Toro recorre à tradição gaúcha para uma parrilla continental
Local oferece refeição completa com variedade de acompanhamentos
atualizado
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Lembro-me de uma das palestras do mestre Carlos Alberto Dória, sociólogo da alimentação, na qual ele me surpreendia ao afirmar que churrasco não era coisa de gaúcho. Como assim, professor? A resposta, na verdade, era um tanto óbvia. Ora, o ser humano desde a idade primitiva trabalha com a combinação fogo e carne. No Brasil, por todas suas regiões, dos povos originários desta terra aos assadores de galocha, utiliza-se as mais diversas técnicas para se controlar a brasa.
Gosto da diversidade de técnicas, cortes e propostas das mais diversas churrascarias. Mas uma nem tão recente onda portenha invadiu a cidade e, de certa forma, reconfigurou com mais profundidade o conceito de assados com a famigerada parrilla. Conheço basicamente todas (ainda devo uma visita à recentemente inaugurada Brace Carnes). O nível é alto, mas neste momento separo um espaço para falar especificamente de uma das que mais gosto: Toro Parrilla, na 104 Sul.Evidentemente o gaúcho, com suas relações fronteiriças com Uruguai e Argentina, absorveu uma forma peculiar de se assar carne. Em Brasília, a tradição vem dos pampas, mas não podemos nos esquecer da contribuição nordestina, com suas casas populares de carne-de-sol. Não seria também churrasco?
Ora, Toro vem de uma dissensão do grupo El Negro. O restaurateur gaúcho Fábio Gregol seguiu um voo solo nesta casa de arquitetura um tanto sisuda, mas superaconchegante, bem climatizada, embora com o serviço até hoje um tanto disperso (não custa observar a sujeira à mesa e passar um pano ou retirar os pratos da entrada antes de servir o principal, certo?).
Seu maior mérito? Unificar a tendência comercial das parrilladas com elementos do imaginário gauchesco. Sotaque portenho com brasilidade.
Curioso pensar, na verdade, o quanto demorou para que estreitássemos esse diálogo com os vizinhos sulamericanos na gastronomia. Afora as nossas internacionalmente famosas churrascarias rodízio, Brasília absorveu ainda nos anos 1980 a cultura dos grills, os grelhados americanos em chama aberta (Lake’s e Bsb Grill são pioneiros neste modelo).
Agora as parrillas estão espalhadas por todo o lado, até no engate de food trucks.
Trabalhar o fogo é algo lindo, tão instintivo como desafiador. Lenha, carvão, pedra, no chão, na grelha, na brasa, na parrilla… são inúmeras as possibilidades. Fico bobo de ver o mestre Francis Mallmann em ação (seu episódio na série Chef’s Table é um dos mais emocionantes).
A proposta do Toro não consegue reproduzir esses bródios ao ar livre de Mallmann ou mesmo da tradição CTGista da costelada. Mas a casa faz um trabalho bem decente ao tentar domesticar esta culinária ardente dos pampas para a formalidade do comércio. Mas prepare o bolso. Os preços não são alarmantes, no entanto, falamos de carne bovina importada ou de seletos produtores de gado nacionais. Ou seja, um produto de alto custo, revalorizado pela recente crise nacional.
Um grande feito do Toro, diga-se, é o corte denominado Mercado Del Puerto (R$ 112). Um fatia generosa de um quilo de costela assada lentamente por horas a fio e finalizada na parrilla. Recomendaria a casa apenas por esse belo pedaço de carne – antes também o faria pelo Ojo Piazzolla, retirado do cardápio por falta de fornecedor.
No entanto, um mal das churrascarias (inclui-se aí desde o rodízio às steakhouses americanas) se impõe com a falta de regularidade na entrega dos assados. O Toro não escapa à regra. Em uma visita espantou-me a entrega de um bife de chorizo pálido (R$ 74, 300g; R$ 110, 600g), mal descansado, passando do rosado ideal (que, para mim, é ao ponto para mal; um padrão argentino, diga-se).
Nesta mesma ocasião, meu abre-alas favorito apesentou-se chamuscado, como se esquentado com pressa sobre chama. Falo da porção de morcelas da casa (R$ 29), linguiças de sangue produzidas artesanalmente lá no Sul. Deve um pouco mais de liga, mas normalmente costuma chegar à mesa um tanto perfumada pelas ervas, tenro e com sabor complexo.
De uma segunda visita, os erros se corrigiram. Como diria um grande amigo: pode acontecer. O importante, nesta volta ao Toro, foi perceber que o chef Alexsandro Panta e sua brigada diante da parrilla podem ter tido apenas um mal dia.
Desta vez, solicitei novamente o chorizo, reapresentado corretamente (a dica é observar se o miolo avermelhado está entre idênticas faixas de cozimento). Mas o corte que mais me agrada, um tanto difícil de acertar (e de comer), fora entregue à perfeição: assado de tira (R$ 89, 350g; R$ 132, 700g). O corte transversal da costela traseira levava gordura renderizada, exibia picos queimadinhos crocantes por fora e ponto exato internamente.
Claro que a escolha de gado de qualidade faz toda a diferença. O ingrediente sempre será a grande força do prato.
Não tenho lá muita paciência para alguns preparos típicos de restaurantes de parrilla, como a infame salada juliana (aqui servida um tanto seca, graças a quilos de batata palha e de parmesão por cima), ou o arroz parrilleiro (com mais batata palha) e a farofa de ovos sub-Dom Francisco.
(Permitam-me um adendo: acertar a farofa de Francisco Ansiliero não é mistério. O chefão publicou a receita em livro e já apresentou inúmeras vezes em programa. Sabe qual é a grande sacada? A picância conferida pela combinação de cebola mais cebolinha. Simples, não?)
Na hora de escolha dos acompanhamentos, o Toro me salva ao incluir o repertório sulista com arroz carreteiro clássico (R$ 19 a R$ 26), uma maionese de batatas impecável (R$ 14 a R$ 36), servida em temperatura correta (e não semicongelada como na maior parte das galeterias). Sem mencionar meu guilty pleasure: polenta frita (R$ 17 a R$ 29).
Eis uma refeição completa. Mas há boas guarnições vindas da brasa: legumes (R$ 24), pimentões vermelhos (R$ 18 a R$ 31) e batata doce (R$ 19).
No menu de sobremesas não há muito mistério. Você encontra a panqueca de doce de leite (R$ 20), que até hoje não aprendi a ver graça. Talvez o sangue goiano só me permita sentido nesta receita com um naco de queijo pra cortar o dulçor exagerado próprio da matéria-prima em questão.
O petit-gâteu (R$ 19) também surge como a solução careta. Cozido corretamente, porém finalizado com uma redundante calda de chocolate. O negócio é recorrer à tradição CTGista: uma baita vasilha de ambrosia com sorvete (R$ 18) ou o criterioso sagu ao vinho tinto com creme de baunilha (R$ 14). Um primor.
Toro Parrilla
Na 104 Sul, bloco C, loja 29. Telefone: (61) 3325-0494. De segunda a quarta, das 12h às 15h e das 19h às 22h30; de quinta a sábado, das 12h às 16h e das 19h à 0h; e domingo das 12h às 17h. Ambiente interno e externo. Wi-fi. Aberto em 2014.