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The Queen’s Place: boa comida, apesar dos muitos excessos

A casa inglesa reforça, apesar da riqueza do Cerrado, a influência europeia em nossa gastronomia

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1 de 1 WhatsApp Image 2018-09-28 at 09.37.49 - Foto: Guilherme Lobão/Metrópoles

A gastronomia de Brasília foi concebida por influência europeia. Como nosso lago, urbanismo e parte de nossa flora transposta de outras regiões para cá, a comida que encontramos nas ruas comercias esbanja certa artificialidade. É uma crítica dura que reiteradamente faço à história da cidade, mas, ao mesmo tempo, não pretendo desabonar esses arranjos como se prejudiciais de qualquer forma. Lamento, porque reflete uma autodesvalorização do nosso bioma, nossas identidades regionalistas, que são muitas, mas é como a capital se formou. Encaremos assim.

Diferentemente de outras regiões mais cosmopolitas, Brasília recebe influências de muitos lugares, porém com pouca diversidade ainda. Talvez seja por esse motivo que o The Queen’s Place, inaugurado no início do ano, tenha empilhado tudo quanto é referência à cultura gastronômica inglesa em um só lugar. Afora uma ou outra iniciativa melhor ou pior já estabelecida, a comida típica da terra da rainha nunca pegou por aqui.

Se o propósito do Queen’s Place é fomentar essa cultura, o trabalho, pode-se reconhecer, é bem-feito. A proposta megalômana, contudo, exige muito de quem não se deslumbra com facilidade. Demorei um bocado de tempo para conhecer a casa pela pompa exacerbada de sua fachada. Atendentes em figurino pomposo no calor deste Cerrado, chega a dar aflição. Homens de casaca ou suspensórios, mulheres de vestidos pretos e casquetes. A clara intenção de aludir à realeza britânica confere grande empáfia ao lugar.

Divulgação

Vencida a barreira estética espalhafatosa, a mise-en-scène do atendimento – sempre cordial, embora um tanto desatento às demandas do salão – funciona bem, em compasso com a cozinha, que apresenta receitas fidedignas. No entanto, há muitos excessos, uma vez que a casa funciona das 7h às 22h, tentando cobrir a tarefa de três negócios diferentes em um mesmo salão: casa de chá, pub e restaurante, tudo junto.

Você pode se deliciar com uma boa versão do clássico bolo branco, Victoria sponge cake (R$ 18 a fatia), com camadas de framboesa, ou até uma ótima e rara receita acertada de fish and chips (R$ 48 a porção), embora um típico quitute de rua. Mas vira coisa chique para imaginário neoburguês brasiliense. Peixe empanado em massa molhada por cerveja, o que confere maior crocância após a fritura, é servido com aïoli, purê de ervilha e batata frita rústica.

Mas a cafeteria/casa de chá combina mais com o sugestivo design de interiores: sofás, muitas almofadas, lustres de cristais no salão, de pé-direito alto, escadaria e um jardim com um prop de uma cabine telefônica vermelha londrina aleatoriamente disposta no pátio externo, como se precisasse reforçar ainda mais a função “homenageosa” da casa.

Pela manhã, o desjejum pode vir na forma de banquetes. Pode-se escolher, para o english breakfast, King George ou Rainha Elizabeth. Esta opção apresenta scones bem-feitos, embora os considere muito secos para o paladar médio brasileiro, e reúne bons croissants, torradas de pão de forma, geleia, manteiga, salada de fruta e muffin bem fofinho e úmido. Mas prefiro ainda a versão King George, com ovos e bacon mais o feijão adocicado típico acrescido de cogumelos frescos e tomate grelhado. A frustração foi a linguiça toscana, que não me parece combinar com o menu. Falta encontrar fornecedor de um tipo de embutido mais próximo da salsiccia servida pelas bandas londrinas.

Além disso, o cardápio do desjejum oferece os tradicionais ovos beneditinos em três versões. A que experimentei foi a mais conhecida: ovos pochés sobre cama de bacon e torrada, cobertos por molho hollandaise. Cozimento acertado, mas tempero um pouco insosso. Mas, no geral, com queijos e mais uma boa extração de café e chás Twinings sempre acompanhados de uma microjarra de leite, eis uma boa experiência de se tomar café da manhã fora de casa em Brasília.

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Omelete, no entanto, continua sendo minha baleia-branca. Não encontro um bom exemplar na cidade. E aqui o erro é o mesmo: muito tempo de fogo e pouca técnica. Prefira optar pela oferta de bolos ingleses. Gosto da confeitaria da casa, muito acertada. Uma coleção saborosíssima de bolos, a começar pelo citado Victoria sponge, fofo, adoçado na medida e preservando a acidez no recheio. Mas também há um de laranja com amêndoas bastante interessante, e o de chocolate com cerveja Guinness na massa. Por serem fatias enormes, recomendo dividir.

Para além de tanta ode à pátria inglesa, The Queen’s Place carrega consigo traços de pub (com opções de cervejas e as famosas pot pies, que são tortas salgadas) e de restaurante. Come-se bem no almoço aqui. No menu executivo, por R$ 59, você pode encontrar uma salada fresca de entrada mais um pratarrão de barriga suína com a broa de Yorkshire e purê de maçã mais cheesecake de sobremesa, por exemplo.

Do cardápio regular, deparei-me com um salmão com tempero correto, mas passado do ponto, com a pele não renderizada totalmente. Uma pena, mas vinha de guarnição um vinagrete de abacaxi muito interessante e arroz negro. As costeletas de cordeiro com gravy (molho de carne) também passaram do ponto: deveriam chegar com interior bem rosado, mas foram cortadas muito finamente. De guarnição, legumes vistosos, vibrantes e cozidos à perfeição.

A casa serve ainda refeições típicas, sobretudo no tradicional Sunday roast (R$ 195, para duas pessoas), com rosbife ou porchetta a depender do dia, servidos com gravy, purê, vegetais e o clássico Yorkshire pudding, uma broa à base de gordura, farinha de trigo e ovo.

Vendo assim, em todo seu repertório, a cozinha inglesa nem parece aquela coisa sem graça e sem criatividade que conhecemos historicamente. Por outro lado, foram os britânicos que conseguiram, na ausência de uma cozinha forte, dominar a narrativa da gastronomia, com seus prêmios, programas e salões do gosto. The Queen’s Place, portanto, faz meio isso e coloca no mercado local toda a força dessa pouco incensada e mesmo conhecida culinária regionalista.

The Queen’s Place
Na 116 Sul, Bloco C, Loja 21. Telefone: (61) 3879-0056. Das 7h às 22h. Ambiente interno e externo. Wi-Fi. Desde 2018

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