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Afinal, a piada é de brasileiro ou de português?

Não é fácil acompanhar a história recente do Brasil, e talvez nos tenhamos transformado em uma piada de mau gosto

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Flags Brazil, Portugal countries, partnership friendship handshake concept.
1 de 1 Flags Brazil, Portugal countries, partnership friendship handshake concept. - Foto: BravissimoS/IStock

Portugal só há muito pouco tempo foi descoberto pelos brasileiros. Desde o século passado, o português sempre foi visto por nós como o “portuga” da padaria, do açougue, da quitanda. Que atire a primeira pedra quem nunca contou uma piada de português, personagem invariavelmente pouco inteligente nessas anedotas. Isso somado à nossa subserviente admiração pela cultura norte-americana sempre gerou pérolas do tipo: “se tivéssemos sido colonizados pelos ingleses, seríamos uma nação tão poderosa como os Estados Unidos, mas foram os portugueses…”. Como sempre, uma desculpa na ponta da língua para justificar a nossa incapacidade de construir uma nação justa e rica. Afinal tudo é culpa dos portugueses

Portugal nunca foi a opção número 1 de quem vinha turistar pela Europa. França, Itália, Inglaterra e até Espanha exerciam um fascínio maior sobre os brasileiros. Só quem tinha dificuldade mesmo com um idioma estrangeiro ou quem mantinha laços profundos com seus ancestrais lusos colocava Portugal como opção primeira. Outra piada muito sem graça que se ouve até hoje de quem desconhece essa pequena grande nação: “Portugal é ótimo, pois fica do lado da Europa!…”

Detalhe curioso é que os brasileiros que aqui chegam a turismo ou para morar esperam encontrar aquele mesmo “portuga” gente boa da padaria, de bigodes largos e lápis na orelha (que, como diz mais uma piada, é para fazer conta de cabeça). Não. Eles vão encontrar aqui um cidadão europeu, culto, educado, que fala pelo menos mais uma língua estrangeira fluentemente. Aquele português que vive em nossa memória é descendente de camponeses, pouco letrados, que fugiram de Portugal escapando da escassez e da fome. Até se encontram alguns exemplares dessa espécie perdida, cristalizada naquelas senhoras viúvas, vestidas de preto dos pés à cabeça. Desmistificando mais uma piada sem noção que os brasileiros gostam de contar, não, elas não possuem bigodes.

Hoje cada vez mais brasileiros buscam saber se têm ascendentes portugueses para reivindicar sua nacionalidade lusitana. Em outras palavras não se envergonham mais de seus avós nascidos naquelas remotas aldeias de Trás-os-Montes, que tinham mil habitantes no começo do século passado e, se calhar, continuam do mesmo tamanho nos dias de hoje.

Talvez se envergonhem sim da condição a que chegou o nosso país e buscam uma nova perspectiva de vida. Os números não são pequenos: em 2018, Portugal concedeu nacionalidade a 126.034 pessoas, sendo 40.939 brasileiros, 32% do total. Desde 2010, quase 240 mil brasileiros receberam a nacionalidade portuguesa, número que cresce ano a ano. Com certeza não são pessoas que apenas querem o status de um passaporte português para não pegar fila na imigração na União Europeia.

Quem não tem ascendência portuguesa e não se enquadra nas condições de obter um visto para residir legalmente em Portugal não desiste. Entra como turista (isso quando não é despachado de volta do próprio aeroporto) e se vira para sobreviver como imigrante ilegal. Não são poucos, estão nos restaurantes, nos empregos domésticos, na construção civil, nos salões de cabeleireiros. Largam suas vidas modestas, mas relativamente estáveis no Brasil e se metem em uma aventura europeia para ganhar um salário mínimo português, sendo que metade desse valor acaba indo para pagar o aluguel de uma moradia.

Loucos? Irresponsáveis? Não acredito que haja tanta gente insana ou mal informada atravessando o Atlântico e embarcando numa caravela furada. Há, sim, pessoas que perceberam que o enredo de nossa História tenha se transformado em um Game of Thrones (em Portugal, “Guerra dos Tronos”) de quinta categoria, com tragédias e tramas paralelas às vezes difíceis de compreender. Presidentes, ex-presidentes, filósofos, juízes, jogadores de futebol, modelos, curandeiros, tudo isso misturado num mar de violência e da lama de nossas barragens. Como não há expectativa ainda de uma última temporada dessa série brasileira, penso que continuaremos a assistir a esse êxodo Brasil-Portugal.

É. Não é fácil acompanhar a história recente do Brasil, e talvez nos tenhamos transformado em uma piada de mau gosto, sem a menor graça.

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