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Covid: post usa fala de médico para mentir sobre eficácia da vacina

É falso que infectologista Robert Malone seja o “pai da vacina” e que discurso feito por ele prove que vacinas contra Covid não funcionem

atualizado

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Reprodução/Projeto Comprova
Imagem colorida de postagem enganosa sobre vacinas contra Covid-19
1 de 1 Imagem colorida de postagem enganosa sobre vacinas contra Covid-19 - Foto: Reprodução/Projeto Comprova

Esta checagem foi realizada por jornalistas que integram o Projeto Comprova, criado para combater a desinformação, do qual o Metrópoles faz parte. Leia mais sobre essa parceria aqui.

Conteúdo investigado: vídeo com discurso do virologista Robert Malone, em que ele afirma que as vacinas de mRNA contra Covid-19 — que chama de “vacinas genéticas” — não são seguras e não protegem contra a variante ômicron. Ele acrescenta que, mesmo se todas as pessoas nos Estados Unidos se vacinarem, não haveria imunidade de rebanho, como ocorreria, segundo ele, a partir da imunidade natural, ou seja, a partir da infecção pelo vírus.

É FALSO post que afirma que, segundo o “pai da vacina”, os imunizantes contra Covid-19 não funcionam e que as mortes por conta da doença são a prova disso. A publicação usa um vídeo de declaração do médico norte-americano Robert Malone, um dos primeiros a pesquisar o uso de RNA mensageiro em vacinas, mas, diferentemente do que afirma o conteúdo checado, ele não é o criador da tecnologia, desenvolvida por diversos cientistas.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Malone foi chamado de “estrela da desinformação da Covid” pelo jornal The New York Times, e a gravação usada no post verificado aqui mostra mais uma mentira contada por ele. As vacinas são comprovadamente eficazes contra o coronavírus.

Segundo levantamento da Info Tracker, plataforma desenvolvida pela USP (Universidade de São Paulo) e Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) para monitorar os dados da pandemia, de março de 2021, quando se iniciou a aplicação da segunda dose, a novembro do mesmo ano, de cada 10 pessoas que morreram no Brasil pela doença, oito não haviam recebido nenhuma dose de qualquer um dos imunizantes aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) informa que “as vacinas contra a Covid-19 desempenham um papel crítico na prevenção de mortes e internações” e “estão contribuindo para controlar a propagação da doença”, segundo documento revisado em março deste ano.

Como informado pelo Comprova em verificação recente, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e o Office for National Statistics (ONS), do Reino Unido, também reforçam a eficácia das vacinas contra mortes por Covid-19. O Centers for Disease Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos, afirma o mesmo.

Alcance da publicação

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Apenas uma postagem no Twitter acumulava quase 7 mil interações até a tarde desta sexta-feira (18/11).

O que diz o responsável pela publicação

O perfil no Twitter não permite envio direto de mensagem ao autor da publicação. A página de mesmo nome no Instagram também não tem habilitada a opção.

Como verificamos

Inicialmente, fizemos uma busca reversa de imagens no Google associada ao nome de Robert Malone por frames do vídeo. Além de chegar a outras postagens nas redes sociais com o mesmo conteúdo, foi encontrada uma checagem feita em janeiro de 2022 pelo Estadão Verifica e outra em fevereiro pelo Fato ou Fake, do G1.

Outra busca pelos termos “mRNA”, “vaccine” e “Robert Malone” levou a reportagens publicadas nos Estados Unidos sobre a disseminação de desinformação por parte do virologista: a primeira, do Washington Post, se referia ao mesmo discurso de Malone usado no post aqui investigado; a segunda, no The New York Times, levava a um perfil de Malone e sua relação com a desinformação contra as vacinas.

O Comprova acessou relatórios oficiais do CDC (12), materiais publicados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pela OMS a respeito da segurança e eficácia das vacinas de mRNA (Pfizer e Moderna), além de reportagens na imprensa sobre o assunto.

Também foi entrevistado o médico pediatra Renato Kfouri, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

Vídeo é de janeiro de 2022

O aumento do número de casos da Covid-19 em vários países nas últimas semanas fez ressurgir conteúdos de desinformação sobre a pandemia. É o caso do vídeo que aparece no tuíte checado. Ele é um trecho de uma transmissão do programa Special Report, da Fox News, que mostrava uma manifestação em Washington, nos Estados Unidos, contra a obrigatoriedade das vacinas em 23 de janeiro de 2022.

Robert Malone, um virologista e infectologista norte-americano, falou na ocasião para milhares de manifestantes antivacina, que aplaudiam frases que, vez ou outra, os encorajava a não se vacinar e adquirir a imunidade natural, ou seja, por meio da infecção pelo vírus.

Quando gravou o vídeo sugerindo que as pessoas estariam mais protegidas do vírus contraindo a doença do que se vacinando, a Covid-19 já tinha matado 860 mil americanos. Naquela época, a ômicron era predominante nos Estados Unidos.

Vacinas são seguras

Durante o discurso, Robert Malone diz que “a ciência está resolvida” e que as vacinas de mRNA — que ele chama de “vacinas genéticas” — não estão funcionando e não são seguras. A alegação é falsa. De acordo com a OMS, a tecnologia de vacina de mRNA é estudada há mais de uma década, inclusive no desenvolvimento de vacinas contra zika, raiva e influenza.

“Essas vacinas mRNA foram rigorosamente avaliadas por segurança, e os ensaios clínicos mostraram que fornecem uma resposta imune duradoura. Vacinas mRNA não são vacinas contra vírus vivos e não interferem no DNA humano”, diz a OMS.

A diretora de Imunização da OMS, Kate O’Brien, explica que as vacinas de mRNA funcionam como se fornecessem uma receita para que o sistema imunológico produza os anticorpos que vão combater o vírus. “A vacina fornece as instruções ao nosso próprio sistema imunológico a fim de produzir uma parte pequena, minúscula, apenas um componente muito pequeno da partícula viral contra a qual o sistema imunológico irá reagir. É tudo o que são as vacinas de mRNA”, destaca.

Uso de vacinas de mRNA vem surtindo efeito

Dois dias antes do discurso de Malone, em 21 de janeiro, o CDC, dos Estados Unidos, havia publicado um relatório on-line sobre a eficácia da terceira dose das vacinas de mRNA contra atendimentos de urgência e hospitalizações de adultos durante a prevalência das variantes delta e ômicron no país. Os dados desmentem a fala de Malone.

O resultado aponta para eficácia de 94% na prevenção de atendimentos de urgência e emergência contra a variante delta e de 82% contra a ômicron. Para a prevenção de hospitalizações, a eficácia foi de 94%, contra a delta, e de 90%, contra a ômicron.

De acordo com o médico pediatra e infectologista Renato Kfouri, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, as evidências sobre a eficácia das vacinas agora são as mais robustas desde o início da pandemia. Para ele, não há dúvidas do efeito protetor das vacinas contra os quadros mais graves de Covid-19. “Quando a gente olha os dados e compara os índices de vacinados e não vacinados, é brutal a diferença. O indivíduo, quando ele está com um esquema vacinal completo, o risco dele para todos os desfechos da Covid-19 é menor”, aponta o médico.

Ainda segundo Kfouri, as vacinas de mRNA fornecem uma proteção ainda melhor do que as demais. “Essas vacinas são mais imunogênicas, ou seja, elas despertam anticorpos melhores, uma neutralização maior, quando comparadas às de vetor viral e às de vírus inativado”, diz.

Apesar de a resposta imune ser muito superior, a duração da proteção não é tão longa quanto se esperava, mas esse não é um fator exclusivo das vacinas de mRNA. “Desde a ômicron, há uma perda da proteção, o que tem feito com que indivíduos vacinados se infectem. Nós não temos hoje uma proteção boa contra a forma leve da doença, mas as vacinas continuam muito eficazes contra a forma grave”, explica.

Proteção contra novas cepas, como a ômicron

A proteção das vacinas diminuiu frente às novas cepas, especialmente a ômicron, mas os imunizantes ainda protegem contra as formas graves e letais da doença. Reforços com vacinas de mRNA são recomendados, inclusive, no momento atual da pandemia – o relatório mais recente do CDC sobre a eficácia das vacinas de mRNA contra a variante ômicron é de 21 de outubro de 2022.

Segundo o estudo, feito em pacientes adultos vacinados entre 26 de dezembro de 2021 e 31 de agosto de 2022, a eficácia da vacina de mRNA monovalente contra a hospitalização diminui com o tempo. No intervalo de 120 dias iniciais após a aplicação da terceira dose, a eficácia era de 79% contra as cepas BA.1 e BA.2 — subvariantes da ômicron. Após esses 120 dias, a eficácia caiu para 41%. Já nas cepas BA.4 e BA.5, também subvariantes da ômicron, a eficácia de 60% nos 120 dias iniciais após a terceira dose caiu para 29% após 120 dias.

O relatório apontou que não há dados suficientes para apontar a durabilidade da proteção no período de predominância das sub-variantes BA.4 e BA.5 justamente pelo declínio na proteção e pelo fato de as cepas anteriores — BA.1 e BA.2 — reduzirem as estimativas de eficácia das vacinas. Por isso, os cientistas apontaram que era importante que adultos com mais de 18 anos recebessem uma dose bivalente de vacina de mRNA atualizada para maximizar a proteção e evitar hospitalizações pelas cepas BA.4 e BA.5 antes da chegada do inverno nos Estados Unidos.

Também em outubro deste ano, um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISCGlobal), apontou que pessoas que receberam duas doses da vacina Coronavac — que usa vírus inativado — alcançaram uma proteção maior contra a Covid leve e grave depois de receberem uma dose de reforço com vacina à base de mRNA.

De acordo com o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz e da Yale School of Public Health, e coautor do estudo, a vacinação inicial com duas doses da Coronavac quase não ofereceu proteção contra a forma leve da Covid-19 causada pela variante ômicron, enquanto a proteção contra a forma grave da doença variou de 40% a 50%. Uma terceira dose da Coronavac não ofereceu proteção adicional contra a forma sintomática da doença e concedeu adicional moderado contra a forma grave – 74% de eficácia em adultos e de 40% a 50% em idosos com mais de 75 anos.

Já uma dose de reforço com vacina de mRNA aplicada em pessoas que tinham recebido duas doses de Coronavac ofereceu uma proteção adicional de 56,8% contra a forma leve da Covid-19 causada pela ômicron e de 86% para a forma grave. Além disso, a proteção com um reforço de vacina de mRNA pareceu ter uma duração de pelo menos quatro meses, enquanto com a vacina de vírus inativado acontecia o contrário — a proteção reduzia ao longo de quatro meses.

O estudo, publicado pela revista científica Nature, foi feito com uma amostra ampla, com quase 1,4 milhão de pares de casos em todos os mais de 5 mil municípios do Brasil, entre dezembro de 2021 e abril de 2022, quando a variante ômicron BA.1 era a predominante no país.

Vacinas protegem por pouco tempo? E a imunidade natural?

Em fevereiro deste ano, conforme divulgado no Brasil por veículos como FolhaUOL e CNN, um estudo do CDC avaliou que a eficácia da terceira dose dos imunizantes da Pfizer e da Moderna diminui após o quarto mês de administração, um efeito que também já havia sido observado nas administração das duas primeiras doses. A pesquisa examinou o total de 93 mil hospitalizações por Covid-19 e mais de 240 mil atendimentos de emergência relacionados à doença, em 10 estados norte-americanos, ocorridas entre agosto de 2021 e janeiro de 2022, o que inclui as ondas das variantes delta e ômicron.

Mesmo com a predominância da ômicron, a eficácia contra hospitalizações se mantinha em 91% nos primeiros meses após o recebimento da vacina. Em pacientes com pelo menos quatro meses após a administração do imunizante, a eficácia reduzia para 78%. Em relação aos pacientes atendidos em pronto-socorro, a eficácia das doses de reforço após o surgimento da ômicron foi de 87% em dois meses seguintes à aplicação, de 66% após quatro meses e de 31% após cinco meses.

A conclusão do estudo apontou para a necessidade de doses suplementares e ratificou a oferta de altos níveis de proteção dos imunizantes no que tange à prevenção de quadros graves da doença. No vídeo, Robert Malone usa a queda na proteção das vacinas diante da variante ômicron para sugerir, então, que a imunidade natural, conferida pela infecção, seria mais duradoura, ampla e eficaz contra a morte por Covid. Não é verdade.

De acordo com Renato Kfouri, da SBIm, a melhor proteção é a chamada híbrida, ou seja, uma mistura entre a imunidade natural adquirida após a infecção pela Covid-19 associada à vacinação. “Para aqueles que já foram infectados e recebem a vacina, o risco de adoecimento é pelo menos seis vezes menor do que indivíduos que tiveram a doença e não tomaram a vacina”, diz.

No vídeo, Malone acrescenta que não haverá imunidade de rebanho pela vacinação e insinua que, diante dos riscos, as pessoas devem escolher a imunidade natural. Isso também não é verdade. Kfouri aponta que a meta de imunidade de rebanho citada por Malone é uma ideia abandonada há bastante tempo. “É que nem gripe, o vírus não é só de seres humanos, é zoonótico, tem reservatório em animais, é um RNA vírus que sofre mutações, cuja proteção das vacinas não é longeva. É um vírus que a vacina não previne infecção, mas complicações. Não há possibilidade de se conseguir imunidade de rebanho nem com as vacinas nem com a infecção. Isso é uma característica dos vírus respiratórios”, explica.

Quem é Robert Malone e qual sua relação com a vacina?

No início do vídeo, é possível ver que Malone é identificado na transmissão da Fox News como inventor da tecnologia de vacinas de DNA e mRNA, mas isso não é verdade. De fato, Malone foi um dos primeiros cientistas a iniciar pesquisas para o uso de RNA mensageiro em vacinas, mas ele não é o criador desse tipo de imunizante, já que esse trabalho se deveu à atuação de diversos outros especialistas.

Apesar do currículo como cientista e do trabalho em busca de tratamentos para combater os surtos de Zika e Ebola, Malone ficou conhecido por espalhar desinformação sobre as vacinas contra a Covid-19 nos Estados Unidos, sobretudo a partir da atuação em programas conservadores, e seu discurso acabou sendo exportado.

Em janeiro deste ano, após o discurso em Washington, o Washington Post disse que as “alegações desacreditadas” de Robert Malone ajudaram a reforçar o movimento da desinformação. Em abril, o The New York Times o chamou de “estrela da desinformação da Covid” e disse que o cientista se julgava “injustiçado”, reivindicando a paternidade das vacinas de mRNA.

Ele já apareceu em uma verificação do Comprova, que classificava como falso texto de médico francês com tese infundada de que vacinados são perigosos e devem ser isolados. Malone era um dos médicos que validavam o conteúdo de desinformação.

Consórcio de imprensa

“E agora? Podemos processar o con$órcio por difundirem fake news?”, pergunta o autor do post verificado aqui. A reportagem não conseguiu contatá-lo, mas por “consórcio” entende-se que ele está se referindo ao consórcio de veículos de imprensa criado em junho de 2020 para informar a sociedade brasileira sobre dados da Covid-19 no país.

O grupo é formado por Folha, UOL, O Estado de S. Paulo, Extra, O Globo e G1 e, como publicou a Folha, foi criado de forma inédita “em um momento em que o governo Jair Bolsonaro (PL) tomava atitudes que reduziam a quantidade e qualidade dos dados disponíveis” sobre a doença. No início da pandemia, o governo federal começou a divulgar os casos de infectados e as mortes pelo vírus às 17h, mas, depois, passou para as 22h, dificultando a divulgação das informações nos telejornais e veículos impressos. Sobre a mudança de horário, Bolsonaro chegou a dizer no dia 5 de junho de 2020, em tom de deboche, “Acabou matéria no Jornal Nacional”.

O consórcio já recebeu reconhecimentos como o prêmio Einstein + Admirados da Imprensa de Saúde e Bem-Estar, entregue em setembro de 2021 e promovido pela Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein em parceria com o Portal de Jornalistas e Jornalistas & Cia. Também recebeu, em dezembro do mesmo ano, o prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa, promovido pela Associação Nacional de Jornais – o Comprova também foi homenageado na ocasião.

Por que investigamos

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. O vídeo verificado nega a eficácia comprovada das vacinas, reforçando discurso negacionista disseminado de diferentes formas em diversas partes do mundo. Em casos assim, a desinformação pode fazer com que uma parcela da população não se vacine, ou seja, coloca a vida das pessoas em risco.

Outras checagens sobre o tema

Malone já apareceu em outra verificação do Comprova, como a de texto falso de médico francês que espalhava tese infundada de que vacinados são perigosos e devem ser isolados. As declarações do virologista também foram checadas pelo Estadão Verifica e pelo Fato ou Fake, do G1. Conteúdos falsos ou enganosos sobre a eficácia das vacinas têm sido verificados pelo Comprova, como vídeo que distorce declaração de executiva da Pfizer e post que tira dados de contexto para sugerir que vacinados são mais vulneráveis à Covid.

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