Blitz, documentos! As abordagens policiais no Brasil e em Portugal
São pequenas situações que constroem a imagem de um país, para o bem ou para o mal
atualizado
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Não conheço ninguém que, parado em uma blitz, não sinta um mínimo de tensão, por mais que saiba que está tudo ok com o veículo, com o condutor e com o seu grau etílico. Já tive mais de uma experiência ruim no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, em que fui achacado por um policial militar, fuzil na mão, só para intimidar.
Três da tarde, em plena zona sul, em frente a um supermercado. Já estava quase de mudança para Portugal, tinha vendido o carro e usava um veículo emprestado de um amigo. “Pois é, doutor, a gente vai ter que verificar se a documentação está ok, se o IPVA está pago e vai levar um tempo, já vi que o doutor é gente boa, tranquilo…”
Parece que aquele bandido por trás da farda tinha bola de cristal e sabia que eu estava com pressa, com gente em casa para uma festa de despedida. De fato, se esse policial teve um mérito, foi o de me empurrar definitivamente para fora do Brasil.
Mas, voltando a Portugal, senti esse mesmo misto de tensão e medo ao ser parado em uma blitz de dois policiais, por coincidência no meio da tarde e, aproximadamente, um ano depois do fatídico episódio no Rio de Janeiro.
Automaticamente, você já pega o documento do veículo, o título de residência e a carta de condução portuguesa (sim! minha CNH foi trocada por uma legítima carteira de motorista lusa). Tudo certo com os documentos, exceto com a vinheta do seguro obrigatório que estava vencida e precisa estar aplicada no vidro do carro.
Explico: em Portugal, o seguro mínimo que deve ser feito é o Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil, que cobre danos materiais e físicos a terceiros e aos ocupantes do próprio veículo, exceto o motorista. Diferente do DPVAT brasileiro que cobre só os danos físicos, com uma indenização irrisória. O Seguro vale em praticamente toda a Europa. Portanto você pode viajar sem problemas pois estará sempre coberto.
A zebra é que a vinheta do seguro, além do resumo da apólice, devem estar sempre no veículo. Ao me explicar detalhadamente todos os motivos da infração, imaginei: será que vai vir aquele pedido de ajuda para o leitinho das crianças? Não há hipótese, nem eu jamais sugeriria.
Lavrou a multa (ou “coima”, como se diz em português local), que é possível pagar na hora por cartão de débito.
Mais um detalhe que eu não contei: o policial percebeu que eu falava ao celular no momento da abordagem. Mea culpa total. Ele me explicou que é proibido, são X pontos na carteira e que há a opção de utilizar o fone de ouvido em uma orelha apenas ou sincronizar com o bluetooth do veículo. Imaginei: está aí mais uma oportunidade de “pedir um cafezinho”.
Não. Ele estava ali simplesmente cumprindo o seu dever de coibir as infrações e orientar os motoristas. Com total educação, tranquilidade, sem se arvorar com o sentido de “ôtoridade”.
São pequenas situações como essas que constroem a imagem de um país, para o bem ou para o mal. Não são os índices de redução ou aumento de mortalidade, o crescimento ou a diminuição dos casos de corrupção em todos os níveis, propalados na mídia e que agora serão o assunto da vez das campanhas eleitorais.
O que fica é o boca a boca, são as pequenas histórias que vivenciamos e que contamos aos outros. Que pode ser a história da bala perdida no berço do bebê, do mau policial que acaba por manchar a imagem de toda a corporação ou dos bons exemplos de civilidade. Que na verdade não tinham que causar surpresa, pois é assim que o mundo deveria ser.