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Tragédia em Chapecó: 365 dias depois e eu ainda não entendi o porquê

E nem vou entender. Uma das únicas certezas que tenho é que “futebol não é uma questão de vida ou de morte; é muito mais do que isso”…

Autor Larissa Rodrigues

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Chapecoense – homenagens aos mortos na queda de avião
1 de 1 Chapecoense – homenagens aos mortos na queda de avião - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

O ditado “parece que foi ontem” ficou ainda mais forte nesta quarta-feira (29/11). É inacreditável olhar para trás e ver que já se passou um ano, exatos 365 dias. Lembro com perfeição quando meu telefone tocou, por volta das 6h. Eu, que sempre calo o celular para poder dormir, esqueci de silenciá-lo naquela noite.

Acordei assustada, com a chefe mandando arrumar as malas, enquanto ligava a TV para tentar entender o que estava acontecendo. O misto de terror, choro e disposição jornalística acelerou a ansiedade e, quando vi, já estava na redação. A correria em encontrar passagem, a vontade de chegar logo. Onde mesmo fica Chapecó? Qual a distância de Brasília? Quanto tempo até chegarmos lá? Não acredito que foram 71 mortos!

Somente ao entrar na aeronave percebi o que de fato havia acontecido. Estava pisando em um avião para cobrir uma tragédia de avião. Confesso que, desde então, a minha disposição em voar diminuiu um pouco, assim como a vontade de acompanhar futebol.

Depois de passar quase uma semana em Chapecó fazendo as mais difíceis e melhores reportagens da minha vida, esqueci tudo, deletei o assunto, segui… De lá para cá, parei de ler sobre a tragédia, ignorei, deixei de lado. Coloquei Chapecoense e Chapecó em um lugar escondido da memória. Fingi que o acidente não havia acontecido para poder continuar em frente e acalmar o coração.

No entanto, nos últimos dias, quando fui incumbida da missão de relembrar a data, uma tristeza profunda, acompanhada de incredulidade, me invadiram. Com a proximidade do “um ano da tragédia de Chapecó”, veio a inacreditável sensação de como o tempo passa rápido, misturada com a culpa por ter deixado os dias correrem, enquanto a vida dos famíliares das vítimas simplesmente estagnou.

Nos últimos dias, perdi a conta de quantas ligações fiz, torcendo, lá no fundo, para que a pessoa do outro lado não atendesse. Sim, eu precisava fazer o meu trabalho, afinal, como relembraremos a data sem falar com as famílias das vítimas? Mas, como encarar o fato de que a minha vida seguiu, enquanto elas — além dos pais, maridos e filhos – perderam a fé na Justiça?

Como aceitar que, até hoje, não houve a condenação dos culpados e sequer foram apontados os reais causadores de tamanha dor? Como ver três países envolvidos em uma tragédia anunciada jogarem a culpa uns para os outros? Fora a tristeza das famílias e o quanto isso abala qualquer ser humano minimamente sensível, eu – que durante tanto tempo tive o futebol como um elo com meu pai, meu ganha-pão, meu objeto de estudo – não consigo encarar essa tristeza toda sem pensar o quanto tal desastre modificou a vida daquela cidade.

Falei há pouco com o presidente da torcida organizada da Chapecoense, que relatou as mudanças que ocorreram naquele povo e no clube no último ano. Segundo ele, Chapecó nunca saiu das sombras que eu e a repórter fotográfica Rafaela Felicciano encontramos há um ano. Para o torcedor, o time contratado a toque de caixa nunca teve a mesma empatia e o mesmo “amor à camisa” dos então desconhecidos que levaram o nome da cidade a terras antes inimagináveis. Para o apaixonado pela “Chape”, o time de guerreiros agora é mais triste, a cidade é mais feia, a felicidade é disfarçada.

Rafaela Felicciano/Metrópoles
Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Cada palavra do torcedor que doeu em mim, cada telefone desligado na cara por uma viúva que se recusou a reviver a tragédia durante uma entrevista que solicitei, cada foto que revi e revivi, cada pensamento que evitei, cada jogo da Chape que eu não quis assistir. Cada detalhe desses e todos eles juntos me trouxeram duas certezas.

A primeira delas, é que eu nunca entendi e nunca entenderei o porquê da tragédia e, principalmente, o que me levou a Chapecó para sofrer e aprender tanto com aquela pequena cidade de um grande time. A outra certeza que tenho, a cada dia que passa, é que, se alguém conseguiu explicar em palavras o tamanho e a importância do futebol, esse alguém é Bill Shankly. Como disse o ex-treinador e ex-jogador escocês:

O futebol não é uma questão de vida ou de morte; é muito mais do que isso.

Bill Shankly

Não é “só” futebol o fato de eu estar escrevendo este texto e enchendo os olhos d’água. Não é só futebol o arrepio que eu e você sentimos ao ver as fotos da tragédia. Não é só questão de vida ou de morte, querermos ver a Chapecoense seguir com a sua história, apesar de tudo. Não é só futebol quando eu vibro com a permanência do time na Série A. Não é só questão de vida ou de morte repudiarmos o fato de ninguém ter sido condenado pelo acidente tanto tempo depois. É muito mais do que isso… #ForçaChape

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