Cão Véio tem bons chopes e comida pouco “Masterchef”
Apesar de alguns deslizes, a casa apresenta acertos pontuais em pratos e sanduíches
atualizado
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Está tudo demasiadamente na moda: hamburgueria, gastropub, chope na torneira, Masterchef… Cão Véio, a grife hardcore do chef-celebridade Henrique Fogaça, funciona há quase um ano em Brasília e encontra-se na crista dessa onda gastronômica. A casa reúne tudo quanto é modismo hipster paulistano. Nada mal para uma fecunda cena afoita por novidades como a da capital federal.
Percebo, contudo, que, no meio de tantas propostas reunidas num único lugar, sobra pretensão e entrega-se, por consequência, uma gastronomia que não é muito “Masterchef”. Percebo descuidos elementares, como esquecer de tostar o interior do pão australiano do sanduíche Bulldog Inglês (R$ 41) ou acertar o cozimento interior das batatas rústicas.
Fosse eu Fogaça, a esta altura, viraria para a trupe da cozinha com o famoso gesto do seu personagem de reality show, em que o bad boy passa o dedo ao longo do pescoço como se fosse uma faca amolada a sangrar um porco. Pobre do kobe beef, triturado para tão melancólico fim.
Porém, não sou Fogaça. Cão Véio não justificaria também tal ameaça simbólica. Eis um lugar que chegou com certa empáfia colonizadora de “vamos mostrar como faz”, mas revelou ser apenas mais uma hamburgueria ou mais um gastrobar na selva gourmet de Brasília, com um bom repertório de burgers e bebidas. Na vitrola, rola um som meio Disk MTV da fase Sabrina Parlatore, com hits de Oasis, Soundgarden, Metallica, Nirvana…
Há muita coisa acertada aqui. A bela carta de cervejas especiais, com quase 60 rótulos, e os bons chopes de receita própria (lager, IPA ou APA), produzidos pela Máfia Beer. O APA tem minha predileção (R$ 17, 250ml; ou R$ 22, 570ml). Encorpada, maltada, com o característico amargor das pale ales, apresenta um final mais adocicado do que uma IPA, por exemplo.
O mesmo vigor aparece mais timidamente na carta de drinques. No caminho do garçom em direção à mesa, podia-se notar desequilíbrio no manhattan e no negroni apenas pela coloração das bebidas. Mas, se nos drinques clássicos há essa desproporção, as receitas autorais se apresentam como o grande trunfo da coquetelaria.
O Capa Preta (R$ 34) combina uísque Jameson com bitter de angostura mais jabuticaba, amora, chá de pêssego e redução de mirtilo. Nada muito adocidado em excesso, afinal drinques com bourbon não podem comprometer a personalidade do destilado. Talvez por esse mesmo motivo tenha considerado menos pujante o Maracujack, de Jack Daniels e maracujá com adição de Schweppes Citrus (R$ 29).
No quesito gastronomia, o Cão Véio atua em duas linhas: a mais proeminente de hamburgueria e a de empratados (petiscos ou prato executivo). Afora o deslize do hambúguer Bulldog, a casa vai bem com outras receitas – todas elas batizadas com uma raça canina. Meu favorito é o Mastim, um sanduíche que tem mais aderência com a persona de seu criador: rústico, com sabores fortes e alguma elegância. Trata-se de um pão francês com cupim desfiado na manteiga de garrafa mais vinagrete apimentado e brotos de agrião (R$ 39). Saborosíssimo.
O Shiba Inu (R$ 41), em sua simplicidade, apresenta resultado muito equilibrado, sem excessos. Combina a carne com brie, tomate cereja confitado, cebola-roxa caramelada e minirrúcula. Um bom pão brioche apreende todos os elementos para uma bocada perfeita. O único porém, mais uma vez, é a banalização do uso de cortes de gado wagyu, que pra mim servem apenas para elevar os preços dos produtos. Ora, se a grande vantagem do que se chama genericamente de kobe beef é o marmoreio e a ternura, por que submetê-lo ao moedor?
Cria-se uma expectativa acima da média, claro, quando vamos ao restaurante de um chef-celebridade. Henrique Fogaça não paga de molecular, não me parece fazer o gênero de quem está a serviço das estrelas Michelin, mas, certamente, falamos de alguém com notório reconhecimento — ainda que advenha da indústria de entretenimento.
Gosto de seus pratos, ao menos no Cão Véio (conceitualmente menos sofisticado que o restaurante Sal Gastronomia). Um deles, infelizmente saiu do cardápio. Uma mancada. O proprietário da franquia brasiliense me informa que este prato (bem como o picadinho) estão permanentemente no menu. O problema é que no dia que fui pedi especificamente o os bifes de cupim na manteiga de garrafa (base do sanduíche Mastim citado acima) com arroz, feijão e farofa picante de banana. E me fora dito de que não estava mais no menu. Bem, vale a prova. Estamos diante do simplão muito bem feito, saboroso na medida, sem frufru gourmetzinho. Novo na carta, um bom estrogonofe (R$ 36), com batatinhas rústicas, quebradiças e crocantes pela fritura acertada rende um bom almoço a um preço razoável.
Na estreia dos pratos, lançados nesta semana, também ficou fora a costela suína em molho de cachaça e mel guarnecida de mandioca cozida e farofa de milho com maracujá. A receita ainda pode ser saboreada como petisco no período da noite, por R$ 42, sem acompanhamentos. Considero excessivamente doce, mas admiro o uso da pimenta, uma constante da casa: tanto nos molhinhos que acompanham as batatas (como o de chipotle com maracujá) como nas asinhas ao estilo norte-americano buffalo (R$ 32).
Num cenário onde tudo é levemente apimentado, faltava por aqui gente que assumisse a pimenta como ingrediente e não para “dar um toque” ou “uma temperada”.
Mas o time da franquia de Fogaça precisa dar mais atenção ao serviço. Disfarçado de descolado e informal, o atendimento ainda é muito desatento e confuso. Para um bar, deve ser fundamental acertar os pedidos dos chopes e administrar o tempo dos pratos de forma a chegarem juntos à mesa. No mais, acho que o chef pode subir para o mezanino.
Cão Véio
404 Sul, Bloco C, Loja 35. Telefone: (61) 3257-8455. De terça a domingo, de 12h à 0h. Ambiente interno e externo. Wi-fi. Aberto em 2017