Café da Mata surge repaginado, mas guarda jeito antigo e delicioso
Casa na 104 Sul deu uma modernizada na estrutura e conservou gostosuras como o biscoito de queijo frito
atualizado
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Recordo-me dos tempos áureos da Toca da Mata nos anos 1990. Salgados de roça, coalhada fresca, biscoito de queijo frito, uma religiosa inesquecível. A lanchonete e cafeteria que nutriu algumas boas refeições matinais perdeu-se no tempo.
Permanece a loja da 408 Sul, mas as demais foram assumidas por novos proprietários, que haviam preservado praticamente intactos o receituário e a antiga fachada com letreiro verde em caixa alta e ao fundo de madeira trançada. Uma virou Gosto da Mata, até onde sei já com as atividades encerradas na 106 Sul, e outra Café da Mata, na 104 Sul. Esta última ousou livrar-se do já empobrecido visual e ganha um novo fólego. Repaginado, o estabelecimento assumido pelas irmãs Elizângela e Élia Neves da Costa ainda carrega o jeitão antigo, com produtos de fazenda. Porém, a modernização traz outros problemas.
O primeiro deslize está em um dos elementos centrais: o café. Enquanto as outras lojas limitavam-se ao coadinho, esta aqui atende a uma demanda de mercado notória: espresso e suas variedades (cappuccino, macchiato…). Falta um trabalho mais dedicado no serviço de barista. Não adianta adquirir máquina de espresso e não investir em técnica e grãos de qualidade. Prefiro ainda o coado, embora deva um pó melhorzinho.
De resto, agradou-me muito a visita ao novo lar: mais arejado, amplo, de varanda adornada por plantas… até a logomarca atual dá mais motivação para se tomar um café da manhã ou um lanche ao fim da tarde. Serve-se almoço, mas me dediquei apenas à primeira refeição do dia, pois queria observar as delícias roceiras goianas que saem da cozinha.
A coalhada (R$ 3,32), por exemplo, é indefectível. Saborosa, com ótima acidez e consistência. Não precisa nem de açúcar ou mel, para quem, como eu, valoriza uma boa fermentação. Na seção de bolos, percebe-se, contudo, que não se superou o insistente uso da margarina.
Ora, esse tão desprezível ingrediente tem lugar cativo na nossa história da alimentação. Inclusive integra boa parte das nossas memórias afetivas, das receitas de avó, devido ao alto custo da manteiga e ao sumiço da banha de porco em decorrência a uma das pragas que afetou varas de porcos pelo país. A indústria, capciosa, tomou o espaço. Você pode não se tocar, mas a maioria das casas e lojas tradicionais de biscoitos e doces caseiros de Brasília usam e abusam da margarina nas receitas. Virou tradição.
Pois os bolos caseiros daqui são à base de margarina (R$ 2,50 a fatia). O resultado são bolos fofos, aerados, porém um tanto secos. Da última vez que estive pelo Café da Mata, pude experimentar apenas o bolo comum e um de chocolate. Ambos apresentaram os mesmos problemas de consistência.
Mas, o Café da Mata permanece com aquele vistoso balcão de salgados. Uma seleção quase impecável não fosse pelo surpreendente vacilo de manter na prateleira um pão de queijo ruim, seco, com muito polvilho e pouco queijo. Não entendi e rogo para que mudem a receita (ou o fornecedor). O mesmo não ocorre, contudo, no excelente biscoito de queijo frito (R$ 5) – ah, esse é o gostinho de fazenda!
Aliás, as fituras da casa mantém um rigor absoluto. Sou cri-cri ao ponto de torcer o nariz para o uso do óleo de soja, cujo sabor apega-se demais (diferentemente da canola e do girassol). Mas, por outro lado, é um dos motivos pelos quais o tíquete-médio aqui fica mais em conta. A coxinha tem ótima estrutura (R$ 5), bom tempero no frango, mas há opção apenas com catupiry, outro produto industrializado que veio distorcer nossa tradição. O enrolado de salsicha mantém-se com uma crocância perfeita.
Do rol de salgados assados, lembro-me até hoje do sabor incomparável da religiosa da antiga Toca da Mata. Alguma mexida na receita do Café da Mata me frusta. Continua uma boa massa, porém, o recheio deve mais tempero, um cheirinho verde, uma pimenta, alguma coisa pra levantar a pouca personalidade do frango desfiado.
Com aquele gostinho entre o salgado, o doce e o azedo, as roscas de queijo fritas seguem as campeãs desse receituário misto de goianidade e mineirice. Quão reconfortantes são. Há duas opções: a natural, apenas levemente adoçada, e a com açúcar e canela (R$ 3,50). Ambas vão muito bem com um pingado – só falta mesmo melhorar o pó do café.
Outro traço mantido pelo Café da Mata, coerente à ambição de servir produtos de fazenda, é o pequeno empório dentro da loja. Há coisas boas: brevidades, rosquinhas de queijo com coco, pão húngaro, sequilhos, doces de fornecedores tradicionais… ou seja, a casa renovou-se para a instância do comércio, mas – ainda bem – não se desapegou do jeito antigo de servir no balcão, desde cedo, um pãozinho na chapa, um misto-quente bem feito e, mais uma vez, aquela coalhada com deveras gosto de fazenda.
Café da Mata
Na 104 Sul, bloco B, loja 41. Tel: (61) 3223-8464. De segunda a sábado, das 7h às 19h. Wi-fi. Ambiente interno e externo. Desde 1990.