No Brasil, cantamos as águas de março. Em Portugal, abril, águas mil
Aqui em Portugal abril é tempo das últimas chuvas da primavera, prenúncio do verão quente e seco
atualizado
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No Brasil, o nosso Tom já cantava: “são as águas de março fechando o verão…”. Em Portugal, prevalece o ditado “abril, águas mil”. Apesar da proximidade do calendário são estações do ano totalmente diversas. Aqui em Portugal abril é tempo das últimas chuvas da primavera, prenúncio do verão quente e seco, que em outros anos já provocou enormes incêndios nas florestas do país.
Hoje de manhã, dirigindo para Lisboa, tocava no rádio uma canção de outro brasileiro, o surfista-cantor (ou cantor-surfista?) Vitor Kley: “Ô sol, vê se não esquece e me ilumina/Preciso de você aqui”. O locutor da rádio, ao fim da música, brincou com a situação: “é preciso trazer o sol de volta… e o gasóleo também!!!”
Explico: pela primeira vez estou sentindo na pele os efeitos de uma greve portuguesa. Gasóleo, para quem não sabe, é o óleo diesel e aqui em Portugal a maioria dos carros de passeio também são movidos a esse combustível. Pois a greve dos transportadores de “matérias perigosas” pegou os portugueses de calças curtas e tanques vazios.
Ontem à tarde, ao ver aquela fila imensa num posto, eu, ingênuo, imaginei que se tratasse de uma promoção de descontos. E ainda pensei: para os portugueses, que não recusam um centavo de troco, estarem nessas filas gigantescas, devia ser uma baita promoção… Agora estou eu aqui “racionando” os meus deslocamentos, esperando que a greve termine logo. Pelo menos é um bom motivo para caminhar mais, usar os transportes públicos, e queimar as calorias dos vinhos e dos queijos gordos consumidos.
E o Presidente da República, o super popstar Marcelo, ainda fez um apelo aos caminhoneiros para que se sensibilizassem com as famílias que querem viajar nos feriados de Páscoa para suas terras de origem encontrar os familiares… Só em Portugal mesmo. Imagino se um presidente no Brasil fizesse esse tipo de apelo emocional aos grevistas. Tipo: “senhor bancário, pense no transtorno que sua paralisação vai causar aos velhinhos que vão às agências todos os dias só para conversar com o gerente e encontrar os amigos…” No mínimo levaria uma grande vaia… Que falta de sensibilidade!
Mas assim são os portugueses. São sensíveis como o fado. São absolutamente retos, corretos. Param na faixa de pedestres. Respeitam as vagas de portadores de necessidades especiais. Emitem nota fiscal, mesmo que você não peça. Uma retidão que às vezes impede um certo jogo de cintura saudável.
Tenho uma história curiosa sobre isso. Certo fim de tarde, me sentei num bar quase à beira-mar, com um grande espaço livre diante dele e uma vista esplendorosa do por do sol. Quase todas as mesas tomadas. A mesa que eu ocupei tinha uma coluna diante dela. Então caí na besteira de perguntar ao garçom se podíamos colocar a mesa mais adiante nos espaços vazios para tomar uma sangria e curtir aquele momento mágico. Não, não podia porque senão complicaria o sistema.
Não consegui esconder a minha cara de espanto. Depois o rapaz me confidenciou que se eu pedisse para mudar a mesa de lugar, poderia acontecer de outras pessoas pedirem também. Achei melhor não avançar na polêmica. E fiquei pensando, com essa mentalidade empreendedora brasileira: e se o bar de fato espalhasse as mesas pelo espaço livre? E se servissem como aperitivo mais do que pãozinho, azeitona e manteiga? E se colocassem uma música ambiente bem leve que combinasse com o momento? E se pusessem à disposição dos fregueses uns cobertores e aquecedores a gás no inverno?
Não, para eles está bom desse jeito. Estão contentes com o que têm, não almejam ampliar os negócios, sacrificar dias e noites para expandir e ganhar mais dinheiro. Não vai aqui crítica ou elogio. É uma constatação dessa diferença que às vezes irrita os brasileiros que aqui chegam. O supermercado que praticamente “expulsa” você no horário do fechamento. A lojinha que fecha na hora do almoço. E a greve que chega sem avisar, como se fosse a coisa mais natural do mundo.