Kawa inaugura com serviço impecável, boas opções e cardápio confuso
O cream cheese foi dar lugar ao foie gras, ao azeite trufado e à flor de sal. Que bom
atualizado
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Qual será a próxima onda de gourmetização dos restaurantes japoneses? Por hora, passou o afã do cream cheese. Ao menos as casas mais especializadas em sushi – capazes de impor um tíquete médio elevado pelo padrão de serviço, ambientação e variedade de produtos – têm usado com mais parcimônia a infame pasta derivada de leite. É como se esse ingrediente agora não combinasse mais com o salão frondoso e, portanto, estivesse relegado ao domínio popular. Pertence aos fast foods de temaki que restam e aos desenxabidos bufês e rodízios do gênero.
O cream cheese foi dar lugar ao foie gras, ao azeite trufado, à flor de sal. Ou seja, ingredientes mais distantes do consumo acessível, no entando que cumprem a mesma função, e ainda mais insolente. Que pena. Esse parece ser o caminho de uma nova cozinha japonesa que se ergue em Brasília neste ano. Depois do Oma, em 2017, duas novas iniciativas chegam com muita ousadia arquitetônica e investimento para atender esta casta de leigos gourmands em busca de algum diferencial.
Um desses restaurantes é o Kawa, na 213 Sul, mote central desta reflexão crítica. O outro seria o Sushi San Experience, na 106 Sul, sobre o qual não me delongarei, tamanha a empáfia e falta de padrão do trabalho do itamae e equipe. Derivada do Sushi San da 211 Sul, a casa chega ao cúmulo de separar uma seção do menu “para paladares exigentes”.
Ora, ao escorrer os olhos pelos itens, deparo-me com isso e aquilo trufado e mais um festival de verbetes do receituário clichê da nova gourmetização. O que seria um paladar exigente? O que forma esse gosto e como se afere o grau de exigência? Certamente a resposta não está no tamanho dos dotes do cliente ou nos carimbos do seu passaporte. Vamos parar de banalizar a tal experiência.
Pois o Kawa segue um caminho um tanto semelhante aos outros dois restaurantes citados. Com um diferencial muito relevante: o novíssimo restaurante da 213 Sul inaugura com um serviço de salão muito bem afinado. Elegante desde a imponente entrada por dentre feixes de madeira e um receptivo atencioso, até a eficiente coreografia por entre as mesas. Sutil e assertiva. No que pensei em chamar o garçom para remediar um molho desatradamente derramado sobre a mesa, surge o atendente com pano na mão para resolver o problema. Algo raro de se ver nos restaurantes da capital.
No entanto, o Kawa não se apresenta com tanta novidade assim. Incorpora à empreitada empresarial o itamae paulista Marcos Akaki, responsável por fundar a cozinha do Oma, e que agora fica à frente do balcão de preparos frios da nova casa. Um chef de boas ideias e muito respeito pelas técnicas clássicas, embora mantenha o ímpeto de propor combinações menos ortodoxas para atender à avidez do mercado local.
Acomodados à mesa, os clientes logo são recebidos por um otoshi (R$ 12, cada). Uma espécie de amouse bouche, para abrir o apetite. Muita atenção aqui, pois este prato costuma ser servido sem prévio aviso, um cuidado que o Kawa precisa ter uma vez que ninguém deve ser obrigado a pagar pelo couvert. Este empratadinho vem de surpresa, pois muda diariamente. Dia desses provei um belo tataki de peixe-serra com pimentões, por exemplo.
As boas novas da entradinha e o atendimento cordial e prestativo não eliminam, contudo, a imensa confusão que é o cardápio da casa. São mais de dez páginas, com nomes enormes quase impronunciáveis, distribuídos por seções sem muito ordenamento, inclusive gráfico. Você pode tentar compensar o entendimento do menu com a boa vontade e a diligência da equipe de atendimento, mas a experiência fica comprometida: boa parte da mesa fica entre dúvidas.
Desta feita, segui com meu método padrão. Se quer testar as habilidades de um itamae, peça um simples niguiri com o melhor peixe do dia. A temperatura mais o equilíbrio de dulçor e acidez do arroz, o corte do peixe servido apenas frio e o wasabi entre as duas camadas podem conceder uma resposta. Pedido entregue: um bolinho de arroz não muito adocicado, como cansamos de encontrar por aí, montado com uma bela fatia de carapau (R$ 11). Mas, para o wasabi vir dento do preparo é preciso pedir. O chef exagerou: acrescentou uma porção sobre o peixe.
Dentre os bons niguiris de enguia e de atum, por exemplo, aparecem coisas de gosto duvidoso, a exemplo de um filezinho de wagyu (longe de ter a qualidade dos melhores exemplares japoneses) à cavalo, com um ovo de codorna por cima (R$ 32) e da chamada sequência kanda (R$ 87). Trata-se de quatro duplas do preparo com vieira, king crab, atum e camarão ornados ora com ovas de massago, ora com azeite de trufa, ora com foie gras e ora com maionese. Não fosse pelo óleo trufado, a vieira estaria estupenda, temperada com as ovas.
Solicitado à parte de qualquer combo, você pode se deliciar com a iguaria ostentatória que é o king crab, numa generosa porção das “patonas do caranguejo” de águas geladas solicitando o toyo crab (R$ 81). Mas o pulo do gato de Akaki foi não se limitar à batida, exaustiva e muitas vezes inócua tarefa de gourmetizar o sushi.
Se você conseguir desbravar o cardápio direitinho, depois dos risotos (sim, risotos…), pode encontrar ótimos empratados, caso da barriga de porco assada em baixa temperatura e servida tenra sobre um molho adocicado que devia mais acidez. Acompanha a receita uma tigelinha com legumes (broto de feijão, fava, cenoura e nabo). Na mesma seção, há uma porção de trouxinhas crocantes recheadas com camarão e legumes (R$ 25) – poderia servir como interessante entrada.
Na enormidade de possibilidades apresentadas pelo Kawa, pelos dois andares e cinco ambientes, vale um passeio pela longa carta de saquês – muitos dos rótulos adornam a estante do segundo andar. No entanto, a bebida japonesa não compõe os drinques da casa, a não ser pela anódina opção de caipisaquê (o correspondente dentre bebidas ao salmão com cream cheese).
Da coquetelaria veio a boa primeira impressão do crossbow (todos na faixa dos R$ 30), uma mistura de gim (há boas variedades na casa) com cointreau e creme de cacau finalizado com uma casca de laranja retorcida. Bem equilibrado, com notas mais adocicadas. Para testar um bom serviço de bar, contudo, nada como recorrer aos clássicos. E eis que releva-se as maiores fraquezas. Há tempos não me era servido um old fashioned tão insosso, aguado e, portanto, sem qualquer personalidade. O dry martini veio com azeitonas roxas, que rouba boa parte da personalidade e da secura da bebida.
Em uma das últimas visitas resolvi desbravar o menu de sobremesas, para uma avaliação mais completa. O que temos aqui – e na verdade na quase totalidade dos restaurantes japoneses brasileiros – é uma completa ignorância da confeitaria oriental. É claro que esse sistema de refeição que desemboca numa sobremesa, culturalmente, não tem nada a ver com a Ásia, senão à cozinha europeia.
O Kawa opta por terceirizar parte da produção de suas sobremesas para a My Cake Factory, que desenvolveu receitas especialmente para o restaurante. Uma delas, a shinsen’na matcha faz uma espécie de releitura do americano red velvet cake, com uma massa à base de matchá, entremeada por frosting de creme de queijo (R$ 29).
Embora encontre um serviço muito qualificado no Kawa, sempre temo por esses santuários do sushi, com oferta interminável de pratos e pouco foco no que se pretende apresentar ao cliente. Os grandes restaurantes internacionais – e mesmo nacionais dedicados a essa cozinha – não miram a expansão muito menos reservam-se a audácia de servir numerosas mesas. Manter o padrão surge aqui como o grande desafio. Dificilmente, com tamanha logística, conseguirá elevar seu jogo a um nível de excelência.
Kawa
213 Sul, bloco B. Tel: (61) 3256-9183. Terça a sábado, das 19h às 23h30. Domingo das 12h às 18h. Wi-fi. Ambinete interno e externo. Desde 2018