As sensações de retornar ao Brasil
Depois de quase um ano em Portugal, faço um périplo: São Paulo, Rio e, agora, Brasília, todas cidades onde morei
atualizado
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Escrevo a coluna de hoje diretamente do Brasil. Depois de quase um ano fora, voltei para resolver questões e rever amigos e família. Se até agora escrevi sobre Portugal, sob o ponto de vista de um brasileiro exilado, hoje inverto o jogo e falo sobre o Brasil, do ponto de vista de quem ficou longe um tempo. Estou fazendo um périplo: São Paulo, Rio e, agora, Brasília. Cidades onde morei e que têm, cada uma, um lugar especial reservado em meu coração. Como sempre, ficam as boas e as más impressões e constatações.
Chegando a São Paulo, um choque de realidade. Duas horas do aeroporto à casa de minha mãe, que fica a apenas 25 quilômetros. Consegui esgotar os assuntos com o motorista do Uber. A prisão do Lula, o Corinthians, a crise. Quando falei que estava morando em Portugal, a conversa mudou de rumo e começou um questionário dele sobre como é a vida na terrinha, as oportunidades e, sim, “também tenho um amigo, ou tio, que foi ou está pensando em ir para lá.”
A Praça da Sé, outrora palco de grandes momentos da História do Brasil recente, virou um refúgio para eles, um verdadeiro cenário daqueles filmes apocalípticos de terceira categoria onde vagam, como zumbis, essas pessoas esquecidas pelo poder público e pela sociedade civil.
Próxima parada: Rio de Janeiro. Desembarcar no Rio é sempre um choque de beleza. E seguir pelo Aterro do Flamengo é acompanhar um desfile de obras da natureza ao lado de tantas outras que o homem construiu. “O Rio de Janeiro continua lindo”, Gilberto Gil estava certo. O úmido calor carioca, o cheiro de maresia, quanta saudade.
Ou seja, a realidade cumpria as minhas expectativas. Até cruzar com uma perseguição policial em frente a um shopping de elite em São Conrado. Aquelas histórias que meus amigos cariocas sempre me relatavam pela primeira vez aconteciam ali bem diante de mim. Com direito a perseguição de moto dentro do shopping, coisa de cinema. O último templo de segurança caindo por terra.
Próxima parada: Brasília. Nunca tinha estado tanto tempo longe daqui desde a primeira vez em que pus os pés na cidade. Uma sensação de dejà vu. A luminosidade excessiva, o cheiro de mato e os espaços amplos me desafiaram como há mais de 20 anos.
Percebi a cidade pela primeira vez como o estrangeiro a percebe, na originalidade dos seus traços e curvas simples. Tão diferente de Portugal e sua tradição barroca. E me pus a imaginar se todos os painéis de azulejos portugueses tivessem a arte dos desenhos de Athos Bulcão. Ou se os painéis de Athos tivessem os traços portugueses. Pura viagem.
Todas essas reflexões me lembraram um pequeno texto do poeta Carlos Drummond de Andrade, chamado “Mudança”, no qual o narrador volta à terra natal e percebe tudo mudado. Mas o encontro com um cachorro que ele abandonara quando deixou a cidade o faz reconhecer “que ele próprio tinha mudado, ou que talvez só ele mudara, e a cidade era a mesma, vista por olhos que tinham esquecido a arte de ver.”
Mudei eu ou mudaram os lugares?