Dama do Tráfico: soltura de membros do CV não tem relação com visitas
Post engana ao relacionar a soltura de suspeitos de integrar o CV a visitas de mulher conhecida como “Dama do Tráfico” do Amazonas ao MJ
atualizado
Compartilhar notícia
Esta checagem foi realizada por jornalistas que integram o Projeto Comprova, criado para combater a desinformação, do qual o Metrópoles faz parte. Leia mais sobre essa parceria aqui.
Conteúdo investigado: Tweet exibe o que parece ser a publicação de um site a respeito de uma decisão judicial que concedeu liberdade a integrantes da facção criminosa Comando Vermelho e relaciona a soltura à suposta visita da “primeira-dama” do Comando Vermelho (CV) ao Ministério da Justiça. A publicação é acompanhada da legenda: “Um governo de bandidos, de mal carácteres (sic), de párias que deviam estar trancados numa cela. Corja. Por isso somos @jairbolsonaro”.
Onde foi publicado: X (antigo Twitter).
Conclusão do Comprova: Postagem engana ao indicar que uma juíza de Mato Grosso tenha mandado retirar a tornozeleira eletrônica de 38 integrantes do Comando Vermelho e soltar outros sete acusados após a visita de Luciane Barbosa Farias, conhecida como “dama do tráfico” do Amazonas, ao Ministério da Justiça. Não é possível fazer tal relação, pois a decisão da juíza Ana Cristina Silva Mendes, titular da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, foi emitida em 23 de fevereiro deste ano, como mostra a íntegra da sentença. Já as visitas da esposa de Clemilson dos Santos Farias, o “Tio Patinhas”, ao ministério aconteceram em 16 de março e 2 de maio deste ano, como revelou o Estadão.
Segundo a decisão da Justiça de Mato Grosso, alguns dos 45 suspeitos de integrar o Comando Vermelho no Estado estavam presos ou cumprindo medidas cautelares desde 2018, quando foi deflagrada a primeira fase da Operação Décimo Mandamento. Outros usam tornozeleira desde 2019. Foi a ausência das sentenças que motivou a decisão, portanto.
“No caso, os acusados estão submetidos às ordens judiciais deste processo há mais de 04 anos e dada a complexidade do feito a elaboração da sentença demandará uma apuração acurada dos fatos, o que, indubitavelmente causará demora na sua finalização”, escreveu a juíza, em trecho da decisão.
Segundo a magistrada, embora os crimes dos quais eles são acusados sejam de “extrema periculosidade”, a Constituição garante a “razoável duração do processo e meios que garantam a sua celeridade”.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 5 de dezembro, o conteúdo compartilhado no X acumulava mais de 18,2 mil visualizações, passava de 1,2 mil curtidas e já havia sido republicado 680 vezes.
Como verificamos: Usando o título de uma captura de tela que aparece no tuíte investigado, buscamos pela notícia da soltura dos suspeitos de integrar o Comando Vermelho em Mato Grosso. A pesquisa levou a matérias da imprensa local e também a outras checagens feitas sobre o mesmo tema.
No Google, também buscamos notícias a respeito do contexto das visitas de Luciane Barbosa ao Ministério da Justiça. Consultamos ainda o site do Tribunal de Justiça do Mato Grosso para obter a sentença da juíza Ana Cristina Silva Mendes.
Decisão de soltar suspeitos de integrar facção ocorreu em fevereiro
Em decisão dada em 23 de fevereiro deste ano, a juíza Ana Cristina Silva Mendes, da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, determinou a revogação da prisão preventiva de quatro pessoas suspeitas de integrar a facção criminosa Comando Vermelho em Mato Grosso. A mesma decisão determinou a retirada de tornozeleira eletrônica de outros 38 suspeitos e a revogação de prisão domiciliar de três suspeitos.
Todos foram alvo da 1ª fase da Operação 10º Mandamento, deflagrada em 2018, em uma ação conjunta da Delegacia Regional de Barra do Garças, em Mato Grosso, e a Gerência de Combate ao Crime Organizado (GCCO).
A suspeita é de que os alvos teriam promovido ataques a prédios públicos, incêndios a viaturas das forças de segurança e pichações na cidade. A decisão da magistrada também relaciona os alvos a crimes de furto qualificado, roubo majorado e tráfico de drogas, que eram ordenados ou articulados dentro de unidades prisionais do Estado.
Na decisão, a magistrada argumentou que os crimes pelos quais os suspeitos são acusados são de “extrema periculosidade”. Por outro lado, ponderou que os homens estavam presos ou cumprindo medidas cautelares há mais de quatro anos enquanto aguardam sentença. A juíza citou que a Constituição garante a “razoável duração do processo e meios que garantam a sua celeridade”.
“No caso, os acusados estão submetidos às ordens judiciais deste processo há mais de 04 anos e, dada a complexidade do feito, a elaboração da sentença demandará uma apuração acurada dos fatos, o que, indubitavelmente causará demora na sua finalização”, citou a juíza, em trecho da decisão.
As visitas da “Dama do tráfico” citadas pelo desinformador, aconteceram pelo menos em três ocasiões em 2023: em março, maio e novembro. Ou seja, depois da soltura dos suspeitos.
Visita de “dama do tráfico” ao ministério
As visitas de Luciane Barbosa Farias ao Ministério da Justiça foram reveladas pelo Estadão em 13 de novembro. Segundo o jornal, elas aconteceram pelo menos em três ocasiões em 2023: em março, maio e novembro. Esta última foi noticiada pelo jornal O Globo.
Depois das visitas, Luciene foi condenada em segunda instância a dez anos de prisão por associação para o tráfico, lavagem de dinheiro e por integrar organização criminosa. Ela é casada com Clemilson dos Santos Farias, o “Tio Patinhas”, integrante do Comando Vermelho no Amazonas, segundo a Polícia Civil daquele estado.
Após a divulgação das visitas de Luciene, o Ministério da Justiça editou uma portaria com novas regras, mais rígidas, sobre visitas.
O ministro Flávio Dino, titular da pasta, afirmou que nunca se encontrou com Luciene pessoalmente. Na ocasião das visitas, ela foi recebida por secretários do ministério.
Em 19 de março, Luciane esteve com Elias Vaz, secretário nacional de Assuntos Legislativos. Em 2 de maio, ela se encontrou com Rafael Velasco Brandani, titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais.
O que diz o responsável pela publicação: A conta do X do atleta Renzo Gracie, responsável pela publicação investigada e já verificado anteriormente pelo Comprova, não permite envio de mensagens diretas. O Comprova enviou questionamento pelo perfil oficial de Renzo no Instagram, mas não houve retorno até a conclusão desta checagem.
O que podemos aprender com esta verificação: Umas das táticas usadas pelos desinformadores é usar fatos verdadeiros fora de contexto para imprimir veracidade ao conteúdo. Desconfie de postagens que usam títulos de reportagens, sem detalhes da notícia, para apoiar afirmações contundentes ou sensacionalistas. Neste caso a publicação ainda contém a expressão “Faz o L”, que costumeiramente é utilizada por opositores ao presidente Lula de forma irônica para criticar ações do atual governo. Como citado ao longo da verificação, não há qualquer relação da decisão da Justiça de Mato Grosso com o governo petista. Ao se deparar com publicações desse tipo é importante procurar veículos de imprensa de sua confiança.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O mesmo conteúdo verificado nesta checagem foi desmentido pela Agência Lupa e pelo Estadão. Sobre conteúdos de desinformação que citam o governo Lula, o Comprova mostrou ser falso que ponte sobre o Araguaia esteja paralisada, que projeto que previa envio de equipamentos eletrônicos para escolas de presídios é do Governo do Rio e foi suspenso e que é falsa a postagem que mostra Javier Milei chamando Lula de ladrão após eleição na Argentina.