Delegado que fará proteção de Lula não tem relação com Marcos Valério
É enganoso post que cita suposta relação entre a escolha do delegado da PF para a segurança de Lula nas eleições e delação de Marcos Valério
atualizado
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Esta checagem foi realizada por jornalistas que integram o Projeto Comprova, criado para combater a desinformação, do qual o Metrópoles faz parte. Leia mais sobre essa parceria aqui.
Conteúdo investigado: postagem no Twitter que afirma: “Delegado que investigou PCC vai chefiar segurança de Lula”. O fato é associado com a delação do empresário Marcos Valério, que citou em 2017 supostas relações entre o PCC e o PT.
Tuíte ENGANA ao relacionar o delegado da Polícia Federal responsável pela proteção de Lula durante as eleições com a delação do empresário Marcos Valério, fechada em 2017, que aponta uma suposta relação entre o PT e o PCC.
Enganoso, para o Projeto Comprova, é qualquer conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Segundo matérias da imprensa (Folha de S.Paulo e Poder360), Alexsander Castro Oliveira é o delegado responsável pela segurança do petista. A escolha foi feita a partir de um acordo entre o PT e a PF.
Registros de órgãos governamentais e notícias mostram que Oliveira atuou em duas operações contra o PCC. Ambas tinham como objetivo desarticular o núcleo financeiro e as práticas de lavagem de dinheiro da organização criminosa. Não há nenhum registro que associe o policial à delação de Valério, ou mesmo às afirmações feitas pelo empresário. Além disso, a colaboração premiada foi parcialmente homologada por Celso de Mello, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), porque parte das informações prestadas se referiam a ações penais que já tramitavam na Justiça. O teor das declarações do empresário está sob sigilo e não é possível ter acesso à íntegra do que foi dito.
Alcance da publicação
A publicação no Twitter alcançou 6.148 curtidas e 1.030 compartilhamentos até o dia 21 de julho.
O que diz o autor da publicação
O Comprova entrou em contato com a autora da publicação através de mensagens no Facebook. Não houve retorno até a publicação desta checagem.
Como verificamos
Usando as palavras-chave “delegado da PF”, “Lula” e “segurança” encontramos notícias de veículos da imprensa que repercutiram o fato de o policial federal responsável pela proteção do petista nas eleições já ter investigado o PCC. Depois, procuramos informações relacionadas ao delegado, pesquisando por seu nome, e possíveis relações com informações prestadas por Marcos Valério em delação premiada.
Também buscamos informações no site da PF, do PT e do STF. Por fim, entramos em contato com a assessoria de imprensa de Lula, com a PF e com a autora da publicação.
Delação de Marcos Valério
A colaboração premiada entre Valério e a PF foi fechada em julho de 2017 na capital mineira. Na época, Oliveira atuava em Varginha, onde ficou até agosto de 2018, e não trabalhava em Belo Horizonte. Notícias (G1) vinculam Marcílio Zocrato, delegado Regional de Combate ao Crime Organizado de Minas Gerais na época, ao processo de colaboração do empresário.
No dia 1 de julho de 2022, a revista Veja divulgou trechos da delação premiada de Marcos Valério, que cita suposta relação do Partido dos Trabalhadores (PT) com o Primeiro Comando da Capital (PCC). O conteúdo vazado não menciona o delegado Alexsander Castro Oliveira.
Segundo Valério, nas gravações divulgadas, o empresário Ronan Maria Pinto chantageava Lula para não revelar informações sobre um esquema de arrecadação ilegal de recursos para financiar campanhas do partido. O dinheiro seria oriundo de empresas de ônibus, de transportes piratas e de bingos, e, neste último caso, os repasses do dinheiro ao PT seria uma forma de lavar recursos do PCC. Pinto era dono do jornal Diário do Grande ABC, em São Paulo, e teria recebido R$6 milhões em um esquema de corrupção envolvendo a Petrobras.
Em trecho divulgado pela revista, Marcos Valério diz que Silvio Pereira, então secretário-geral do PT, teria revelado isto a ele: “O Silvio Pereira falou pra mim: ‘O Ronan quer revelar que além dos ônibus, a gente recebia dinheiro de bingos, dos perueiros, e que dentro desse dinheiro de bingos (…) os bingos estariam lavando dinheiro do crime organizado e financiando campanhas de candidatos a vereadores e de deputados do PT em dinheiro vivo. E crime organizado leia-se PCC’.”
Ainda segundo Valério, o prefeito de Santo André (SP) assassinado em 2002, Celso Daniel, teria produzido um dossiê com informações de quem estava sendo financiado de forma ilegal dentro do partido. O caso chegou a ser investigado novamente pela Lava Jato em 2016.
A matéria da Veja diz que a delação foi homologada pelo então ministro do STF Celso de Mello, que se aposentou em outubro de 2020.
Em resposta à revista, o PT publicou uma nota em que afirma que a reportagem é baseada em “notícia velha, falsa e vazada ilegalmente”.
Marcos Valério chegou a ser convidado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) para falar em audiência da Comissão de Segurança Pública da Câmara sobre a suposta relação entre o PT e o PCC, mas recusou o convite. Em comunicado à Câmara, Valério disse que o material publicado pela revista foi vazado de forma ilícita.
Segurança de Lula
O chefe operacional da segurança de Lula será o delegado Alexsander Castro Oliveira, que atuou em pelo menos duas operações contra membros da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Rivaldo Venâncio será o chefe operacional substituto, e Andrei Augusto Passos Rodrigues, o coordenador da equipe. O assunto foi divulgado por veículos de imprensa.
Alexsander Castro de Oliveira é atualmente chefe da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO) de Belo Horizonte, da Polícia Federal. Antes, atuou como delegado no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP), foi chefe do Núcleo Operacional da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros e Lavagem de Dinheiro da Superintendência Regional da PF em São Paulo, e delegado da PF na cidade de Varginha, que atua em 137 municípios e é a segunda maior de Minas Gerais.
Em agosto de 2020, a Polícia Federal deflagrou a operação Caixa Forte 2 e cumpriu mais de 600 mandados contra o PCC em 18 estados e no Distrito Federal. Os inquéritos policiais apontaram a ocorrência dos crimes de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.
Na ação, a 2ª Vara de Tóxicos de Belo Horizonte, em Minas Gerais, expediu 422 mandados de prisão preventiva e 201 mandados de busca e apreensão, além de ordenar o bloqueio de R$ 252 milhões. A investigação foi liderada pela FICCO, chefiada por Alexsander Castro Oliveira.
Segundo processo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as investigações da PF mostram que membros do alto escalão do PCC que estavam presos recebiam uma quantia mensal através de contas de familiares ou de terceiros, que alugavam suas contas bancárias para a facção com esse intuito. Os chefes da organização eram pagos de acordo com as funções exercidas e as ações realizadas dentro do PCC.
A investigação é um desdobramento da operação Cravada, que foi deflagrada em 2019 numa ação conjunta com o Departamento Penitenciário Federal, Ministério Público do Paraná, Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo e Polícia Militar de São Paulo.
Com o objetivo de desarticular o núcleo financeiro do PCC, os policiais agiram contra a utilização de contas bancárias que garantiam a movimentação financeira da organização criminosa. Oliveira também atuou na operação Cravada em Minas Gerais.
Procurada, a assessoria do ex-presidente Lula não respondeu aos questionamentos do Comprova sobre a escolha dos chefes de segurança do candidato.
A Polícia Federal foi procurada pelo Comprova por diversas vezes para esclarecer questões sobre a atuação de Oliveira nas investigações do órgão. A PF confirmou que Alexsander Castro Oliveira não participou de nenhuma investigação relacionada ao empresário Marcos Valério. O órgão não respondeu quais foram os agentes responsáveis pela delação premiada firmada entre Marcos Valério e a Polícia Federal em 2017.
Desde 2017, quando ocorreu a delação premiada com a PF em Minas Gerais, os delegados responsáveis pela chefia da Superintendência de Minas Gerais foram: Robson Fuchs Brasilino (2016/2018); Rodrigo de Melo Teixeira (2018/2019); Cairo Costa Duarte (2019/2020) e Marcelo Sálvio Rezende Vieira (atual). Na Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado de Minas Gerais, os chefes foram: Marcílio Miranda Zocrato (2016/2018); Renato Madsen Arruda (2019/2020); Carlos Henrique Cotta D’angelo (2020/2021) e Rafael Machado Caldeira (atual).
Segundo a PF, os cargos ocupados por Alexsander Castro Oliveira no órgão foram: Chefe substituto do Núcleo de Operações da Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros (DELECOR) de São Paulo (2008/2015); Chefe da Delegacia de Varginha (Jan/2016 a Jan/2018); Chefe da FICCO (Fev/2018 a Maio/2021); Chefe da Coordenação de Repressão a Crimes Violentos, Tráfico de Armas, Crimes contra o Patrimônio e Facções Criminosas – CRCV/CGPRE/DICOR/PF (cargo atual).
Não há qualquer registro que relacione a delação de Marcos Valério à escolha do delegado Alexsander Castro Oliveira como chefe operacional da segurança do pré-candidato do PT. O conteúdo, portanto, é enganoso.
Homologação do acordo de delação premiada
Em 2018, Celso de Mello validou parcialmente o acordo de delação premiada de Valério (G1, Folha de S.Paulo e Estadão). Com isso, as autoridades competentes podem passar a investigar parte dos fatos narrados pelo delator. Entretanto, o teor dos depoimentos está sob sigilo até que seja recebida a denúncia criminal sobre os supostos crimes narrados.
Parte dos fatos criminosos delatados não foi homologada porque, segundo Mello, referiam-se a ações penais que já tramitavam na Justiça. Como a delação foi negociada com a PF e a Polícia Civil, após negativas do Ministério Público, o ministro não homologou esses trechos, porque é o MP que atua nas ações penais já em andamento.
Em sua decisão, assinada no dia 24 de setembro, Celso de Mello também determinou que os autos do processo sejam encaminhados à Polícia Federal, para que investigue as acusações feitas pelo colaborador. O ministro destacou que Marcos Valério entregou às autoridades policiais 60 anexos, descrevendo “práticas criminosas perpetradas por organizações criminosas infiltradas nos cenários políticos brasileiros”.
O caso chegou ao tribunal em julho de 2017, mas demorou a ser analisado porque a delação foi questionada pela Procuradoria Geral da República, entendendo que a polícia não poderia fechar acordos do gênero. Em junho de 2018, o STF decidiu que as polícias podem fechar acordos de delação.
O processo de delação premiada foi normatizado através da Lei Nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Antes, já existiam definições da colaboração por meio da Lei Nº 12.850, de 2 de agosto de 2013.
O acordo de colaboração premiada é um dispositivo processual e se caracteriza como uma possibilidade para obtenção de provas. As declarações, por si só, não podem servir de fundamento para a decretação de medidas cautelares, recebimento de denúncia ou sentença condenatória.
Segundo as leis, o acordo de colaboração premiada e os depoimentos do colaborador devem ser mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime, sendo vedado ao magistrado decidir por sua publicidade em qualquer hipótese.
Como o empresário mencionou autoridades políticas, que possuem foro privilegiado, o julgamento do caso passou para o STF. O processo estava sob os cuidados do ex-ministro Celso de Mello mas, com sua aposentadoria, foi herdado por Kassio Nunes. Pelo processo correr em sigilo, não é possível ter acesso aos nomes de todas as pessoas citadas por Valério e se, de acordo com as falas do empresário, elas estariam supostamente ligadas ao PCC ou ao caso de Celso Daniel.
A proteção dos candidatos
Candidatos à presidência da República terão segurança pessoal realizada pela Polícia Federal a partir da homologação da candidatura, que deve ocorrer entre 20 de julho e 5 de agosto. O direito é garantido através do decreto Nº 6.381, de 27 de fevereiro de 2008. Caso o atual presidente tente a reeleição, a proteção é feita pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Segundo a PF, para as eleições federais deste ano, a instituição vem se preparando com a formação de grupos especializados em proteção à pessoa, aquisições de equipamentos e viaturas e capacitação dos policiais que atuarão na operação policial de proteção aos candidatos.
Os policiais federais que atuarão nas equipes serão selecionados levando-se em conta preferencialmente sua experiência na área de proteção à pessoa e operacional. A escolha dos agentes é feita através de um acordo entre o partido político e o órgão a partir de nomes apresentados pela PF.
“As equipes de cada candidato estão sendo formadas com fundamento em análise de risco feita por grupo de inteligência policial que atuará durante todo o período eleitoral. A referida metodologia de análise foi criada pela Polícia Federal especificamente para a atividade de proteção aos candidatos e é atualizada periodicamente, inclusive levando-se em conta fatores sócio-políticos, subsidiando as ações das equipes de proteção”, destacou a PF.
Por que investigamos
O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia de Covid-19, eleições presidenciais e políticas públicas do governo federal que viralizaram nas redes sociais. Informações que induzem uma interpretação enganosa, fazendo associações sem comprovação, sobre candidatos à presidência da República podem atrapalhar a decisão de eleitores sobre determinado político.
Outras checagens sobre o tema
Recentemente, o Comprova mostrou que Lula e presidente eleito da Colômbia não queiram obrigar pessoas a dividir casa com outras famílias; que postagem usa foto de atos sem presença de Lula para tentar desacreditar pesquisas eleitorais e que é falsa a frase atribuída a Lula com ameaça ao STF.