Carnaval em Portugal: vida normal
Só nós brasileiros parecemos ligados na maior festa pagã do universo
atualizado
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Quase tudo funciona normalmente no Carnaval em Portugal. Tirando o ponto facultativo do funcionalismo público na terça-feira e a semana de férias na escola das crianças, só nós brasileiros parecemos ligados na maior festa pagã do universo.
Pois então o que fazer com dois miúdos em casa e um casal de amigos de Brasilia que veio nos visitar? Bora viajar, bora pro Algarve! Já falei em outra coluna sobre o Algarve. Aquela região de praias incríveis ao sul de Portugal, repleta de ingleses e outros povos do Norte nas férias de verão.
A diferença é que, no inverno – não importa se é Carnaval – o Algarve fica vazio, vazio, e você até conseguiria curtir as praias sem se acotovelar com os milhares de turistas. Digo “conseguiria”, pois com a chuva e o frio desses dias, é preciso ser criativo para inventar programas diferentes. Praia só para tirar fotos do alto das falésias e bem rápido, para não congelar.
Num desses dias resolvemos esticar até as praias mais ao leste, quase na fronteira com a Espanha. Uma cidadezinha chamada Tavira, repleta de influências árabes, assim como todo o Algarve e o sul da Espanha, invadidos pelos mouros na Idade Média.
Hora do almoço pinta aquela sugestão, quase em tom de brincadeira: vamos almoçar na Espanha? A fronteira está logo ali, a 30 quilômetros, comemos uma paella, abastecemos o carro (combustíveis são mais baratos na Espanha) e voltamos… Essa é uma das coisas mais incríveis de viver na Europa. A possibilidade de atravessar fronteiras e imergir em novas culturas em viagens curtíssimas, sem planejamento. E toca a procurar no mestre Google e nos Trip Advisors da vida sugestões de bons restaurantes espanhóis…
“Hummm tem ótimos restaurantes em Sevilha…” “Sevilha??? Mas é longe…” “Ah, são ‘só’ mais 170 quilômetros, menos de duas horas de viagem.
Algumas decisões na vida, se paramos para pensar, não tomamos. É igual àquele ditado português que diz que cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Deve ser por isso que nunca gostei de caldo de galinha.
E metemos o pé na estrada. Todos literalmente sem lenço nem documento. Só a minha carteira de motorista portuguesa. Cruzar de carro a fronteira nos países da União Europeia é curioso. Por um lado, não há barreiras, policiais, alfândega, nada. Simplesmente cruzamos uma ponte e teoricamente é como se estivéssemos no mesmo país.
Na prática, as diferenças são enormes e notam-se tão logo estamos em solo espanhol. E não estou falando apenas das diferenças de língua. Engana-se quem acha que o espanhol é quase igual ao português. Pode ser parecido nos livros e nas músicas da Shakira. Mas conversar com um espanhol pode ser tão ou mais difícil que conversar com um norueguês na sua língua nativa.
Há que reconhecer. A Espanha é um país mais pujante. Ao longo da estrada, extensas áreas cultivadas e inúmeras indústrias, diferente de um Portugal menos desenvolvido.
E chegamos a Sevilha. Gosto de pesquisar antes sobre os lugares que visito. Dessa vez não deu tempo, então cada esquina, cada “plaza”, cada monumento eram mais surpreendentes ainda. Pode ser programa de turista, mas a Plaza de España é espetacular, ainda mais com os shows de rua de dança flamenca. A Catedral, as pequenas ruas do centro, tudo isso em um passeio de poucas horas. Um bom jantar, que compensou a falta do almoço, e pé na estrada de novo.
Quase meia-noite já estávamos de volta a Portugal. Em comum com a Espanha, quase nada de Carnaval. Ligo a TV e vejo a cobertura do Carnaval português. Alguns pequenos desfiles nas ruas das pequenas cidades do país, com as pessoas mascaradas. Uma festa quase ingênua, que está mais para os bailes infantis de clubes de cidade do interior do Brasil do que para a folia dos grandes eventos de Salvador, Recife ou Rio de Janeiro.
No dia seguinte, o sol finalmente deu as caras no Algarve. Teria sido a viagem para Sevilha um sonho de Carnaval ou algo para ficar nas nossas memórias?