É urgente ir devagar, abrandar e ser mais feliz
Em Portugal, a vida tem outro ritmo. Mais lento, menos tenso. Nada do “é pra ontem” e do “ganhar e crescer a qualquer custo”
atualizado
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“Os artistas são as antenas da raça”. Essa é uma das frases mais célebres do grande poeta norte-americano Ezra Pound (1885-1972). Se pensarmos em Portugal, Luís de Camões, mais do que ninguém, expressou o espírito desbravador do português do século XVI. Assim como Fernando Pessoa, em seus diferentes heterônimos, encarnou os diferentes Portugais do início do século XX.
Se os poetas têm esse dom, existe uma outra categoria – e sei que muitos vão me bater por causa disso – que também sabe captar esse espírito reinante e transformá-lo em… negócios: os publicitários!
Uma grande parte de minha vida, dentro de agências de publicidade, mergulhei em pesquisas de comportamento, tendências e análises sobre o consumidor, para entender a cabeça das pessoas e desenvolver campanhas criativas, eficazes e memoráveis. Goste-se ou não, qualquer um é capaz de reconhecer o poder da propaganda para alavancar marcas. E também para eleger (ou destruir) presidentes, governadores, prefeitos…
Mas, voltando a Portugal, desde que me mudei para cá, senti que a vida tinha outro ritmo. Mais lento, menos tenso. Nada do “é pra ontem” e do “ganhar e crescer a qualquer custo”.
Supermercados abrem tarde e fecham cedo. Restaurantes fecham um dia durante a semana e não ficam abertos 24 horas. Tirando as áreas centrais de Lisboa e Porto, Portugal é uma grande pequena cidade do interior.
Clichê publicitário
Pois, nesses dias, deparei com uma campanha publicitária portuguesa que 99% dos gerentes e diretores de marketing no Brasil não teriam a coragem de aprovar. Nada de velocidade, agilidade, alta tecnologia. Sem os lugares comuns digitais, de futuro, associados à óbvia associação de que tudo é feito para você. Pronto. Está feito o clichê publicitário, que faz todas as campanhas muito parecidas, sem sair da zona de de conforto, sem arriscar.
Quem em sã consciência aprovaria uma campanha de produto que faz o elogio ao devagar, sem pressa? Um dos maiores produtores e exportadores de vinho e azeite em Portugal, o Esporão, teve essa ousadia. E, como redator publicitário que sempre fui, prefiro reproduzir o texto-manifesto da campanha que me encantou, para você tirar suas próprias conclusões:
“Vivemos no tempo da pressa. Crescemos depressa. Trabalhamos depressa.
Comemos, bebemos, dormimos depressa.
Esquecemos depressa o que vemos depressa. E quando lemos, lemos depressa.
Amamos depressa. Fartamos depressa. E quando não enviamos emojis, escrevemos dprs.
Depressa não é para a frente. É só… urgente.
Depressa é à pressa.
Nós somos da terra do devagar.
Devagar tem outro sabor. Devagar é melhor.
Devagar é um talento, e vai longe.
Devagar tem respeito.
Sim, vivemos no tempo da pressa…
Mas se tudo o que fizermos for para ontem, o que acontece a hoje e ao amanhã?
Há várias maneiras de andar para a frente. Esta é a nossa.
Esporão. Mais. Devagar”.
Ode à tranquilidade
Mais do que uma campanha publicitária, é uma ode a uma vida mais tranquila, uma reflexão sobre a forma como temos construído o nosso cotidiano. É também o reflexo de um modo de vida português ou, de forma mais ampla, europeu.
Como disse, a publicidade tem o talento de, como uma antena, captar tendências de comportamento. Transformar insumos e insights em conceitos. Nesse caso específico, insumos trazidos por um estudo realizado pela Universidade Católica Portuguesa, com a participação de cerca de mil adultos entre os 18 e os 76 anos, dos vários distritos de Portugal.
O estudo revelou que quem abranda tende a ser mais feliz e que metade da população gostaria de reduzir a velocidade do seu estilo de vida. O estudo indica ainda que 40,8% dos entrevistados já implementa o conceito “slow” frequentemente no seu dia-a-dia. No mesmo sentido, a maioria dos que raramente ou nunca abranda deseja ter um estilo de vida slow.
Para quem vive no Brasil, acho que é uma reflexão mais do que válida. Pense no que fazemos com as nossas preciosas 24 horas do dia. Se estiver difícil compreender, abra uma garrafa de vinho português, coloque um pouco de azeite em um pratinho e molhe um pedaço de pão alentejano (semelhante ao que chamamos de pão italiano). O pão e o vinho há milênios possuem dons mágicos.