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É enganoso vídeo que mostra limão “testando positivo” para a Covid

Especialistas explicam que uso de substâncias como o limão pode interferir de forma incorreta no reagente na hora da testagem

atualizado

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Projeto Comprova
Captura de tela de vídeo com etiqueta de conteúdo enganoso
1 de 1 Captura de tela de vídeo com etiqueta de conteúdo enganoso - Foto: Projeto Comprova

Esta checagem foi realizada por jornalistas que integram o Projeto Comprova, criado para combater a desinformação, do qual o Metrópoles faz parte. Leia mais sobre essa parceria aqui.

Conteúdo verificado: vídeo que circula em grupos do WhatsApp, Twitter e Facebook, em que uma mulher faz um teste rápido de antígeno para Sars-CoV-2 usando o suco de um limão e, após obter resultado positivo, diz que a fruta “está com Covid”. Ao final, ela pede que as pessoas “acordem”, sugerindo que os testes para detecção da doença são falsos.

Um vídeo que circula nas redes sociais engana ao sugerir que os testes rápidos de antígeno para detectar a Covid-19 são falsos, tendo como base a aplicação em um deles de suco de limão. Esse tipo de mecanismo foi desenvolvido para entrar em contato com material humano, como a saliva ou fluidos da cavidade nasal. As especificações do fabricante dizem que o uso tem que ser feito de forma adequada, seguindo todos os passos corretamente, sob o risco de inviabilizar o resultado.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Especialistas ouvidos pelo Comprova explicam que o uso de outras substâncias, como o limão, pode interferir de forma incorreta no reagente. Segundo uma hipótese, a causa da alteração no resultado é a acidez da fruta, que é superior à dos fluidos humanos.

No Reino Unido, pais foram alertados de que os estudantes estavam utilizando substâncias similares para “burlar” os testes e serem liberados das aulas. Também há vários vídeos no TikTok, aplicativo bastante usado por adolescentes, que ensinam a usar outras substâncias para conseguir falsos positivos no exame de antígenos.

Apesar disso, quando utilizados corretamente, testes rápidos são uma ferramenta importante para que as pessoas saibam quando devem se isolar e evitar a transmissão do vírus. Por isso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou, em 28 de janeiro deste ano, a comercialização de autotestes de antígeno em território nacional como estratégia inicial de triagem no controle da pandemia.

O vídeo foi considerado enganoso porque utiliza dados imprecisos e confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

Inicialmente, procuramos por imagens de testes rápidos de Covid-19 no Google para tentar encontrar algum com a mesma embalagem que aparece no vídeo. A partir daí, conseguimos identificar que se tratava de um teste de antígeno da marca Genrui. Em novas pesquisas, descobrimos falhas nos testes fabricados pela empresa no exterior e um alerta de farmacovigilância emitido pela Anvisa em relação a eles. A partir desse alerta, foi possível descobrir que a empresa responsável pelo registro dos produtos da Genrui Biotech no Brasil é a 1000Medic, com sede no Paraná. Entramos em contato com a 1000Medic e com a Genrui por e-mail e WhatsApp, mas não tivemos retorno de nenhuma delas.

Por meio de buscas on-line, encontramos informações sobre jovens tentando usar alimentos para burlar os testes de antígeno no exterior. Como as notícias indicavam que as informações eram muitas vezes compartilhadas através do TikTok, fizemos uma procura pelas hashtags citadas e encontramos vídeos semelhantes ao investigado na plataforma. Também fizemos pesquisas para entender como funciona cada teste para detecção da Covid-19. No site da 1000Medic, encontramos as especificações do exame utilizado no vídeo.

Entrevistamos especialistas para tentar entender por que o teste reagiu positivamente em contato com o limão. Ouvimos a bióloga Maíra Mello Rezende Valle, professora adjunta do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e o farmacêutico Miler Heleno Teixeira, gerente responsável pelos testes na Drogaria Pacheco de Juiz de Fora, em Minas Gerais.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a Covid-19 disponíveis no dia 4 de fevereiro de 2022.

Verificação

Qual o teste usado no vídeo?

Em determinado ponto do vídeo, é possível observar a embalagem do teste, com um detalhe lateral marcante. Uma comparação com as embalagens de testes de antígenos utilizados no Brasil nos levou ao kit fabricado pela empresa Genrui e, conforme as imagens, é possível notar a semelhança na cor e no desenho dos rótulos.

Captura de tela de vídeo em que mulher mostra embalagem de teste de covid
Foi possível identificar a marca do teste pela embalagem

Embalagem de teste de covid
O Comprova entrou em contato com as empresas responsáveis pelo teste, mas não teve retorno

 

O Comprova entrou em contato com a 1000Medic, responsável pela importação e distribuição dos produtos da Genrui Biotech no Brasil, bem como com a companhia chinesa, mas não teve retorno até a publicação desta verificação.

Em 7 de janeiro deste ano, a Autoridade Nacional do Medicamento e dos Produtos de Saúde (Infarmed), órgão de farmacovigilância do governo de Portugal, emitiu um comunicado dizendo ter sido informada de 550 incidentes de falso positivo com os testes da Genrui na Irlanda. Por isso, os testes dessa marca seriam recolhidos em Portugal, embora no país, até o momento, houve o registro de apenas sete casos de falso positivo entre 7 milhões de autotestes da fabricante distribuídos ao mercado.

Em 28 de janeiro, a Infarmed disse que, após investigação feita pela fabricante, concluiu-se que o problema dos falsos positivos teria ocorrido por causa de contaminação durante o processo de fabricação da solução de diluente usada em dois lotes específicos: 20211008 e 20211125. À época, os dois lotes estavam sendo recolhidos do mercado europeu.

No Brasil, em 9 de outubro de 2020, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu um alerta de tecnovigilância em relação a testes de Covid-19 da Genrui. No caso brasileiro, o pedido era apenas para que fossem atualizadas as informações sobre a sensibilidade do produto, que havia sido reportada de modo incorreto nas instruções de uso de um lote específico: 20200505.

“O fabricante foi informado, investigou o ocorrido e concluiu que as informações das instruções de uso foram baseadas no estudo clínico inicial, que apresentou resultado de 100% para sensibilidade e especificidade. Porém, após novos estudos, observou-se variação nos referidos parâmetros, que não havia sido considerada para a elaboração das instruções de uso. Portanto, as instruções de uso foram atualizadas com as informações corretas dos parâmetros”, diz o texto emitido pela Anvisa.

O que dizem os especialistas?

De acordo com os especialistas procurados pelo Comprova, a reação mostrada no vídeo é enganosa na medida em que acontece um desvio de finalidade do teste. Para os profissionais, embora a reação química apresentada gere um resultado positivo, isso não significa que os testes não sejam confiáveis ou seguros.

Maíra Mello Rezende Valle destaca que o resultado apresentado no vídeo, embora possa ser verdadeiro, não indica a presença da Covid-19, uma vez que a variação de pH (nível de acidez ou basicidade) pode alterar a sensibilidade do teste.

A pesquisadora explica que os testes rápidos, como o de antígeno (que é utilizado no vídeo), têm anticorpos capazes de reagir à presença do vírus. Quando a amostra coletada é colocada na solução própria para testagem, acontece a quebra do vírus em partículas menores. A solução, em contato com a lâmina, gera uma reação química que provoca a mudança da cor da linha.

(O teste) tem o anticorpo acoplado na lâmina e quando você coloca um antígeno que vem, por exemplo, com a sua saliva ou com o seu sangue, ele vai aglutinar ali e vai gerar uma cor que é aquela linhazinha. Só que esses anticorpos são substâncias químicas também, principalmente proteínas. A proteína muda a conformação dela de acordo com o pH. (…) O que é o limão? É uma substância extremamente ácida; ele tem ácido cítrico”. Valle explica, então, que esse uso do limão é responsável por burlar o teste, fazendo com que apareça a linha indicadora do positivo. A pesquisadora ressalta, no entanto, que “não necessariamente existe positividade no teste”.

O farmacêutico Miler Heleno Teixeira ressalta que os testes para Covid-19 foram criados especificamente para testagem humana. Uma vez que o produto é colocado em contato com outras substâncias, como o suco de limão, o resultado pode ser afetado. “A pessoa que fez o teste (no vídeo) com limão provocou uma reação que não é normal, sinalizando positivo. Mas é um resultado inconclusivo, não quer dizer que o limão tenha Covid”.

Embora o resultado apresentado no vídeo seja positivo, Teixeira ressalta que não é possível estabelecer relações únicas entre o ácido e o resultado apresentado.

Como funcionam os testes de antígeno

Os testes de antígeno usam o chamado método de fluxo lateral à base de ouro coloidal para detectar a proteína do nucleocapsídeo (que é uma parte específica da composição do SARS-CoV-2). Os testes de fluxo lateral são usados para diversos fins e, em geral, são considerados bastante confiáveis. O mais comum deles é o teste de gravidez através da urina.

Segundo documento da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, ligada ao Ministério da Saúde, os testes de antígeno apresentam confiabilidade entre 85 e 90% em seus resultados, sendo ainda maior em pacientes com carga viral elevada, testados até o quinto ou sétimo dia da doença.

No caso dos testes desenvolvidos para detectar os antígenos, o princípio é estimular uma reação imunológica dos anticorpos que estão fixados na lâmina. Quando essa reação é desencadeada, a faixa muda de cor – por isso, o processo é chamado de cromatografia.

Em outras palavras, quando a substância a ser analisada (por exemplo, a saliva, após mergulhada em solução própria, para promover a quebra do vírus) é colocada no local indicado, ela se mistura ao conteúdo ali presente e o composto vai migrando, através da membrana que cobre a lâmina, até atingir uma linha revestida com o anticorpo monoclonal para o SARS-CoV-2. Se essa linha se tornar visível, quer dizer que foi produzida uma reação imunológica, e o resultado indica que a pessoa tem o vírus em sua saliva.

Os testes de anticorpos, por sua vez, têm a janela de testagem maior e o fluido coletado é o sangue, pois nele são produzidos os anticorpos em resposta ao contato com o antígeno. Assim, é possível determinar se a pessoa foi, no passado, infectada e, em reação, desenvolveu os referidos anticorpos.

Jovens no exterior descobrem como burlar autotestes

Em 24 de junho de 2021, um e-mail da escola Gateacre, na cidade de Liverpool, Inglaterra, foi encaminhado aos pais, pedindo para que ficassem atentos no momento de seus filhos realizarem os testes em casa. O aviso se deu após professores ouvirem rumores de que alunos haviam descoberto como burlar os resultados utilizando sucos de frutas, para que indicassem uma falsa infecção pelo vírus e, assim, não precisassem comparecer às aulas. Poucos dias antes, a Gateacre havia suspendido as aulas de algumas turmas depois de alunos terem testado positivo para Covid-19.

No Reino Unido, os autotestes foram adotados nacionalmente com a reabertura das escolas em 8 de março do 2021. Alunos e funcionários da educação precisam se testar duas vezes por semana e, no caso de resultado positivo para o teste rápido de antígenos, devem realizar uma confirmação no prazo máximo de 48 horas através do teste RT-PCR.

Casos semelhantes ao de Liverpool foram relatados pela imprensa britânica, apontando para essas táticas de burlar os testes descobertas pelos jovens.

Desde o ano passado, uma onda de vídeos compartilhados no TikTok mostra estratégias para obter falsos resultados positivos por meio do teste de antígenos. Após denúncias por veículos britânicos, a plataforma parece ter apagado os vídeos que aparecem na busca pela hashtag #fakecovidtest, conforme noticiado pelo portal iNews em julho de 2021.

Contudo, ao procurarmos pela hashtag #covidtestchallenge no aplicativo, ainda é possível encontrar alguns vídeos demonstrando o uso de refrigerantes e sucos industrializados para obter falsos positivos. No TikTok está compartilhado também o vídeo com a testagem do limão, que chegou até nós pelo WhatsApp.

Diante dos fatos, uma equipe de cientistas da Universidade de Liverpool conduziu um estudo, disponibilizado em 5 de julho de 2021 na plataforma medRxiv e ainda não revisado por pares, em que foram analisados testes de antígeno da empresa Innova Med Group, distribuídos no Reino Unido, utilizando 14 amostras de refrigerantes e sucos prontos, a fim de observar os resultados. Ao todo, dez amostras mostraram resultado positivo ou uma leve marcação da faixa que indica infecção pelo vírus. A testagem foi reproduzida em dois lotes diferentes do produto, obtendo os mesmos resultados.

De acordo com os pesquisadores, o estudo não permite concluir que exista alguma relação especificamente entre a acidez das bebidas e o resultado de falso positivo, nem cita os mecanismos agindo para que isso aconteça. A análise da água com gás não ativou reações, o que excluiu a gaseificação como responsável. Também foram verificados quatro adoçantes utilizados em bebidas, nenhum deles obtendo falso positivo.

Contexto dos autotestes no Brasil

O conteúdo verificado foi divulgado em meio a um contexto de desencontros entre o governo federal e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em relação à liberação dos autotestes de Covid-19. A alternativa, mais ágil e prática, uma vez que se trata de um produto com o qual o próprio cidadão pode realizar todas as etapas de testagem sem precisar da ajuda de profissionais, gerou diversas discussões e só foi autorizada pela Anvisa no dia 28 de janeiro deste ano.

As tentativas de liberar o autoteste começaram ainda no início do ano, quando, no dia 13 de janeiro, o Ministério da Saúde encaminhou uma nota técnica para a Anvisa com justificativas para a aprovação. O documento explica que essa é uma estratégia complementar ao Plano Nacional de Expansão da Testagem, que foi lançado em setembro de 2021. O motivo para o pedido foi um aumento expressivo no número de infecções, causado pela chegada da variante ômicron do coronavírus no País. Segundo a pasta, esses testes podem ser excelentes como triagem e para permitir que pessoas infectadas se isolem. Já no dia 19, a Anvisa adiou a decisão sobre liberação dos autotestes cobrando mais informações do Ministério, como dados a respeito da notificação de casos positivos, da falta de regulamentação e de política pública. Somente no dia 21, a Anvisa e o Ministério da Saúde fizeram a primeira reunião para discutir a aprovação dos autotestes.

O empecilho para a aprovação tem relação com a Resolução da Diretoria Colegiada 36/2015 da Anvisa, que proíbe a realização de autotestes em caso de doenças infectocontagiosas que têm notificações compulsórias, abrindo exceção apenas para casos em que o Ministério da Saúde propõe uma política pública para servir de base. Para a Anvisa, no entanto, não houve essa apresentação por meio da pasta. No dia 26 de janeiro, então, a agência recebeu o documento formal com a inserção dos autotestes no Plano Nacional de Expansão da Testagem para Covid-19, dando o aval no dia 28.

No site da Anvisa, um documento de perguntas frequentes sobre os autotestes de Covid-19 esclarece diversas dúvidas sobre o assunto. Uma das afirmações da agência é que “é importante destacar que os testes rápidos de antígeno aprovados para uso profissional não podem ser utilizados como autotestes por usuários leigos.

Estes produtos podem apresentar diferenças quanto ao desempenho, o tipo de amostra a ser utilizada (que pode requerer treinamento profissional) e nas orientações das instruções de uso, trazendo risco à saúde e à confiabilidade do resultado se utilizados por pessoas não qualificadas”. A Anvisa ainda ressalta, ao longo de todo o documento, que o autoteste precisa ser utilizado como uma espécie de triagem para que o isolamento seja feito o quanto antes, quebrando assim a transmissão do vírus e reforça a necessidade de se buscar atendimento em um serviço de saúde para confirmar o diagnóstico.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia de Covid-19, as políticas públicas do governo federal e as eleições de 2022 que tenham viralizado nas redes sociais. Quando se trata de temas relacionados à Covid-19, a checagem se torna ainda mais necessária, visto que a desinformação sobre a doença pode levar as pessoas a não acreditarem nas recomendações das autoridades sanitárias e se expor a riscos desnecessários.

O vídeo verificado aqui foi sugerido pelos leitores do Comprova através do WhatsApp, onde circulou. Sugestões como esta podem ser encaminhadas pelo número (11) 97045-4984, ou clicando neste link. Conteúdos muito parecidos foram verificados por Aos FatosBoatos.org e Fullfact.

Nos últimos dias, o Comprova desmentiu informações falsas sobre a pandemia, mostrando que máscaras impedem a proliferação da Covid-19 e não atrapalham a respiração e que não há registro de mortes de crianças causadas pela vacina contra a Covid-19 no Brasil. Também explicou aos leitores por que eventos adversos graves pós-vacinação são raros e os benefícios da imunização superam os riscos.

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