Mangai confere status comercial à comida sertaneja
É preciso alguma organização para não se empaturrar nas várias opções da casa
atualizado
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Quando do êxodo para a construção da nova capital brasileira, nos anos 1950, uma das regiões de onde saía o maior número de migrantes para a futura Brasília era o Nordeste, sobretudo o estado do Piauí. Embora tão relevante para a formação da culinária do Distrito Federal, a gastronomia nordestina limitou-se, historicamente, aos pratos turísticos da Bahia e à carne de sol potiguar.
A cozinha mais popular e caseira do dia a dia nordestino fora relegada para fora do Plano Piloto. À medida que a nova cidade se tornava um caldeirão cultural nacional, também praticava um apartheid social. Prosperou no comércio brasiliense das primeiras décadas, portanto, a cozinha internacional (sobretudo europeia), a mineira e a carioca. Os tradicionais guisados, mexidos e demais receitas de origem nordestina foram ganhar espaço nas feiras do Núcleo Bandeirante e Ceilândia, por exemplo.
Com a chegada do Mangai, há 10 anos completos agora em 2019, a cozinha nordestina se reconfigurou para o paladar brasiliense. A rede paraibana foi, de fato, exitosa ao conferir um certo status comercial à gastronomia sertaneja tão pouco valorizada – e mesmo conhecida – na capital brasileira.
Podemos, sim, enxergar no Mangai uma elitização do imaginário do sertão nordestino, como um empreendimento para gringo ver. Afinal, a casa higieniza as mazelas do interior e estetiza as referências aos xique-xiques do semiárido (replicados num cenário adornado por um jipe acima dos banheiros); nas redes montadas na varanda externa; no painel de toras de madeira onde se penduram cachos de banana; e nas cortinas de bucha vegetal, aparato simples do uso cotidiano das famílias sertanejas transformadas em bibelôs de luxo. Tudo isso virou design de interior do enorme salão de 900 lugares à beira-lago, na Orla JK.
A comida do Mangai traduz um expressão genuína da gastronomia paraibana – e nordestina –, no limite, uma vez que explora receitas do litoral, do semiárido e de outros estados da região. Embora apresente preparos clássicos, sabores fortes e tradicionais entre as mais de 200 opções que se alastram ao longo do desmesurado bufê, a casa é muito permissiva às generalidades da gastronomia brasileira para adular o gosto estrangeiro (pastéis, bolinhos, dadinhos de tapioca, moquecas etc) e também incorpora os lugares-comuns dos self-services (incluindo até feijoada agora).
Poderíamos descrever o Mangai como o self-service de luxo muito mais pelo valor agregado – ambientação, banheiros superequipados e limpos, conforto e, claro, ingredientes de boa procedência. Afinal, o quilo custa R$ 73,90 de segunda a sexta e R$ 76,90 aos sábados, domingos e feriados E a vontade de experimentar o máximo possível do bufê fatalmente levará a clientela a empanturrar-se e testar a capacidade do estômago.
Nas cubas dos aparadores situados em espaço suficientemente amplo, apesar de gerarem engarrafamento no almoço de domingo, estão tantas receitas que requer um planejamento em favor de uma experiência. Há o imprescindível bufê de saladas, pães e antepastos, muleta de todo self-service.
O importante no Mangai é combinar com o grupo com o qual estiver de selecionar alguns petiscos para serem compartilhados à mesa (há muitos). Entre os melhores, estão o bolinho de macaxeira e os camarões ao alho e óleo ou empanados com gergelim. Feito o giro pelos acepipes, é hora de encarar a refeição principal.
Nessa etapa, a casa se divide entre guarnições, paneladas e carnes. Na primeira delas, há receitas originalmente servidas como prato central das refeições caseiras da Paraíba, caso do jumento atolado. Esse refogado de purê de jerimum com carne-seca é das coisas mais saborosas do repertório do Mangai, ao lado do baião-de-dois e do rubacão (uma espécie de baião de dois enriquecido com outras variedades de feijão mais toucinho e queijo de coalho).
Há ainda várias opções de verduras grelhadas, cozidas ou refogadas; farofas (de cuscuz, de farinha de mandioca branca ou amarela) e arrozes dos mais diversos. Costumo também cobrir um arroz bem temperadinho com a boa carne de sol nas natas (um releitura paraibana do clássico bacalhau português misturado em creme de gordura de leite).
Entre as paneladas, o Mangai abraça suas raízes, sem concessões, e entrega um ótimo sarapatel (encontrei dia desses algo semelhante feito com aparas e miúdos de bode, uma delícia). A buchada do Mangai merece reverência, bem como o guisado de cabrito (ora de bode também). Já nos ensopados de frutos do mar, caso da moqueca, este não seria o melhor destino para provar algo do tipo.
Em última instância, no bufê de pratos quentes, há uma variedade enorme de assados, desde pernil de porco com um tempero um tanto ortodoxo às consequências do paladar colonizado, como salmão ao molho de maracujá e costela suína ao barbecue – pelo menos ainda não chegou por ali o tal do camarão internacional. Fujo dessas coisas. Interessa-me muito mais, por exemplo, pegar uma fatia do belíssimo pão de macaxeira da casa e cobrir com o queijo de coalho chapeado na hora.
O exagero do Mangai se estende também pelo balcão de sobremesas. Meus amigos normalmente ficam horas para escolher entre tantas opções. Pois não vejo qualquer dificuldade. Basta pular aquele tanto de mousse, bolo, torta, petit gâteau e pavê e partir para o que reflete a essência da gastronomia que, ao menos, inspira o conceito da casa: a cartola e os doces em compota.
Em 2017, o Mangai ampliou sua atuação em Brasília, abrindo uma segunda (e um pouco mais modesta) unidade no Shopping ID, aferindo o sucesso comercial da marca por aqui. Em modelo de negócio, o Mangai é um tremendo sucesso. Apoiado por um bufê sempre muito fresco, reposto diligentemente e respeitando alguns dos traços mais tradicionais da comida nordestina, a casa garante uma autenticidade plástica ao imaginário da gastronomia sertaneja.
Mangai
No Setor de Clubes Esportivos Sul, Trecho 2, Lote 2, conjunto 26, Orla JK. Telefone: (61) 3252-0156. De segunda a sexta, das 12h às 15h e das 18h às 22h. Sábado, das 12h às 22h, e domingo, das 11h às 22h. Ambiente interno e externo. Wi-fi. Estacionamento gratuito. Desde 1999
No Shopping ID, Setor Comercial Norte. Telefone: (61) 3252-0157. De segunda a sexta, das 11h30 às 15h e das 18h às 22h. Sábado, das 11h30 às 22h. Domingo, das 11h30 às 21h. Ambiente interno. Estacionamento pago. Desde 2017