Envelhecer em Portugal é um privilégio
Quase todos os dias, ao levar as crianças à escola de manhã cedo, cruzo de carro com uma velhinha caminhando pela estreita calçada à margem da estrada. Lá vai ela, lenço colorido à cabeça, totalmente corcunda, com uma sacola em um braço e o guarda-chuva na outra mão. Frio ou calor, segue ela no seu […]
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Quase todos os dias, ao levar as crianças à escola de manhã cedo, cruzo de carro com uma velhinha caminhando pela estreita calçada à margem da estrada. Lá vai ela, lenço colorido à cabeça, totalmente corcunda, com uma sacola em um braço e o guarda-chuva na outra mão. Frio ou calor, segue ela no seu passinho curto e rápido. Sozinha. No fim da tarde, ao buscá-los, lá vem a senhora no seu mesmo passinho, com os carros passando rente a ela.
Portugal surpreende a nós, brasileiros, pela quantidade de idosos. Nas ruas, nos supermercados, nos cafés, nas pracinhas. É um país envelhecido, o quarto em percentual de idosos na Europa. Para quem gosta de números, as pessoas com mais de 65 anos representam 21,2% da população da nação, um contingente maior que o de crianças e jovens até 19 anos. Em comparação com o Brasil, temos apenas 8,1% da população com mais de 65 anos. Até aí são estatísticas, previsíveis. Mais interessante é perceber o dia a dia dos idosos em Portugal.
Curiosamente, não se observa acesso preferencial aos idosos em muitos lugares de Portugal. Há para gestantes, mulheres com crianças de colo e pessoas com deficiência. Mas não para idosos. Talvez por serem muitos, ou talvez por serem muito ativos mesmo. Uma forma diferente de respeito. Tratá-los como iguais.
No supermercado, onde a gôndola das fraldas geriátricas é o dobro da gôndola de fraldas para bebês, eu ficava constrangido em ver aquelas senhoras de cabelos branquinhos e bem-arrumados na fila atrás de mim. Por vezes, tentei ceder o meu lugar, mas elas se recusaram a aceitar, como se eu as estivesse ofendendo.
Outro aspecto importante é o idoso assumir o seu papel e o orgulho de pertencer à terceira idade. No Brasil, país do culto ao corpo e onde a mídia diariamente reforça os ideais de juventude, é obrigação rejuvenescer. Então nos plastificamos, nos siliconamos, pintamos os cabelos ou os implantamos se faltam, gastamos para “disfarçar” a idade. E nos tornamos algo que não somos, caricaturas ambulantes. Em Portugal, as senhoras e os senhores assumem seus cabelos brancos, suas rugas. E não têm vergonha de expor seus corpos imperfeitos no verão, em qualquer cantinho onde haja areia e sol.
O número de idosos em Portugal só tende a aumentar. Além do envelhecimento natural que ocorre em todo o planeta, com o aumento da expectativa de vida, a política de incentivo à imigração de aposentados de outros países, com isenção de impostos sobre os proventos, tem atraído franceses, ingleses e outros cidadãos europeus. E, cá para nós, um país com 300 dias de sol por ano, mesmo no inverno, é um “paraíso tropical” para escandinavos e outros moradores de nações mais ao norte.
Espero um dia alcançar a velhinha caminhante. Metaforicamente, é claro. Na vitalidade, na persistência, na independência. E, bem possivelmente, na sabedoria.