O dia em que fui Gaspar
Momentos mágicos com os filhos fazem reviver tantas aventuras criadas com os personagens do presépio
atualizado
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Quando criança, sempre gostei de brincar com bonecos pequeninos. Eu tinha um forte apache, naquela época ainda de madeira, que eu adorava. Com os índios e os soldadinhos, eu criava histórias de guerra e paz e passava as tardes sozinho a me entreter com aquelas peças minúsculas. Acho que as novas gerações não fazem ideia do que seja um forte apache, porque não deve existir nenhum game do gênero nem um aplicativo que simule aqueles conflitos ancestrais. Não há problema. No Google, há muitas imagens, e sites de compra e venda comercializam fortes apaches antigos.
Na época do Natal, eu substituía as brincadeiras com o forte apache pelo presépio. Para mim construir histórias com o Menino Jesus era muito mais divertido que montar a árvore de Natal. E as histórias estavam longe de seguir as tradições bíblicas. Em alguma dessas narrativas, podia ser o Menino Jesus raptado por um Rei Mago, que o levava no lombo da vaca do presépio, enquanto eram seguidos os dois pelo pastor ao lado de José. Por vezes algum bonequinho do forte apache viajava mais de mil anos no túnel do tempo, interferia na história e salvava o pequeno Jesus, devolvendo-o à manjedoura.
De tempos em tempos, levava uma bronca de minha mãe, pois mais de uma vez aqueles frágeis personagens de cerâmica do presépio se quebravam, obrigando a uma delicada cirurgia, naquela época em que ainda não havia as colas rápidas.
“Parabéns, o senhor foi sorteado!” “Como assim?” “Foi escolhido para ser o Gaspar no presépio na apresentação de fim de ano na escola!”. (Para quem não sabe ou fugiu da aula de catecismo, Gaspar era um dos três Reis Magos, ao lado de Baltazar e Melchior. Na tradição cristã, eles vieram de muito longe, trazendo como presentes para o recém-nascido ouro, incenso e mirra.)
“Mas…” “Não, o senhor não precisa se preocupar, a escola tem as roupas para emprestar na apresentação”.
Meus filhos estudam em uma escola gigante em Portugal. Escola católica, bem tradicional, que nunca foi nem teria sido a minha escolha original para eles. Pois parece que ter sido eleito para participar do presépio foi uma forma de me levar a acreditar nos preceitos da escola. Testar a minha fé e as minhas crenças. Não sei. Só sei que sexta-feira passada estava lá eu nos bastidores do imenso e lotado ginásio onde se daria a apresentação, me paramentando como Gaspar, com uma longa túnica azul, uma capa dourada e uma coroa de brinquedo que eu mal equilibrava na cabeça.
Era um longo espetáculo em que cada uma das 16 turmas do primeiro ao quarto ano faria uma apresentação musical sobre o tema do Mágico de Oz (aqui chamado o Feiticeiro de Oz), culminando na formação da famosa cena do presépio. Eu e meus colegas portugueses Baltazar e Melchior ficamos sentados ao fundo da plateia, já vestidos. As crianças e pais que passavam por nós sorriam. Alguns queriam inclusive tirar uma selfie conosco.
Baltazar, bem-humorado, comentou: “estou me sentindo mais famoso que Pai Natal de shopping!” (traduzindo Pai Natal = Papai Noel). Um miúdo me perguntou qual era o presente que eu levava na caixinha. Não faria sentido dizer que era ouro, incenso ou mirra, até porque a Bíblia também não esclarece qual presente coube a qual Rei Mago. Eu respondi ao curioso menino que era um brinquedo para o Menino Jesus. Ele insistia em saber o que era. Não tive dúvida: “São bonequinhos para ele brincar!” Ele sorriu e pareceu contente com a resposta.
Enfim, no auge da apresentação, a Dorothy, do Mágico de Oz, monta a árvore de Natal e os personagens do presépio começam a se formar no palco. José, Maria com o Menino Jesus (um bebê de verdade), camponeses e camponesas (inclusive a minha esposa, também escolhida). E lá no fundo da plateia uma luz se acendeu e uma menina fantasiada de estrelinha, veio à frente, conduzindo até o palco os três Reis Magos. Depositamos os presentes ao pé do Menino Jesus e nos posicionamos ao fundo, completando a famosa cena do presépio. Todas as crianças então subiram ao palco e entoaram uma canção de Natal. Na plateia, os pais emocionados, de pé, aplaudiam o espetáculo.
Sem nenhum trocadilho com o Mágico de Oz ou com os Reis Magos, foi um momento mágico. Ao final a professora de um de meus filhos, a mesma que me comunicou a minha escolha como Gaspar, agradeceu a minha participação e disse que eu guardasse aquela imagem pois era uma honra para um pai poder estar junto com seus filhos em tão importante celebração. É verdade. Mas também acredito que tenha sido um prêmio pelas tantas aventuras que eu criei desde pequeno com os personagens do presépio de minha casa.
Feliz Natal a todos os meus leitores! Que esse espírito puro, mágico e infantil dessa época esteja com vocês!