Paris 6 não é o horror que pintam nem a delícia prometida
O restaurante, ao contrário do que dizem seus detratores, pode oferecer refeições agradáveis
atualizado
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Amado pelas celebridades e pelos turistas, fuzilado pela crítica paulistana. Com essa pecha, desembarcou em Brasília há quase dois meses a 7ª unidade do incensado Grand Bistrô Paris 6. Fincado no interior do Shopping ID, ao lado de outra rede nacional badalada (Madero Steakhouse), o restaurante-império do empresário Isaac Azar replica a fórmula consolidada há 11 anos no Jardins, em São Paulo: cardápio extenso, decoração retrô e funcionamento 24 horas (a filial brasiliense inicia esta operação em breve).
A ambientação faz referência à antiquíssima brasserie parisiense Le Procope, substituindo os quadros de personalidades do Iluminismo e da Revolução Francesa por caricaturas de artistas, jogadores de futebol etc. E o menu impõe um verdadeiro exercício de paciência. Haja diligência para percorrer os mais de 200 itens das cartas (há uma só para sobremesas). Por outro lado, a adega comportada limita-se a poucos rótulos – com uma razoável variedade de opções abaixo de R$ 100.Fui motivado a conhecer o Paris 6 para concluir de onde vem tanto barulho em torno de um restaurante cuja comida aparentemente não tem nada demais. Colocado em forma de hipótese: como uma marca tão indigesta para o apreço crítico consegue manter-se incólume à depreciação pública – e, pelo contrário, com a casa cheia até para um jantar de segunda-feira? Qual seria o veredito justo a ser conferido para tal polêmica?
Refaço a pergunta de uma forma mais direta, numa metaparáfrase caetanesca: qual será o horror e a delícia do Paris 6? Vale pagar caro (porque é caro) para comer uma comida no geral pouco excitante (porque está longe de se firmar como uma das boas cozinhas de Brasília)?
O próprio Azar, em tantas entrevistas que deu, reforça que seu público não o procura só pela comida. De fato a experiência do restaurante moderno supera em muito o mero desejo e necessidade fisiológica do comer e do beber. Abre-se para a esfera estética do entretenimento e do prazer desinteressado. E nisso o restaurateur está certo. Não são seus pratos que são caros, a rigor. O preço inclui o projeto arquitetônico, o conforto, o design de interiores, a climatização, os toaletes impecáveis, a louça de qualidade e um serviço atencioso. Não são muitas casas na cidade a oferecer esse conjunto de adereços.
Desculpo a cafonice daquele tanto de quadro de gente famosa e o vão inexplicável ao centro do salão pela magnitude e conforto do ambiente da coquetelaria. Arrisco dizer que é o melhor bar de restaurante em Brasília, em termos de disposição geográfica e conforto no balcão – quanto aos drinques, fico devendo uma visita específica para tratar deles, para não perder o foco da seção principal da casa.
Mergulhado no imenso mar de opções diversas e desconexas do cardápio, percebe-se logo que não há aqui muito de bistrô ou de Paris. Saladinhas, sopas e omeletes aqui e acolá, mas falta conceito gastronômico de fato. O marketing, por outro lado, acerta em cheio. Menu pautado pelo gosto da clientela VIP que batizou cada preparo.
Em Brasília, a cargo de comandar a cozinha que solta esses pedidos, está o chef William Chen Yen (que desde o antigo Babel trabalhava mais como consultor e, um tanto recentemente, lançou uma rotisseria e estava comandando um menu degustação na Asa Sul). Chen, que faz a linha da cozinha de autor precisou se adaptar ao batidão de reproduzir em escala quase industrial receitas dos outros – chegou a servir 600 pessoas em um só dia (!).
Em uma carta tão extensa, certamente há algumas coisas bem boas. Mas também pelo ecletismo proposto, o resultado geral não escapa de uma cozinha repleta de lugares-comuns e pouca ousadia, à medida para agradar ao gosto médio. Espantou-me o couvert (R$ 12): pães frios e secos, pão de queijo borrachudo e manteiga empedrada. Mas minha missão aqui é a de trafegar pelo menu labiríntico abrindo caminho para uma boa experiência. Pois uma melhor forma de iniciar a refeição aparece na porção de pastéis de queijo brie com geleia de pimenta para mergulhar (R$ 35) ou na salada de folhas com queijo de cabra e tapenade de azeitonas pretas à Chris Pelajo, onde podemos encontrar algo de francês (R$ 39).
Dentre os principais, certamente não voltaria pelos nhoques, tidos como “carro-chefes” da casa segundo os garçons que me atenderam nas duas visitas. Bolotas enormes e massudas não me permitiram chegar ao final do prato. Pedi o tal Bruno Gissoni (R$ 85): molho áspero de camarões, sem contar que o crustáceo que orna a receita passara do ponto e não estava totalmente limpo.
Fui mais safo na visita seguinte e comi bem – sim, descobri que, à revelia dos detratores, isso é possível no Paris 6. Linguado grelhado à perfeição deitado sobre crocante berinjela empanada e coberto por suave molho de tomate com pimentões fizeram a minha alegria. O purê de mandioquinha que acompanha deveria estar menos frio (R$ 68).
O molho rôti da casa (à base de carne bovina), como me disseram antes, é outra das delícias aqui servidas. Um preparo dedicado (provavelmente demorado) e justifica parte dos pratos quentes. Vai muito bem com as costeletas de cordeiro do Gianecchini, que passaram um tiquinho, guarnecidas de cuscuz marroquino (R$ 79). Também ficaria ótimo sobre os medalhões de filé do Chorão (R$ 78), de cozimento impecável diga-se, não fosse um risoto de brie em ponto de papa e o sempre inapropriado azeite de trufa a roubar-lhe o sabor.
Chegada a hora da sobremesa, detive-me a uma análise bem criteriosa do cardápio exclusivo para a seção de doces. Afinal, são quase 100 itens listados, dos quais 50 se referem a variações do infame cartão-postal da casa: o grand gâteau, invenção da qual Isaac Azar orgulha-se profundamente.
Dos exageros, busquei aquele onde apareceriam sabor e técnica. Convenceu-me o crème brulée com um toque de laranja feito originalmente para Marília Gabriela (R$ 27). A crosta de açúcar ficou devendo maior resistência, mas havia cremosidade correta, boa temperatura entre o morno e o gelado, além de adoçado corretamente.
Aliás, exagero é o tal do grand gâteau (R$ 36 a 38). Um bolo de chocolate quente em um ramequim recebe um tanto de calda, farelo ou fruta, leite Ninho ou leite condensado até ser finalizado por um picolé fincado no centro. Coisas de sabores indistinguíveis e que parecem combinações feitas por crianças numa sorveteria self-service. Ao menos, sai de graça se pedido após um prato principal, de segunda a quinta-feira. Para isso é preciso retirar um voucher pelo aplicativo do restaurante.
Percebe-se que o Tom Cavalcante está mais pra paçoca; a Deborah Secco vem com brigadeiro e doce de leite; e o Rodrigo Minotauro leva whey protein debaixo de litros de leite condensado (e me pergunto: pra quê?). Não há construção de camadas de sabor, e os macarons que acompanham são duros e secos. Tudo é muito doce.
Sei que muita gente vai atrás do grand gâteau para tirar foto e tal – o estômago e o Instagram é de vocês. O que pretendo fazer aqui, como disse, é guiá-los para experiências gastronômicas agradáveis e despertar o senso crítico. Concluo que Paris 6, fazendo o gosto médio, consegue dar tiros certos – típico das grandes redes, como Coco Bambu. Ou seja, não é o horror que alguns pintam nem essa delícia toda que precede sua fama. Que comece o debate.
PS: Alguém consegue explicar por que em TODO prato há uma pimenta dedo-de-moça de penetra?
Grand Bistrô Paris 6 Brasília
No Shopping ID, Setor Comercial Norte, Quadra 6, Conjunto A. (61) 3037-3437. 11h à 0h (sexta e sábado até as 2h). Wi-fi. Ambiente interno. Aceita reservas somente pelo aplicativo do restaurante. Aberto em 2017