E descobri num bar em Portugal o quanto a nossa língua é doce
Para quem vive mundo afora, é essencial estabelecer referências, incluindo o restaurante e o bar onde se sente em casa. Demorou, mas achamos
atualizado
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Existem elos importantes que nos ligam aos lugares onde vivemos. Especialmente para quem é nômade, é fundamental estabelecer referências, minimamente fincar raízes, ainda que não sejam profundas. A nossa casa, o nosso trabalho, o comércio próximo, os vizinhos. Mas tão importante quanto todas essas referências, é encontrar um bar ou restaurante para chamar de seu.
Aquele lugar que se torna extensão da sua sala. A comida não precisa ser genial, a decoração não precisa ser estonteante e não tem que ser ao lado da sua casa. Inexplicavelmente é aquele boteco onde você se sente à vontade; o restaurante que dá um jeitinho, troca os ingredientes e prepara aquele prato especial só para você, e que conforta o seu estômago. Porém, o segredo que torna esses lugares tão únicos são as pessoas que o atendem, seja o dono ou aquele garçom que está há anos trabalhando ali e o recebe com calor e generosidade.
No Rio de Janeiro, tinha o Duo Restaurante e o restaurante do Marina Clube para a feijoada dos sábados. Dos tempos em que vivi em Brasília, eu tinha duas casas: o Grand Cru do Lago Sul, durante a semana, e o El Negro da Asa Norte, aos sábados e domingos. Quando saí da cidade e retornei um ano depois, obviamente voltei a esses lugares preferidos. E fui recebido – para usar um clichê – como o bom filho que à casa torna. O carinho dos chefs do Grand Cru Alexandre Aroucha e Leônidas Neto, preparando para minha esposa uma sobremesa que nem existia mais no cardápio não tem preço, para usar outro clichê de campanha publicitária.
Em Portugal, demorou. Mas encontramos o nosso cantinho. Um pequeno restaurante com meia dúzia de mesas, de nome mais que singelo: Alegria Vadia. Conduzido pelo Paulo, ex-publicitário, e sua querida esposa, Isabel. Um cardápio pequeno e acolhedor, com comidinhas criativas e, é claro, bons vinhos. E, como o próprio nome do restaurante sugere, somos sempre recebidos com alegria e nos divertimos com histórias de Portugal e do Brasil. Ao fim da noite, os clientes (que, mais do que clientes, acabam se tornando convidados de uma celebração) juntam as mesas e tomamos mais umas taças de vinho.
Na noite passada, conhecemos, no Alegria Vadia, o Victor Pinto de Sousa, um senhor dos seus 83 anos, renomado arquiteto português, de imensos laços com o Brasil. Conviveu com dois ícones da nossa cultura, Vinícius de Moraes e Oscar Niemeyer. Uma conversa que valeu mais do que qualquer curso sobre cultura ou autoconhecimento. E uma de suas frases soou como um reforço para nossa autoestima, tão debilitada nos últimos tempos:
Os brasileiros adocicaram a língua portuguesa. O português de Portugal é uma língua dura e o português brasileiro trouxe melodia e docilidade
E começou a citar dezenas de escritores brasileiros de grande valor e que contribuíram para elevar o patamar de nossa língua. De José de Alencar a Carlos Drummond de Andrade, sem deixar de falar do amigo Vinícius de Moraes. Poesia e música juntas.
Não à toa que vejo anunciados nos mobiliários urbanos de Lisboa, ao mesmo tempo, shows das meninas Anavitória, de Roberto Carlos e de Ivan Lins & Simone. Como se Portugal fosse o 27º estado brasileiro a receber a turnê de artistas nacionais. Na plateia, muitos brasileiros expatriados, mas a grande maioria é sempre de portugueses admiradores de nossa cultura.
Hora de ir embora e encarar a fria e úmida madrugada da cidade. Nossos novos amigos preocupados com o momento político do Brasil, as opiniões divergem. Mas de tudo fica a certeza: a riqueza da cultura brasileira sempre nos colocará numa posição de destaque e de admiração.
Despedimo-nos e o Victor usa uma expressão de Vinícius que eu não ouvia há tanto tempo: “Saravá, meu irmão!” Em Portugal, também estou em casa.