facção criminosa do RJ por ter feito ato de campanha sem segurança no Complexo do Alemão
atualizado
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Esta checagem foi realizada por jornalistas que integram o Projeto Comprova, criado para combater a desinformação, do qual o Metrópoles faz parte. Leia mais sobre essa parceria aqui.
Conteúdo investigado: em vídeo, o deputado federal eleito por Goiás Gustavo Gayer (PL) diz que o candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) realizou caminhada no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em um local em que a polícia não pode entrar. O autor afirma que o ex-presidente estava sem segurança no território dominado pelo Comando Vermelho e que a facção criminosa estaria obrigando o voto dos moradores em Lula.
Onde foi publicado: O vídeo foi publicado na rede social Gettr, fundada por Jason Miller, ex-assessor do ex-presidente americano Donald Trump, e no YouTube.
É FALSO o vídeo publicado pelo deputado federal eleito Gustavo Gayer (PL-GO) que sugere relações do ex-presidente e candidato Lula com facção do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. O autor afirma que o petista realizou, sem segurança, caminhada no Complexo do Alemão em uma região que a polícia não tem acesso. “Ele é recebido, autorizado a entrar numa área que nenhum cidadão de bem pudesse jamais cogitar essa hipótese”, afirma no vídeo.
Falso, para o Comprova é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
O evento, no entanto, contou com a presença de agentes da Polícia Federal, Polícia Militar do Rio de Janeiro e Guarda Municipal. No complexo de favelas da Zona Norte do Rio há quatro Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). A região e a via na qual transcorreu a caminhada são, inclusive, palco de ações e operações policiais cotidianamente.
Tampouco há registro, por parte das autoridades responsáveis, de coação eleitoral por parte de traficantes no Complexo do Alemão. O Ministério Público Eleitoral e o Ministério Público do Rio de Janeiro afirmam que não há denúncia neste sentido.
Alcance da publicação
O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No YouTube, o vídeo investigado alcançou 129.269 visualizações, 36 mil curtidas e 2.138 comentários até 26 de outubro de 2022. No GETTR, a mídia teve 444 curtidas e 67 compartilhamentos até a mesma data.
O que diz o responsável pela publicação
O Comprova tentou entrar em contato com o autor do vídeo através de e-mail, mas não houve retorno até a publicação desta verificação.
Como verificamos
Por meio de pesquisa no Google, confirmamos que a caminhada realizada pela campanha do ex-presidente Lula no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, aconteceu no feriado do dia 12 de outubro. O aviso de pauta da campanha marcava o ato para as 10h daquele dia.
Confirmamos a área em que ocorreu a caminhada com lideranças, como Renê Silva, fundador do jornal Voz das Comunidades, e com o aviso de pauta à imprensa enviado aos veículos de comunicação e publicado no site da campanha. Para saber se a polícia tinha acesso à área, pesquisamos no Twitter da Polícia Militar do Rio de Janeiro, em que a divulgação de ações são frequentes, e encontramos registro de ação no local.
Verificamos com o assessor da Polícia Militar por ‘WhatsApp’ quais Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) atuam no complexo de favelas. Utilizamos o Google Maps para calcular a distância entre a sede da UPP Alemão e a Estrada do Itararé, onde ocorreu a caminhada.
Pedimos à plataforma Fogo Cruzado o número de ações policiais realizadas no Complexo do Alemão neste ano até o dia 21 de outubro.
Para apurar quais órgãos atuaram na segurança do evento, mandamos email para a campanha do presidenciável do PT, para a Polícia Militar e para o Governo do Estado do Rio. Nenhum deles respondeu. Procurada, a Guarda Municipal informou que participou do ordenamento do trânsito. A Polícia Federal afirmou que não divulga informações sobre segurança de autoridades.
Na transmissão da caminhada no canal do candidato, foi possível identificar a presença de uma viatura da PM. O vídeo da caminhada publicado pela campanha de Lula foi retirado do ar posteriormente.
Entrevistamos o coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF), Daniel Hirata, sobre a influência da facção criminosa Comando Vermelho na área.
Para verificar as imagens que foram exibidas pelo influenciador bolsonarista, salvamos um print do vídeo e fizemos uma busca no aplicativo Invid. A plataforma mostrou outras publicações do mesmo vídeo do dia 12 de outubro.
No vídeo exibido por Gayer, uma mulher afirma que trabalha na secretaria de Serviços Públicos e que teria sido obrigada pelo secretário Christiano a participar do comício. Verificamos que o nome coincidia com o do secretário Christiano Miranda Pontes, de Belford Roxo. Pedimos à Prefeitura do município da Baixada Fluminense esclarecimentos sobre o conteúdo.
Para apurar se traficantes estariam obrigando as pessoas a votarem no Lula, questionamos os Ministérios Público do Rio e Eleitoral, além da Polícia Civil do estado.
Lula fez caminhada no Complexo do Alemão
O ex-presidente Lula fez uma caminhada no Complexo do Alemão no feriado de 12 de outubro deste ano. A última vez que o petista esteve no complexo de favelas foi em 2008, na inauguração das obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) na comunidade, quando ele era presidente. A caminhada, marcada para as 10h encerrou-se no início da tarde, entre 13h e 13h30, conforme a cobertura da imprensa.
Polícia tem acesso à área da caminhada
A caminhada aconteceu na Estrada do Itararé, no Complexo do Alemão. Segundo Renê Silva, fundador do jornal Voz das Comunidades, que participou da organização do evento, a caminhada iniciou na Estrada do Itararé, na esquina da Rua Engenheiro Efren Dantas e seguiu um percurso de 750 metros, terminando na esquina da Rua Paranhos.
A Polícia Militar tem acesso ao local. Verificamos uma publicação no Twitter da Polícia Militar do Rio de Janeiro que mostra um patrulhamento da área. “Policiais da #UPP #Alemão estão presentes na Estrada do Itararé, no Complexo do Alemão”, diz o tuíte do dia 22 de julho deste ano.
O Complexo do Alemão também conta com quatro Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs): Fazendinha, Nova Brasília, Alemão e Adeus/Baiana.
A sede da UPP Alemão fica a 500 metros a pé da Estrada Itararé (mapa abaixo), onde transcorreu a caminhada. A unidade fica em frente à estação do Teleférico do Alemão.
Órgãos de segurança participaram do evento
O UOL Confere apurou que 30 policiais federais reforçaram a segurança do candidato à presidência no evento. O homem que aparece atrás de Lula no carro de som (foto abaixo) é o delegado da PF Alexsander Castro Oliveira. Ele é o chefe operacional da segurança do ex-presidente durante a campanha. O delegado da PF Andrei Augusto Passos Rodrigues também estava no carro. Ele é o coordenador da segurança do petista.
Aqui vale destacar que a segurança pessoal exercida por agentes da Polícia Federal é direito dos candidatos à Presidência da República, segundo o art. 10 do Decreto nº 6.381, de 27 de fevereiro de 2008. Além disso, verificamos por meio do vídeo de transmissão da caminhada que pelo menos uma equipe da Polícia Militar esteve presente no ato. Na transmissão da caminhada realizada pela campanha do petista é possível visualizar uma viatura da Polícia Militar do Rio no evento, circulada em branco na imagem abaixo. O vídeo da caminhada foi retirado do ar. Questionamos a campanha do ex-presidente Lula e a Justiça Eleitoral sobre o motivo da retirada do vídeo, mas não obtivemos retorno até a publicação deste texto.
O UOL Confere também identificou uma viatura em uma fotografia feita na cobertura do comício pela fotojornalista Érica Martins, do Estadão.
A Guarda Municipal do Rio atuou no evento com foco exclusivo no trânsito. Foram empregados 19 guardas municipais da Subdiretoria Técnica de Trânsito para operar os bloqueios viários já estabelecidos e também atuar no monitoramento do trânsito em geral.
A campanha de Lula não retornou sobre o esquema de segurança do petista no ato. A Polícia Federal afirmou que não divulga informações ou dados operacionais, em especial relacionados à segurança de autoridades. A Polícia Militar e o Governo do Estado do Rio de Janeiro não responderam os pedidos de informação da reportagem sobre o policiamento no dia da caminhada.
Comando Vermelho atua no Complexo do Alemão
Segundo o Mapa dos Grupos Armados no Rio de Janeiro, do Geni-UFF, a facção criminosa Comando Vermelho atua no Complexo do Alemão. A região tem quatro UPPs e é alvo frequente de operações policiais.
Localizado na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, na Serra da Misericórdia, subúrbio da Leopoldina, o Complexo do Alemão é um bairro criado em 1993 pela lei nº 2055. Ele faz limite com os bairros de Olaria, Ramos, Bonsucesso, Inhaúma e Higienópolis. Os dados do último Censo, de 2010, apontam uma população de aproximadamente 70 mil habitantes.
Hoje, o complexo é formado pelas comunidades de Nova Brasília, Reservatório de Ramos, Parque Alvorada, Morro das Palmeiras, Casinhas, Fazendinha, Canita, Pedra do Sapo, Mineiros, Morro do Adeus, Morro da Baiana, Matinha, Grota (ou Joaquim Queiroz) e Morro do Alemão. Esta última localidade emprestou seu nome ao complexo, muito embora o personagem que inspirou a alcunha fosse, na verdade, polonês, como narra a MultiRio (Empresa Municipal de Multimeios, vinculada à Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro), no texto “A história do jovem bairro do Complexo do Alemão”, de 2015, da série Bairros cariocas.
O coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF) Daniel Hirata destaca que não apenas os grupos armados definem quem entra ou não numa favela.
“Lula foi convidado por moradores, associações, lideranças. Há outras formas de dignidade e de pertencimento para além do tráfico. Há muitos grupos de assistência que atuam no Alemão e uma cena importante de movimentos e organizações. Foram essas pessoas que convidaram Lula para estar ali e me parece um sinal de que há vida ali para além do tráfico de drogas. Muitas outras coisas que não apenas o tráfico acontecem nas favelas do Rio”, diz o professor de sociologia.
A MultiRio lembra ainda que, segundo informações da Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal, a ocupação do bairro pelo tráfico de drogas e de armas ocorreu no início dos anos 1990.
Imagens noturnas contrariam período do evento
No vídeo, Gustavo Gayer exibe imagens de pessoas com adesivos de campanha de Lula e em atos do presidente. Elas dizem que foram obrigadas a participar da manifestação. Como as imagens aparecem desfocadas e os rostos escondidos, o Comprova não conseguiu confirmar se os áudios são de fato dessas pessoas. Além disso, as cenas foram gravadas à noite enquanto a caminhada de Lula no Complexo do Alemão foi realizada pela manhã.
Outras contas no Twitter e no TikTok que publicaram as mesmas imagens no dia 12 de outubro afirmaram tratar-se de ato do candidato em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, realizado na noite da véspera do feriado de Nossa Senhora Aparecida.
Uma das mulheres que aparece no vídeo diz que trabalha na Secretaria de Serviços Públicos do secretário Christiano Miranda Pontes, de Belford Roxo, que teria obrigado os funcionários a participar do comício.
A Prefeitura de Belford Roxo afirmou que desconhece a informação e disse que não é prática da administração municipal adotar este tipo de conduta, pois entende que o país é democrático e a pessoa tem o direito de escolher o seu candidato livremente.
Não há denúncias sobre coação eleitoral
O Comprova também não encontrou nos órgãos oficiais denúncias de coação eleitoral por parte de traficantes no Complexo do Alemão. A Procuradoria Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (PRE/RJ) informou que não houve registro de nenhum incidente na região e a Ouvidoria do Ministério Público do Rio de Janeiro não recebeu nenhuma denúncia nesse sentido.
A Polícia Civil, por sua vez, não respondeu ao Comprova.
Por que investigamos
O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre as eleições presidenciais, políticas públicas do governo federal e a pandemia. A equipe tem como foco as publicações virais, que tiveram grande alcance nas redes sociais e podem confundir a população. No contexto das eleições no Brasil, muitos conteúdos estão sendo divulgados com o objetivo de tumultuar o processo. A propagação de desinformação impede que o eleitor tome sua decisão com base em informações verdadeiras.
Outras checagens sobre o tema
Recentemente o Estadão Verifica desmentiu que traficantes ameaçaram eleitores para votarem em Lula na Rocinha, assim como o Aos Fatos. O Comprova já mostrou que a sigla “CPX”, em boné usado por Lula, significa complexo (conjunto de favelas) e não tem relação com facção criminosa, e checou também que um vídeo afirmando que Lula chamou apoiadores de vagabundos e traficantes é falso.