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Expatriados: um boteco, amigos e a felicidade brasileira mundo afora

No momento em que superamos a inevitável fase de comparar a vida aqui e aí, é como se fôssemos teletransportados para um botequim no Brasil

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Group of happy friends drinking and toasting beer at brewery bar restaurant – Friendship concept with young people having fun together at cool vintage pub – Focus on middle pint glass – High iso image
1 de 1 Group of happy friends drinking and toasting beer at brewery bar restaurant – Friendship concept with young people having fun together at cool vintage pub – Focus on middle pint glass – High iso image - Foto: ViewApart/IStock

Isto aqui, ô ô
É um pouquinho de Brasil iá iá
(Ary Barroso – Isto aqui, o que é?)

 

Não sou daqueles brasileiros que querem reproduzir no exterior a vida e os costumes que tinham no Brasil. Sempre quis me inserir na cultura local, mesmo sabendo que nunca serei um nativo. Os portugueses usam um termo para designar os estrangeiros que cá vivem: expatriados. A palavra possui uma carga forte, lembra exílio forçado, expulsão do país de origem. Não há aqui essa conotação negativa. Sou um expatriado e não tenho do que me queixar dessa condição.

Meu maior vício brasileiro é continuar acompanhando as notícias de Brasília e do Brasil, mais do que as notícias de Portugal. Já não acompanho os jogos de futebol dos times brasileiros, não faço o tempo todo a conversão de euros para reais, os dias frios não me incomodam mais. Não vou sentir falta do Carnaval e certamente não ficarei à caça de algum lugar em Lisboa onde haja um sambinha e meia dúzia de foliões.

Muitas palavras e expressões portuguesas já incorporo ao meu vocabulário e me vejo muitas vezes pronunciando frases com um sotaque que, eu julgo, seja português. Minha esposa acha meio ridículo, mas gosto de dizer “Bom dia!” com o som do “d” bem pronunciado, em vez da pronúncia brasileira, que é quase um “boum djia”.

Que me desculpem os estudiosos da fonética e da fonologia, mas é difícil explicar em texto para o leigo essas diferenças tão grandes entre o português brasileiro e o português europeu. O “pois” português, que é quase como o nosso “é”, dito quando concordamos com o nosso interlocutor. O “tô” ao atender ao telefone em vez do “alô”…

Mas quando encontramos os brasileiros amigos é sempre uma festa. Não tem jeito: nos reconhecemos no olhar, nos gestos, na gargalhada alta, na piada sacana, na nossa infinita capacidade criativa de fazer humor sobre tudo, absolutamente tudo, sem a menor preocupação em sermos politicamente corretos ou não.

Ontem fui a um jantar com sete convivas. Minha esposa e eu, um casal de amigos nossos de Brasília que vieram nos visitar, um outro casal de brasileiros radicado aqui – ele, jogador de futebol em um grande time português. E para completar, uma portuguesa, em esmagadora minoria. Restaurante bacanudo. Histórias de vida diferentes, relações diferentes com Portugal. O melhor dessas conversas é o momento em que se supera a inevitável fase de comparar a vida aqui e aí. Nesse instante é como se fôssemos teletransportados para uma mesa de restaurante ou botequim do Brasil e conversássemos sobre assuntos absolutamente banais.

Aqueles papos em que se fala muita m… e todos os problemas do Brasil são resolvidos como se estivéssemos em uma importante reunião ministerial. A portuguesa, atônita, nem ousava dar algum palpite, pois os temas e expressões pareciam indecifráveis, recheados de palavrões e gargalhadas. Sentia-me no Amigão, no Faisão Dourado ou no Marambaia, e quem é de Brasília vai entender bem. As mesas e cadeiras de plástico, a cerveja em garrafa servida no copo americano, os petiscos e iguarias deliciosamente pouco saudáveis. Pé na jaca.

O meu amigo de Brasília resolve então pedir uma caipirosca, que o barman custa a entender o que é. E prepara um drink cheio de enfeites, com aquele guarda-chuvinha de papel. Seria melhor ter pedido um gim-tônica, que eles preparam à perfeição. E, aos poucos, vamos caindo na real e percebemos que aquela mesa de brasileiros estava destoando do clima tranquilo e sofisticado do restaurante.

De certa forma, riam. Não de nós, mas para nós. Não o riso do deboche ou da superioridade. Mas certamente um sorriso de bom humor, de inveja boa dessa gente tão feliz, corroborando os versos da música do Ary Barroso que estão na epígrafe da coluna, “… desse Brasil que canta e é feliz, feliz, feliz…”.

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