Um dia de burocracia no consulado brasileiro em Lisboa
“Isto aqui, ô, ô / É um pouquinho de Brasil, iaiá”. Todo brasileiro vivendo em Portugal, em algum momento (ou em vários), precisará utilizar os serviços do consulado. O nosso, e também a nossa embaixada em Lisboa, seguem a lógica de outras representações diplomáticas do Brasil mundo afora. Sempre em pontos nobres das cidades, a exemplo das […]
atualizado
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“Isto aqui, ô, ô / É um pouquinho de Brasil, iaiá”. Todo brasileiro vivendo em Portugal, em algum momento (ou em vários), precisará utilizar os serviços do consulado. O nosso, e também a nossa embaixada em Lisboa, seguem a lógica de outras representações diplomáticas do Brasil mundo afora. Sempre em pontos nobres das cidades, a exemplo das embaixadas na Itália e na Argentina.
Em Portugal, não é diferente. A embaixada é uma construção imponente situada na Quinta de Mil Flores, próximo ao Zoológico de Lisboa. E o consulado fica no bairro do Chiado, o metro quadrado mais caro da cidade, num belo palacete. Há mais dois consulados brasileiros aqui, em Porto e em Faro, e a dica é sempre a mesma: se tiver a possibilidade, pegue o carro e dirija três horas até uma dessas cidades que lá você será atendido melhor e mais rápido.
É “um pouquinho desse Brasil que canta e é feliz”, como diz a letra de Ary Barroso. Chega um sujeito que vai abordando um a um, oferecendo um folheto do mercadinho dele ali perto, onde você encontra pão de queijo, açaí e um café bem gostoso. Outro brasileiro passa oferecendo todo tipo de serviço: de fotos na hora a fotocópias, de assessoria jurídica a remessas de dinheiro. Só faltou mesmo um camelô vendendo chapéus-de-chuva, o nome português do nosso guarda-chuva.
A fila anda, afinal são 9 horas da manhã e é preciso pegar uma senha para o serviço a ser feito no consulado. Um segurança português se incumbe de distribuir as senhas, de acordo com os diferentes atendimentos: procurações, renovação de passaportes, atestado de vida para o INSS brasileiro, título eleitoral, atestado de antecedentes criminais. Ele, que talvez nunca tenha ido ao Brasil, precisa entender os meandros de nossa burocracia. E parece não gostar muito do que faz, haja vista a grosseria com que trata as pessoas que obviamente não vão querer comprar briga com a “autoridade”.
Pego uma pré-senha, que vai me obrigar a voltar às 13h para pegar a senha. Surreal! O leitor perguntará: “Mas por que você, Gui, um sujeito que deve ter um mínimo de noção digital, não agenda os serviços online?”. Bem, convido o leitor a entrar no pré-histórico site do Consulado. Precisa ter paciência para garimpar a informação necessária. E a maioria dos serviços não permite agendamento. “Então, por que não liga? Deve ter um 0800…” Não há um número gratuito, não fornecem informações por telefone, você só deve ligar em caso de “comprovada urgência”.
Volto pacientemente às 13h, pego a senha e… espero mais uma hora e meia para ser atendido. Nesse meio tempo, fico observando o atendimento às pessoas. E percebo que, a exemplo de tantas outras repartições e órgãos públicos brasileiros, não há o meio termo: há aqueles funcionários gentis, que se desdobram para poder ajudar, indo muitas vezes além de suas atribuições, e há aqueles que adoram abusar de sua pseudo-“otoridade” para maltratar e humilhar pessoas que muitas vezes chegam ali desamparadas e desinformadas.
Não é à toa que há, espalhados nos guichês do consulado, avisos de que desacatar a autoridade é crime. Por que será? Se as pessoas perdem a paciência, não deve ser sem motivo.
Saio do Consulado às 15h. Um dia praticamente perdido. Pelo menos, estou no Chiado, então faço uma pausa no tradicional café A Brasileira, mais famoso por ter sido frequentado pelo poeta Fernando Pessoa, homenageado por uma estátua sua, sentado à mesa do local.
Só a poesia (e um bom café) para salvarem o dia.