As notícias que me chegam de além-mar são um soco no estômago
Casos como do cão morto a pauladas em um hipermercado, do médium acusado de abusos sexuais e do ataque a tiros em igreja entristecem a nação
atualizado
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O lutador está ali, acuado no córner do ringue. Ensanguentado, o rosto inchado, ele resiste aos golpes. Cai e se levanta. O juiz, que poderia interromper a luta, deixa a carnificina continuar e o lutador cai mais uma vez e se levanta, abraça o adversário, cambaleia, mas resiste. A dor é tão intensa, que ele já nem sente mais, anestesiado que está.
Este é o Brasil das últimas semanas, que acompanho de longe, estarrecido. E não estou aqui falando de política, da era Bolsonaro, que nem assumiu mas já tem transformado esta talvez na transição mais complicada de nossa História. Refiro-me a alguns fatos que não têm qualquer conexão direta uns com os outros, mas formam um soco no estômago de um país.
Semana passada, o abominável sacrifício do cãozinho no Carrefour e as trapalhadas da rede de hipermercados em sua comunicação, dignas de um seriado que povoou a minha infância, os Três Patetas. Na sequência, os escabrosos casos de violência sexual de que é acusado o médium João de Deus. As histórias até agora narradas mostram o nível de aberração a que pode chegar um ser humano poderoso.
Na terça-feira (11/12), os assassinatos inexplicáveis cometidos por um sujeito pacato contra pessoas pacatas, numa igreja pacata de uma cidade pacata como Campinas. Para fechar o dia nocauteando este pobre país, o cerco de bandidos em três carros a um outro carro que conseguiu escapar milagrosamente ao ataque a tiros de fuzis. Tudo cinematograficamente documentado por câmeras de vigilância. Os americanos, mestres em filmes de violência, não fariam melhor.
Quatro golpes, cada um vindo de uma cidade do país, no baço, no queixo, no supercílio, no nariz.
Pano rápido.
Então eu acesso os sites de notícias em Portugal, à procura de manchetes pesadas. A primeira-ministra Theresa May não se recandidata em 2022. Cigarros eletrónicos: porque estão os jovens a aderir a um vício perigoso. Investigação sobre corrupção na Cruz Vermelha. E – pérola das pérolas – “o que aconteceu no dia em que Marcelo nasceu”, sobre o aniversário do querido presidente da República português, que está completando 70 anos.
E não estou falando de portais de amenidades. São as manchetes dos maiores portais de notícias de Portugal. É claro que estão lá o caso João de Deus e algumas declarações da nova ministra brasileira dos Direitos Humanos. Mas sem nenhum destaque especial.
A conclusão, caro leitor, é essa mesma a que você chegou: literalmente aqui não acontece nada, nada, mesmo que mereça grande destaque. Quando acontece alguma catástrofe natural, acidente ou perturbação da ordem, tais fatos merecem destaque de horas no noticiário televisivo de Portugal.
Hoje eu entendo por que os programas esportivos têm tanto destaque, ainda que a qualidade do futebol aqui seja bem inferior a de outros países europeus. As tais mesas redondas, que no Brasil têm seus horários específicos, em Portugal tomam horas e horas da faixa nobre.
Relatei aqui há algumas semanas a ampla cobertura dada às apurações das eleições no Brasil, com longas transmissões ao vivo. Além da importância estratégica e afetiva que o Brasil tem para os portugueses, desconfio que um dos motivos devia ser mesmo a carência de uma pauta local relevante para preencher a programação jornalística daquele domingão
Tento estar atento e ligado às notícias da terrinha, mas o Brasil, como ímã, me atrai novamente. Brasileiros que estão em Portugal há mais tempo dizem para eu me desligar, que eles perderam todo o contato com o nosso país. Não consigo e não sei se conseguirei um dia. Talvez seja uma tendência masoquista mesmo. Enrijeço o abdômen, protejo o rosto com as luvas de boxe e me preparo para receber mais algumas porradas.