Pontão do Lago Sul: uma volta pelos restôs do oásis urbano
Além de atmosferas diversas, o local oferece opções de culinária japonesa, feijoada, chopps de qualidade e menu saudável
atualizado
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Boa parte da experiência à mesa resume-se à atmosfera do lugar onde se faz a refeição. Profano ou sagrado, público ou privado, familiar ou estrangeiro, cada local reúne em si as particularidades que moldaram os sentidos de uma determinada epifania gastronômica. Sofro de sentimentos misturados quando vou comer em polos alimentícios. Há algo ali entre a repulsa sonoro-odorífica e o conforto automatizado, prático. Uma associação das engrenagens do capitalismo com o espírito de comunidade move as estruturas dessas congregações de repastos, desde uma singela feira de produtores a uma enorme praça de alimentação.
Esperem, portanto, nesta coluna, alguns especiais, como este, sobre esses centros de gastronomia. Está no forno um sobre a Quituart, que adoro, embora com algumas ressalvas, e sobre a sacada empresarial da chef Lidia Nasser, em Águas Claras. Mas vou começar pelo Pontão do Lago Sul. Nascido como parte das iniciativas do antigo Projeto Orla, o espaço público de aspecto privado concentra seis restaurantes e quatro quiosques (um deles associado a outro estabelecimento).
Sou atraído pelo clima praiano-burguês artificial do local. Um cartão-postal sem esforço a cada metro percorrido pelas calçadas a tornear o lago. Por outro lado, um mafuá de gente, no fim de semana, com barulho saindo de todo lado: do alto-falante de carros, da música ambiente e das festinhas nas lanchas lá do meio do lago. Prefiro os momentos de almoço no meio da semana, sem fila, com vento, sol e mais tranquilidade. Há várias atmosferas possíveis ali.
No entanto, o embrulho por si só não merece toda a atenção. Vou dispensar uma conversa sobre os quiosques. Paleteria, loja de frozen yogurt, picolé e sobremesas, além de um local para beber algum soft drink e fazer lanches rápidos. São meramente funcionais. Prefiro me ater às particularidades dos restaurantes do Pontão.
Quando da inauguração do Pontão, só me recordo de ter frequentado o Mormaii. Muita coisa mudou por lá. Um dos meus destinos favoritos, aliás, era o Café Antiquário. O estabelecimento dividia espaço com a pizzaria Capodanno (hoje só no Terraço Shopping). Foi lá, aliás, que entrevistei a chef Paolla Carosela antes da fama. À época, ela era consultora do Rubaiyat, prestes a abrir em Brasília. Ela não curtiu o restaurante: só pediu um misto-quente.
Chega de digressão e vamos aos restôs, por ordem alfabética:
Bier Fass
Este costuma ser meu canto de predileção dentre os restaurantes do Pontão. Semana passada conheci sua faceta self-service, pois só havia degustado o bufê de feijoada, os petiscos e alguns pratos da carta. Por R$ 41,80 por pessoa, não é ruim. Ingredientes de uma boa qualidade, porém com aquele sistema à lá Spoleto de “preparar na hora” a salada e a massa. Fujo disso. Contudo, encontrei um bom milanesa de frango, com uma farofa bem feita.
Ainda vou preferir voltar ao menu. De partida, o mix de petiscos me parece um dos melhores abre-alas. Honesto, bom pra compartilhar e para cumprir a função. Nos pratinhos, vão à mesa isca de filé acebolado, um delicioso croquete de macaxeira, salsichão (uma das especialidades da casa) e fritas bem sequinhas e crocantes (R$ 36,80). Melhor do que o atabalhoado prato de camarões mal empanados em um molho tártaro a escorrer pelas beiradas.A feijoada da casa me parece muito digna. Não há mistério para nosso prato-postal brasileiro. Mas como há ofertas ruins por aí. Esta vale o preço, ainda mais se acompanhada pelo chorinho dos sábados à tarde, e um chope muito bem extraído.
Mas o Bier é daqueles restaurantes do jeito antigo de Brasília, um Roma da vida. Possui um extenso cardápio com especialidades nacionais e europeias aos montes. Alguma coisa vai dar errado, mas aqui você pode comer uma boa lasanha à bolonhesa e um joelho de porco bem feito à moda alemã, mas não pururucado como promete o menu.
Espero que voltem a fazer com mais frequências aqueles banquetes temáticos. Uma boa sacada.
Diariamente, das 12h às 1h (sexta e sábado até 2h). Tel: (61) 3364-4041. Ambiente interno e externo. Brinquedoteca. Wi-fi. Aberto em 2006.
Fausto & Manoel
De fato, há uma evolução grande deste famoso e concorrido bar, que começou apertadinho nas calçadas da comercial do Sudoeste para o suntuoso prédio à beira do Lago Paranoá. Aqui há bons petiscos, uma massa de pastel bem feita, para envelopar a carta fechada, com quatro unidades recheadas por linguiça couve e queijo em excesso.
Embora a picanha na chapa seja o grande destaque da casa, o bufê disposto na parte interna do bar me chamou a devida atenção. Bom para comer com os olhos, mas falta tempero e atenção ao cozimento da paella. O prato apresenta uma casquinha de siri um tanto ressecada. Preferível voltar as atenções à especialidade anunciada pelos garçons. A picanha faltou mais descanso para concentrar os sulcos da carne, mas tem boa qualidade. Acompanha um arroz meio apressado, fritas crocantes, farofa de ovo correta e um vinagrete com acidez abaixo do ideal.
Ah, o serviço tem aquele intragável padrão de bares brasilienses: atabalhoado, desatento. Mas sabem extrair uns bons chopes da torneira. Que bom.
Diariamente, das 11h30 às 2h. Segunda a quarta, até 1h. Tel: (61) 3297-7013. Ambiente interno e externo. Wi-fi. Aberto em 2017.
Manzuá
Não haveria nada mais aprazível do que um banquete de pescados à beira-mar. Eis porque era tão bom ficar na varandona do antigo Bargaço, para bater um prato de camarões ou lagosta em sua devida época (fora do defeso). O Manzuá assumiu este ponto alguns anos atrás com uma proposta de servir frutos do mar com inspiração baiana.
Possui um quiosque à parte só para servir acarajé ao longo do dia (R$ 28 o par, no formato grande, ou quatro, em tamanho mini). Um bolinho de feijão-fradinho muito saboroso, numa fritura perfeita, mas… só. Ao vatapá, falta acertar a receita. O excessivo sabor de leite de coco põe o quitute a perder. Gosto, contudo, do vinagrete de tomate verde, um menção ao biri-biri.
O pratarraz sugerido de entrada, um sample dos principais petiscos da casa, é de encher os olhos. Porém, as iscas de pescada devem melhor fritura. A casquinha de siri, mais uma vez, é puro leite de coco; e os anéis de lula enganam bem. Não vale quanto se paga. O mesmo podemos dizer das moquecas. Ambas que comi (mista com camarão e peixe) apresentam um molho muito pesado e gorduroso, engrossado com farinha.
Mas também fui lá provar alguns pratos do relativamente novo cardápio. Duas saladas caríssimas e pouco pujantes de camarão com aceto balsâmico (R$ 59), e a de vieiras picadas, perdidas entre muitos cogumelos e aspargos (R$ 74). O bobó de camarão (R$ 169 para duas pessoas com pouca fome), apesar de apresentar um creme espesso demais, leva camarões graúdos cozidos corretamente.
Os pequenos erros de receituário e de técnica atrapalham a performance do Manzuá, um restaurante com incrível potencial, mas que se limita a ser uma casa para agradar turistas incautos. Quem conhece, não paga o preço.
Diariamente, das 12h à 0h. Domingo, até 23h. Tel: (61) 3364-6090. Ambiente interno e externo. Wi-fi. Aberto em 2010.
Mormaii Surf Bar
Há uma lojinha com esta pegada praiana que dá o tom da casa. Faz sentido o menu ser voltado a saladas, sucos naturais, sanduíches, wraps. Mas o grande investimento aqui é no cardápio de sushis e sashimis (R$ 138 o combinado, com 36 peças). Há opções de bufê (mas fujo sempre quando posso). Há uma década sem passar por lá, observo que não é de todo ruim a empreitada do sushibar. Uma opção até interessante dado o frescor dos ingredientes. No entanto, há o Soho logo ali ao lado, apresentando um trabalho mais acurado tecnicamente.
As frustrações aqui aparecem nos drinques e nas saladas, sobretudo. Um trabalho amador. O moscow mule (R$ 24) parecia uma caipiroska mal equilibrada com um espesso topping de chantili; as saladas de folhas, em sua maior parte, chegam ao prato picadas, o que fatalmente contribui para a oxidação do ingrediente. Uma pena. A combinação clássica de mussarela de búfula, tomate seco, mais um salpicado de gergelim, ainda funciona (R$ 32).
Na seção dos sanduíches, há recheios interessantes no pão ciabata, como o que leva um belo salame em fatias meio tostado com creme de queijo e azeitona preta. A carta de sucos naturais acompanha bem. Infelizmente, há poucas casas ainda preocupadas em trocar a polpa pela fruta in natura. O problema é a forma de servir. Meu abacaxi com hortelã era só espuma. E não pude nem trocar por um de açaí, porque a Mormaii serve o fruto roxo do Norte pasteurizado já com a mistura de xarope de guaraná e banana. Passo.
Diariamente, das 12h à 0h. Tel: (61) 3248-1265. Ambiente interno e externo. Wi-fi. Aberto em 2002.
Sallva Bar & Ristorante
Falei mais detidamente sobre o Sallva em uma coluna passada. Essa foi a grife que deu lugar ao Café Antiquário, um restaurante agradável, porém carente de conceito. O Sallva, sob o comando do chef Lui Veronese nas caçarolas, consegue apresentar-se com muito mais eficiência ao propor um menu italiano, meio variado, com alguma elegância.
Este é o único restaurante do Pontão para o qual iria tomar drinques. Há coisas interessantes, como a agradável combinação batizada com o nome do estabelecimento. Ela tem como destilado-base gim mais xarope de maçã verde (R$ 30). Pelo mesmo preço, há um ótimo Aperol Spritz, mas o que combina mesmo com a vibe do lugar é o clericot (R$ 89 a jarra).
Do cardápio de petiscos, sobressaem o bolinho de arroz com parmesão (R$ 37) e a torre de anéis de lula empanados (R$ 65). Para fugir das frituras, uma burrata de qualidade inquestionável vai à mesa com redução de balsâmico, tomate cereja, presunto Parma crocante e figo (R$ 65). Dentre os principais, o ravióli leva essa combinação ao mesmo preço.
Agora, embora haja ali um ambiente com vista privilegiada como os demais restaurantes, o tíquete-médio do Sallva é alto demais para a simplicidade da comida que serve.
De segunda a quinta-feira, das 12h à 0h. Sexta, das 12h à 1h. Sábado, das 9h à 1h. Domingo, das 9h à 0h. Tel: (61) 3522-44352. Ambiente interno e externo. Wi-fi. Aberto em 2016.
Soho
Daquela tradição de sushibars japoneses, há, como já disse, apenas um único representante da forma clássica de se preparar e servir sushis e sashimis em Brasília, o New Koto. Porém, como o mundo não cabe em caixinhas, a cena gastronômica local se adaptou aos modismos de base contemporânea. Como o leitor já sabe, torço o nariz para tanta invenção. Mas não pela criação em si. Repare: estou aberto às possibilidades infinitas de combinações de sabor. Entretanto, não há quem me convença de certas coisas: peixe cru maçaricado é bom; azeite trufado presta; cream cheese ajuda em alguma coisa no meio de tão delicada peça de peixe com arroz.
Filial brasiliense de uma rede baiana, o Soho congrega em seu belo espaço físico o mais conchegante e refinado ambiente do Pontão do Lago Sul. Aliás, volta-se justamente ao público mais cheio da grana. Falamos de uma especialidade gastronômica por si só mais cara. Mas aqui há locais ainda mais reservados, como o clube de uísque da Blue Label, com garrafas personalizadas dos clientes guardadas nas estantes do anexo do salão.
A casa, contudo, trabalha com o sistema volante, preenchendo os itens desejados numa fichinha. Sou mais do prato pensado e preparado pelas mãos do chef, o esquema omakase de serviço. Nesta brincadeira, topei com um combinado à escolha do itamae (sushiman). Nunca me dou muito bem, porque vem tudo melado excessivamente em teriyaki, com cream cheese, azeite de trufa e, claro, o danado do maçarico. Podemos, contudo, observar uma técnica acertada de corte e montagem de sushi, algo raro em Brasília.
Diariamente, das 12h às 15h; 18h à 0h. De sexta a domingo, das 12h à 1h. Tel: (61) 3364-3979. Ambiente interno e externo. Wi-fi. Aberto em 2011.